segunda-feira, 31 de março de 2014

[0806] Praia de Bote entra mais uma vez em retiro de escrita e... retira-se! - ULI "MADALAN" TA TCHEGÁ NA BAÍAAAAAA!!!!"

Praia de Bote está a escrever um artigo sobre o famoso veleiro "Madalan", da carreira de Cabo Verde. Já tínhamos abordado o tema AQUI, mas agora vamos mais longe visto ter surgido novo material que estamos a desbravar. Entretanto, os nossos visitantes não precisam de ficar tristes, pois têm oportunidade de comentar os artigos recentes, nomeadamente a partir do 795, sobre o comércio no Mindelo (assunto que continuaremos após o nosso regresso, algures no futuro).

[0805] Uli morna pa tude munde - Notícia enviada para o Pd'B pela Câmara Municipal do Tarrafal de São Nicolau - Veja posts anteriores, sobre o comércio de São Vicente

Sodad, Festival d’ Morna, entra em cena

Sonoridades de um dos ritmos mais prestigiados a nível nacional vão ecoar em Praia Branca, no próximo sábado, dia 5: vários artistas estão confirmados na segunda edição do Sodad, Festival d’ Morna que este ano homenageia Santos Vieira, Toy Domingos e Fanguinha, os instrumentistas que acompanharam Armando Zeferino Soares na célebre morna “Sodad dnha terra Saninclau”.

A edição 2014 do Sodad, Festival d’ Morna, acontece já no próximo fim-de-semana, dias 4, 5 e 6, com uma programação que vai ser cumprida no Tarrafal e na comunidade de Praia Branca. Tal como em 2013, a edição deste ano visa celebrar a morna, isto numa altura em que o País trabalha uma candidatura deste género musical a património imaterial da humanidade. 

Nesta linha de ideia, a organização entendeu ser fundamental associar ao espetáculo musical uma conferência sobre a morna. Será conferencista, o Jornalista Carlos Filipe Gonçalves, em representação do Ministro da Cultura, Mário Lúcio Sousa, que devido à agenda do AME_CV não consegue vir ao Sodad. A moderar a conferência, um outro Jornalista: António Silva Roque, ele também amante deste género cabo-verdiano.

O Sodad, Festival d’ Morna que já vai para a sua segunda edição, presta homenagem aos instrumentistas que acompanharam Armando Zeferino Soares, na interpretação da célebre composição “Sodad dnha terra Saninclau”. São eles: Santos Vieira, Toy Domingos e Francisco Santiago (Fanguinha). 

O palco do espetáculo musical que acontece sábado dia 5, a partir das 20 horas, será montado no largo da Laja, em Praia Branca, enquanto a conferência sobre a morna terá por palco o auditório do Centro Cultural, com início aprazado para as 17 horas. No domingo, os artistas participantes desta segunda edição do Sodad, cumprem um programa de intercâmbio e confraternização com os familiares dos homenageados.

A organização deste evento é da Câmara Municipal do Tarrafal que também assume a sua produção. O Sodad tem um orçamento de 500 mil escudos. O patrocínio é assegurado pelas prestigiadas SOCOL - sedeada na ilha do Sal - e OLICAR – Boa Vista, e pela organização. O Ministério da Cultura, bem assim as Câmaras Municipais do Paúl, Sal, Boa Vista, Praia, São Domingos, Tarrafal de Santiago e Brava são parceiras na realização deste Sodad, e asseguram a presença de artistas dos seus Municípios no desfile de vozes em Praia Branca. A ilha de São Vicente, através da Câmara Municipal, é patrocinadora do som que vai garantir o festival.

As vozes desta edição são: Paúl, Djulay. Sal: Naiss d’ Socol, Maninho Almeida e Magui Spencer. Boa Vista: Zé Rui, Cypi e Gabriela Estrela. Praia: Nhelas Spencer. São Domingos: Raúl di Anu Nobu. Tarrafal de Santiago: Banda Tarrafal Tradicional e Brava: Olavo.

A prata da casa (São Nicolau) faz-se com vários exímios instrumentistas e interpretes: aos Crazy Brothers, originários da Praia Branca, juntam-se as vozes de Da Paz (Ribeira Prata), Leontina Fortes, João Eugénio (Ribeira Brava), e a mestria de Zé Cacai e Da Cruz, no violino. 

