José Fortes Lopes |
O núcleo universitário em Cabo Verde nasceu de parto natural em S. Vicente, sob os auspícios de duas iniciativas de grande alcance: o Centro de Formação Náutica (CFN), nos anos 80, ocupando as instalações do antigo Comando Naval Português e a Escola Superior de Marketing do Eng.º Canuto, dos princípios dos anos 90. Julgo que tudo isso contou com o apoio do então ministro da educação, Corsino Tolentino, que, salvo melhor opinião, e olhando para trás, terá sido até agora o melhor ministro dessa pasta, pelo menos tendo em conta a visão por si demonstrada para um sector fundamental da vida de um país que dava então os primeiros passos.
A Escola do Mar que o ministro António Correia e Silva ora promete e pretende levar avante não é, na minha opinião, outra coisa senão o Centro de Formação Náutica (que se chamou ISECMAR entre anos 70 e 2000) recauchutado. Este Centro era uma instituição com grande potencial de desenvolvimento, mas a sua morte não tardaria a ser sentenciada por ausência de uma correcta visão estratégica uma vez integrado numa UNICV comandada da Praia. Agora, reconhecendo o erro cometido, querem talvez reactivá-lo, ou então que seja uma forma minimalista de ressarcir S. Vicente de todos os desmandos de que tem sido vítima, como o demonstra a intenção de excluir a ilha dos benefícios do campus universitário que a China pretende financiar.
É lamentável que este e outro tipo de desacerto tenha sido o que contribuiu para votar a um estado de inoperância a ilha que mais personalizava o dinamismo e a pujança social e intelectual no país, arredada de um percurso outrora construído simplesmente pelo suor e pela inteligência de uma cidadania activa.
O MPD, ainda sob influência ideológica de gente do Norte, Humbertos, Tonys Pascoal, etc, teve a boa ideia de transformar em 1992 o CFN em ISECMAR, graças, julgo, às ideias de muitos quadros da Escola e também do Humberto Cardoso, o António Pedro Silva etc. De resto, tenho ideia de ter discutido nos anos 90 com os dois sobre a instalação, numa vasta área da Ribeira do Julião, de um campus futurista, quase utópico, pensando no modelo do campus americano. Se não estou em erro, até o Humberto Cardoso pensava mesmo no apoio do governo americano para a implementação do projecto.
Tudo isso aconteceu numa altura em que se pensava em grande para S. Vicente, sonhando-se com projectos grandiosos para projectar a ilha em função das suas potencialidades, mas sempre olhando para Cabo Verde como um todo em que a cada parcela cabia o que era consonante com as suas aptidões naturais e não pelos critérios políticos nebulosos hoje dominantes na sociedade cabo-verdiana.
Ribeira de Julião, há cerca de um século |
Sonhava-se assim que S. Vicente tinha todas as condições para ser o grande pólo universitário, intelectual e cultural do país, com uma importância que poderia inclusivamente projectar-se para a região africana. Estas ideias baseavam-se no pressuposto inatacável de que S. Vicente era então a única ilha que reunia as condições físicas e sociais para a instalação de um ensino superior de qualidade e orientado para o todo nacional. É que se sentia que na ilha perduravam ainda pulsões remanescentes da massa crítica que a tornaram o centro da actividade intelectual e cultural de todo o arquipélago e que aproveitar o filão não era mais que um dever de consciência e um imperativo histórico.
Todos sabemos que o espaço reservado da Ribeira do Julião viria a ser vítima da cobiça imobiliária e não se resistiu à tentação de alienar os terrenos para construção e angariar dinheiros para a Câmara Municipal da ilha. Quem visita o campus da Ribeira do Julião constata hoje o desperdício ali permitido ao consentir-se uma mistura inapropriada de zona habitável e de campus.
Mas esse capital de ideias fecundas dos nos 80/90 que poderia projectar a ilha de S. Vicente foi desbaratado com a ascensão vertiginosa, a partir de inícios da década de 90 do século passado, da ideologia do centralismo ‘fundamentalista’ praticada pelos dois partidos do poder, a ponto de qualquer projecto de grande envergadura para S. Vicente ser hoje desde logo um nado morto, muitas vezes com a contribuição activa de uma elite mindelense alienada e quase toda ela convertida ao centralismo, graças à sedução de cargos e benesses que compram a sua liberdade de consciência. Nos anos 90, ninguém imaginava que a política do país viria a ser desviada dos seus propósitos legítimos por interesses pessoais e de grupo que são a principal razão de ser do centralismo fundamentalista que se instalou no país e desvirtua os mais elementares princípios de equidade regional.
S. Vicente está exangue e sem esperança, à espera de novos ventos. Um poema diferente para Cabo Verde precisa-se.
Um dia virá que os filhos das ilhas terão direito ao que lhes vem de direito.
ResponderEliminarUm dia virá em que cada grãozinho de terra terá o seu Capitão Ambrósio
Um dia virá
Este recado surge numa altura em que mais uma vez se prepara para excluir S. Vicente de um grande projecto nacional. Por isso, o meu aplauso ao autor.
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