A banda suporte é assegurada por Catuco (violão), Júlio (cavaquinho), Beiri (teclado) Calú (baixo), Tony (bateria) e Didi (violão e teclado).

A transmissão do espetáculo é assegurada pela Rádio Sodade FM e pela RCV, num simultâneo a partir da Praia Branca. A Rádio e Televisão da Ribeira Brava bem como o Jornal de São Nicolau também se associam ao evento quer na sua cobertura bem como na transmissão.

[0804] Para a história do comércio no Mindelo (anúncio 7/15) - Bocês bá spiá aquel ctchada d'anúnce lá pa trás

Depois de tanta loja, eis que nos chega a do Fialho. Sim, a do Fialho Jr., q'tem sê negóce lá na Praça de República (qu'nôs ta tchmá Pracinha d'Igreja). Ora aqui temos mais uma loja ecléctica que vende de tudo, desde fazendas a bebidas diversas e conservas nacionais e estrangeiras (corned beef, é quase certo, muito apetecido por quem o podia comprar e também por quem não...) e é agente "em Cabo Verde" das limonadas e tónicos Webb's. Nem mais!... Ou seja, no Fialho é que é bom e como dizem os nossos experts, "Fialho tem tude!"

domingo, 30 de março de 2014

[0803] Para a história do comércio no Mindelo (anúncio 6/15) - Bocês bá spiá aquel ctchada d'anúnce lá pa trás

Ora bem, se você é daqueles que vão ali ao engraxador na Praia de Bote ou ao da Rua de Matijim com os sapatos nas últimas para disfarçar a desgraça dos faluchos que tem nos pés, deixe-se disso. Afinal de contas, para isso é que o Paixão e o Pereira existem e fundaram a sociedade sapateira ainda por cima com toda a legalidade, em escritura pública a 1 de Abril de 1913, pouco antes de este anúncio sair em O Futuro de Cabo Verde. Ahahahahaha, você julgava que o Mindelo e o S. Vicente pós-república eram uma bandalheira? Por aqui se vê que não... Mas há mais, com esses seus pézorros, mais parecidos com escunas da carreira de Cabo Verde, peça ao Paixão ou ao Pereira para lhe fazerem uns sapatinhos por medida, em cabedal nacional ou estrangeiro (talvez em spanish leather, o couro espanhol das botas da personagem masculina da canção do mesmo nome do velho e sempre grande Bob Dylan). Mas repare, se é um forreta, pode dar brilho aos sapatões em casa com graxa dos P&P ou comprar uns atacadores novos para darem reforma a esses já todos esfarrapados. Ou até uma fivela para aquele cinto que substituiu por um cordel por não a ter. Até "etc." que é coisa que qualquer loja que se preze deve ter... E ainda por cima tudo a... "preços convidativos". Ah, grande Soncente de diazá, bô tinha tude...

[802] Dois cabo-verdianos da Brava e do Fogo na origem da implantação da República em Portugal (repare-se na curiosa pergunta colocada em fim de texto)

Two Cape Verdeans Give Birth To The First Portuguese Republic (ver AQUI)

Por Gerson Sérgio Monteiro 
(divulgado ao Pd'B por José Dimas Sequeira)

The Portuguese Republic was established as a result of a coup d’état that was organized by the Portuguese Republican Party on October 5th, 1910, which deposed the constitutional monarchy and a Republican Regime is installed. The Portuguese citizens were not pleased with the royal family’s expenses, the power of the Church, the political and social instability, the system of alternating power of the two political parties and also an apparent inability to adapt to modern times.

The revolution started on the night of October 3rd, after the Republican leaders heard of the assassination of one of their own  Dr. Miguel Bombarda.  Due to this incident the Republican leaders had an emergency meeting, some among the leadership were against the meeting and wanted to postpone their plan of action because of the strong military presence in Lisbon.  The strong military presence was due to the state visit of President Hermes da Fonseca of Brazil and also because of the rumors of an imminent coup d’état.

Cândido dos Reis

Cândido dos Reis
Vice-Admiral Carlos Cândido dos Reis was against postponing the revolution and he insisted for it to take place. Cândido dos Reis thought it would be madness to allow the Government time to order the war ships out of the Tagus. Vice-Admiral Carlos Cândido dos Reis convinced his fellow Republicans by saying, “If you will not go out, I will go out alone with the sailors. I shall have the honor of getting myself shot by my comrades of the army.” Dos Reis continued with, “The Revolution will not be delayed: follow me, if you want. If there is one that fulfills its duty, this one will be me.” [“A Revolução não será adiada: sigam-me, se quiserem. Havendo um só que cumpra o seu dever, esse único serei eu.”]

The thoroughness with which the Republican party was organized says much for the practical ability of its leaders. The moving spirits in the central committee were Vice-Admiral Carlos Cândido dos Reis, Afonso Costa, João Chagas, and Dr. Miguel Bombarda. Simões Raposo spoke for the Freemasons; the Carbonaria Portugueza, a powerful secret society, was represented by Machado dos Santos, an officer in the navy. The Republican party also had a separate finance committee, and funds were ample.

The revolution was to commence with a signal of three cannon shots, but it is unclear if the signal was given but at the appointed hour mutinies broke out in several military barracks.  A small group of armed civilians and mixed company of soldiers attempted an attack upon the Necessidades Palace, to demand the abdication of the King; but they were repelled back to the rallying point of the Republican forces, the Rotunda, at the upper end of the Avenida da Liberdade.

While Vice-Admiral Carlos Cândido dos Reis was on the wharf preparing to undertake command of the naval side of the revolution, he was approached by an unidentified person and was told that the revolt was crushed and all was lost. After hearing this message, Vice-Admiral Carlos Cândido dos Reis headed to his sister’s house, and the next morning his body was found in Arroios with a bullet through his brain.  It is believed that in desperation Vice-Admiral Carlos Cândido dos Reis had committed suicide. If he had delayed his suicide by a couple of hours, he would have seen his dream of a Republican Portuguese State become a reality. Today many towns, cities and avenues are named after this great patriot and founding father of the Republican Portuguese State.

This ardent patriot and leader of the revolution is listed as being born in Lisbon on January 16th, 1852 and at the age of 17 joined the Portuguese Navy as a volunteer. By September of 1909, Carlos Cândido dos Reis had been promoted to Vice-Admiral in the Portuguese Army. He had also joined the Republican Party sometime in 1908.  He was the son of António dos Reis, from Caldas da Rainha, Portugal and Matilde Espirito Santo Nencette from Fernão Nunes, Brava. His maternal grandparents were António Elisário Nencette from Portugal and Anna da Conceição Armas de Burgo from Brava. According to his living descendants Carlos Cândido dos Reis was born in Brava and emigrated to Portugal while still a young child, where he would be baptized. Vice-Admiral Carlos Cândido dos Reis is related to the Burgo and Azevedo families of Cape Verde.

José Barbosa

José Barbosa
The other Cape Verdean that took part in the Republican revolution in Portugal on October 5th, 1910 was José Barbosa. Mr. Barbosa was born on the Island of Fogo in 1869. He was a journalist by training and a strong republican, he spread the Republican ideals in all of the newspapers that he contributed to. José Barbosa was persecuted for his Republican belief, which let to him fleeing to Spain in 1894, then France and later Brazil.

In 1908, he joined the central committee of the Republican Portuguese Party and actively participated in the preparations for the coup d’état of October 5th, 1910.  After the Introduction of the Republic, the provisional government nominated José Barbosa for the position of Secretary of the Interior.  In 1920, during the government of Domingos Pereira, José Barbosa was appointed Minister of the Colonies.

On September 4th, 1923 José Barbosa passed away in the capital of Portugal.

There is a strong possibility that if Vice-Admiral Carlos Cândido dos Reis had survived, he could have been the first president of the newly formed Republican Portuguese State. What would/could have been the impact of a Cape Verdean born president of Portugal on the colony of Cape Verde and some of the other Portuguese colonies? One can only ponder.

     Sources:

Faria, Luis António, Abreu, Suzana, and Araújo, Américo C. Cabo Verde Terra de Morabeza: Uma Viagem Através de Sua História e Cultura. Valrico: LAF Enterprises, 2012.

Rudd, John. The Great Events by Famous Historians: A Comprehensive and Readable Account of the World’s History, Emphasizing the More Important Events, and Presenting These as Complete Narratives in the Master-words of the Most Eminent Historians. Vol. 21. N. p.: National Alumni, 1914. Print.

Singleton, Esther, ed. The World’s Great Events; an Indexed History of the World from Earliest times to the Present Day. Vol. 9. New York: P.F. Collier & Son, 1916. Print.
Great read and a wonderful website www.capeverdehistoryunearthed.com

[801] Para a história do comércio no Mindelo (anúncio 5/15) - VEJA OS POSTS ANTERIORES SOBRE ESTE TEMA E COMENTE-OS

Hoje deixamos o bem fornecido estaminé do Sr. Jaime Santos e passamos ao do Sr. J. B. Guimarães. Este só tem representações de alta categoria: ele é a "L'Urbaine" (ver AQUI), ele é a "Companhia de Seguros Universal (do Grupo CUF)", ele é até a Biscup & Stein de Hamburgo (porque vendia postais ilustrados editados por esta empresa alemã). Mas não se contentava apenas com isso, o nosso homem.  Ainda por cima importava em exclusivo a "bolacha preferida pelo povo de Cabo Verde" (ainda não havia o Matos nem o Wahnon, claro...). Em simultâneo, vendia artigos de mercearia, fazendas e géneros da província. E até reparava e fretava navios. Enfim, um comerciante completo, no nosso Mindelo de 1913.



sábado, 29 de março de 2014

[0800] O programa do Eden Park sem data, já tem data aproximada

Diz-nos Zilda Estrela, filha do poeta Jorge Barbosa e integrante da festa, que o programa deve ser de 1954 ou 1955. Está dito!... Ver AQUI


[0799] Para a história do comércio no Mindelo (anúncio 4/15) - VEJA OS QUATRO POSTS ANTERIORES E COMENTE-OS

É ele de novo, o Jaime Santos, que desta vez faz propaganda aos seus refrescos de todas as qualidades, para o pessoal do Mindelo, para os passageiros que chegam à cidade ou que estão em trânsito para a Europa ou para outras paragens, no Sul ou a ocidente. É claro que havia refrescos a bordo, mas bebê-los na Rua de Lisboa, na Rua de Coco, num botequim da Praia de Bote ou no estaminé do Jaime, era outra coisa... Convido os leitores para um raid à loja em causa. Eu já estou a seguir para lá. A propósito, nem sei onde fica, mas alguém me dirá... na Praia de Bote.



[0798] Para a história do comércio no Mindelo (anúncio 3/15) - VEJA OS TRÊS POSTS ANTERIORES E COMENTE-OS

Isto, a 1 de Maio de 1913, em "O Futuro de Cabo Verde". Um banco a sério, com tudo como devia ser, num lugar onde o dinheiro não abundava mas onde havia quem o tinha.

Adicionar legenda
À direita na imagem e do homem de capacete colonial, a entrada principal do BNU, delegação de S. Vicente

[0797] Para a história do comércio no Mindelo (anúncio 2/15)


É sábado, aproxima-se a hora do lanche e parece aqui ao Praia de Bote que o melhor mesmo é ir à pastelaria e confeitaria do Jaime Santos comprar uns bolinhos, aproveitando para fazer o necessário fornecimento para o jantar que pode ser um conjunto de pastilim de carne e de marisco e ainda uns quantos de doce, para sobremesa.

E reparem naquele "À chegada de todos os paquetes"... Alguém se preocupará com o que interessa aos paquetes de turistas de hoje? O Tony Park acha que não...

Como sempre, até ao anúncio final (15 anúncios), a recolha foi feita em "O Futuro de Cabo Verde", n.º 1, de 1 de Maio de 1913.

Veja os dois posts anteriores, alusivos ao primeiro anúncio tratado, já com comentários dos nossos sábios de serviço.


[0796] Sobre o post anterior...

Ora a piada nestas coisas da investigação é puxar pelos documentos o mais possível. Neste caso, comecemos pela casa comercial. 

Como ali se vê, a Serra & C.ª do Mindelo tinha agente em Lisboa, a Pedro Coelho Serra e C.ª, com escritórios na Rua da Madalena, 201, 1.º, no coração da baixa (onde na imagem se vê o Bar Bora-Bora). Bem situada, portanto, e assim indiciando a sua importância. E essa categoria prestava-se a que fossem agentes no Mindelo da Empresa Nacional de Navegação (que deu origem à Companhia Nacional de Navegação - ver AQUI) e à Companhia de Seguros Bonança (ver AQUI). 

201 da Rua da Madalena, Lisboa
Para além disso, tinham "um vasto sortimento de mercadorias do país, nacionais e estrangeiras" ("do país e nacionais", erro de escrita, a não ser que do país, à maneira francesa se referisse a Cabo Verde...). E vendiam bilhetes postais e ilustrados, alguns dos quais decerto aqui temos visto, entre os muitos já mostrados. E artigos de viagem. E produtos por grosso e a retalho, como então se costumava publicitar.

Mais do que outra coisa, este anúncio e os que se seguirão, manifestam o sinal de um Mindelo cosmopolita e bem fornecido de mercadorias... para quem as podia pagar... aliás, como hoje.

Se mais algum comentador tem algo a dizer, é favor atacar com as suas observações - que todos nós agradecemos. Dissecar, escalpelizar e escavar no passado do Mindelo é o que de facto interessa.

[0795] Para a história do comércio no Mindelo (anúncio 1/15)

É tudo publicidade de "O Futuro de Cabo Verde" (jornal da Praia, dirigido por José do Sacramento Monteiro), no seu primeiro número de 6 páginas, de 1 de Maio de 1913. Publicidade de São Vicente na página 4 e da Praia, na última. 15 anúncios mindelenses, de comércio hoje desaparecido mas que também fez a história da urbe única da ilha. Alguns deles, já os publicámos aqui e ali mas agora saem todos, de forma sistemática, o que dará outra perspectiva da cidade do Monte Cara. Esperemos que o comentadores de serviço puxem pelos galões e pela memória (a que viveram e sobretudo a que lhe passou dos ancestrais) e se debrucem como deve ser sobre estas preciosidades.

Clique na imagem, para a ver melhor

sexta-feira, 28 de março de 2014

[0794] Notícias de Lisboa - Enviadas para o P'dB pela Embaixada de Cabo Verde em Lisboa



[0793] Ainda o Carnaval de São Vicente de 2014

Texto e fotos, colaboração de Zeca Soares

Isidoro Brito "Nho Doy" (trajado de branco na foto) foi uma figura carismática do Carnaval Mindelense, tendo sido fundador dos grupos "Vindos do Céu", e mais tarde "Vindos do Oriente". Foi um entusiasta, e incansável lutador, que apesar das suas limitações académicas, tinha uma capacidade de mobilizar e envolver pessoas dos diversos estratos sociais e profissionais nos seus projectos carnavalescos nos anos 70 e 80 do século passado em que tudo era mais difícil de conseguir em termos materiais, mas havia uma vontade de participar e colaborar sem exigir praticamente nada em troca.

É de justiça reconhecer a atitude louvável dos actuais dirigentes do grupo "Vindos do Oriente" em fazer uma modesta homenagem durante o período do Carnaval de 2014 ao pequeno "Rei Samurai" nome que lhe foi atribuído num dos desfiles do Carnaval passado.


Amplição feita pelo Pd'B de um pormenor da foto de cima. Palavras para quê? É a amizade entre dois povos que continua, em pequenas/grandes coisas como esta.

quinta-feira, 27 de março de 2014

[0792] Mais Eden-Park... e nunca é demasiado

Foi Manuel Marques da Silva (filho do fundador da saudosa e malograda casa de espectáculos) quem enviou o cartaz ao nosso amigo Valdemar Pereira. Este remeteu-o para o Zito Azevedo e o Zito mandou-o ao Praia de Bote que lhe melhorou o aspecto gráfico esbatido e aqui o coloca para o Mundo o ver. Isto, porque o Eden Park, mesmo assassinado, para nós e para milhares de cabo-verdianos de bom tom, boa cabeça e bom espírito nunca morrerá. Mesmo que seja em memória. Mesmo que seja em cartaz.

Infelizmente, a data do papelinho é desconhecida. Mas através dos nomes que ali se lêem e que eram de crianças da altura, a coisa remete para os médios ou finais 50 ou inícios de 60. Quem souber que faça as contas. Eu já escrevi à Zilda Barbosa a perguntar. Veremos se ela me responde e quando. Logo se verá. Entretanto, já remeti o documento para o Arquivo do Mindelact, lá na plurim d'virdura. Com indicação de quem o disponibilizou ao Pd'B, obviamente.


quarta-feira, 26 de março de 2014

[0791] Os escuteiros de Cabo Verde foram possivelmente criados em 1913 ou em tempo muito próximo deste

No seguimento da discussão no blogue parceiro Arrozcatum sobre a data de criação dos escuteiros de Cabo Verde, temos vindo a fazer pesquisas que deram algum fruto. Já conhecíamos de documentação que tínhamos há muito em arquivo, a notícia de O Futuro de Cabo Verde de 20 de Novembro de 1913 (texto de Augusto M. Miranda reportado a 7 do mesmo mês) que agora divulgamos. Nesta notícia, claro que o filho cantor do sr. Frusoni é Sérgio Frusoni. 

Entretanto, conseguimos obter outro dado ligeiramente anterior (12.Julho.1913 mas reportado a 16 de Junho), do jornal londrino The Spectator que também aqui fica. Um e outro documento apontam para 1913 como data de início da instituição escutista nas ilhas (ou para data anterior próxima desta). Nesta altura, segundo a articulista, já a ilha de São Vicente tinha "um florescente corpo de escuteiros"... E aqui se diz também que a coisa foi da responsabilidade do cônsul britânico, capitão Taylor, ajudado por membros da colónia britânica e... por outros. Estes outros seriam certamente gente local (decerto, estando Simão Barbosa em lugar de especial destaque). Embora o jornal seja londrino, não se estranhe que a notícia tenha sido enviada de Pernambuco, Brasil, de onde Katherine Routledge, em viagem, a terá remetido.

Diga-se ainda com satisfação que neste momento o assunto está a ter estudo aprofundado em Cabo Verde, através de Zézinha Alfama e Rosy Alfama que contactaram o Praia de Bote e já receberam esta documentação, disponibilizada com todo o gosto. 



[0790] Holanda quer investir mais em Cabo Verde. Entre os novas apostas, um terminal de cruzeiros no Porto Grande

Ver AQUI

terça-feira, 25 de março de 2014

segunda-feira, 24 de março de 2014

[0786] O mistério mantém-se mas mais atenuado... + (actualização do post) Anúncio de César Gil dos Reis

Baseado em indícios do que vários sábios disseram no anterior post sobre este templo, lancei a minha investigação para os anos 30. Após duas ou três tentativas goradas, saiu-me esta pérola que ainda por cima tem associada a ela o Eden-Park.  É do "Notícias de Cabo Verde" mas eu li-a no "DN" de New Bedford de 28.10.1931. Portanto, nesta altura tentava-se arranjar dinheiro "para a construção da nova igreja" que só pode ser esta. Se alguém mais souber o que quer que seja sobre o templo, que se acuse... Grão a grão... Quanto ao Governador, tanto pode ser o António Álvaro Guedes Vaz como o Amadeu Gomes de Figueiredo, ambos no cargo no ano de 1931. Coisa de menor importância, neste caso...


Para o Valdemar, embora não respondendo ao nominha mas dando mais um contributo para a história do Mindelo... e da Rua de Lisboa.

in O Futuro de Cabo Verde, n.º 1, página 4, 01.05.1913

domingo, 23 de março de 2014

[0785] Um mistério antigo que agora pode ser desvendado

Ver em tamanho maior, em baixo
O que estamos a ver é um templo inacabado (como me diziam nos idos de 60) e não uma igreja em ruínas, que estava assim tanto na época em que  as tropas expedicionárias permaneceram no Mindelo como ainda nos anos 60 (até pelo menos ao final de 1965) em que a conheci. Situava-se umas dezenas ou poucas centenas de metros à esquerda da grande vivenda atribuída ao Capitão do Porto (havia pelo menos mais uma ou duas iguais ali, acho que uma atribuída ao juíz, etc.), não longe da carreira de tiro. Essas vivendas ainda existiam em 1999, em bom estado, perto do local onde está o busto de José Lopes da Silva.

A foto pode encontrar-se no blogue "História das Transmissões Militares", AQUI, com indicação dos nomes dos intervenientes. Mas desta vez o que interessa mesmo é saber que igreja era aquela e porque não foi concluída. É curioso que em 1999, altura em que não restavam sinais da mesma, perguntei a meio mundo por ela e ninguém me soube dizer nada. Talvez na altura não me tenha sabido explicar mas falava numa velha igreja que existia ali em 1962/65 e nem uma aproximação da parte de ninguém. Seria futuro templo católico (neo-gótico) que não foi possível concluir por falta de dinheiro? Protestante? Nazareno? É um dos mistérios cujo significado persigo há décadas e que agora, descoberta esta excelente foto, os leitores mais velhos poderão desvendar. Fico a aguardar...

Lembro-me muito bem que nesses 60 de boa memória havia lá dentro um burro e uma velhota meio (ou totalmente) louca.



[0784] Da degradação do exame clínico e do custo da saúde

Arsénio de Pina (cabo-verdiano)
Costuma-se dizer que a saúde não tem preço, o que é redondamente falso, por ela ser cada vez mais cara. É precisamente sobre o custo avassalador da saúde que me vou deter, e, para começar, aponto as causas: degradação do exame médico (da semiologia), como se queixam muitos doentes, que tem como consequência pedidos injustificados de um manancial de exames complementares ou auxiliares de diagnóstico e a imposição de terapêuticas polivalentes na tentativa de acertar no alvo mal definido, simplesmente suspeitado ou ignorado, portanto, com enorme desperdício de meios.

Com os avanços da tecnologia médica de diagnóstico, o médico, que outrora, e ainda alguns respeitam, examinava detidamente o doente após interrogatório quase policial a indagar sobre o passado da doença, sua evolução e sintomas, mal olha para o doente e prefere seguir o computador, nos locais onde existe, fazer-lhe uma ou outra pergunta, determinar a pressão arterial e lançar mão da caneta, ou do computador, para pedir uma bateria de exames auxiliares ou complementares de diagnóstico que, se não houver comparticipação da segurança social ou de algum seguro, não terá meios para os pagar. Esses meios são auxiliares ou complementares de diagnóstico, não substitutos do diagnóstico que um interrogatório meticuloso, exame da pele e mucosas, uma percussão, palpação, auscultação, pesquisa de reflexos, indagar sobre a evolução da temperatura e outras manobras, guiam o médico na presunção de um ou dois diagnósticos, e, somente depois, a pedir alguns exames auxiliares em número limitado, que possam confirmar ou negar o diagnóstico presumido. Havia médicos, de era anterior à minha, em que os meios auxiliares de diagnóstico eram muito limitados, ou não se achavam necessários para as colónias, que até tinham fama de ter RX nos dedos e pareciam adivinhos, quando, pelo exame rigoroso e interrogatório do doente chegavam a percentagem elevada de diagnósticos correctos. Nos dias que correm, raramente se pratica isso, querendo, a maioria dos médicos, chegar a diagnósticos através dos exames complementares, o que raramente bate certo e implica grande desperdício de meios, insuportável para qualquer serviço nacional de saúde.

Hipócrates, considerado o pai da Medicina, que viveu há mais de dois mil e quinhentos anos, recordado pelo Juramento de Hipócrates, introduziu elementos do método científico no tratamento de doenças. Incitou à observação cuidadosa e meticulosa: “Não deixeis nada ao acaso ou à adivinhação. Não descureis nada. Associai observações contraditórias. Dai-vos tempo suficiente”. Antes da invenção do termómetro registava as curvas de temperatura de muitas doenças. Recomendava que os médicos fossem capazes de explicar, unicamente a partir dos sintomas a evolução provável passada e futura de cada doença. Dava particular importância à honestidade. Estava pronto a admitir as limitações do conhecimento médico. Claro que as suas opções eram limitadas; os meios auxiliares de diagnóstico eram inexistentes, e havia que fazer uso do interrogatório, observação e os medicamentos de que dispunha eram sobretudo laxantes, eméticos e opiáceos. Praticou a cirurgia e a cauterização.

Compare-se o que aconselhava e fazia Hipócrates com a prática actual de grande número de colegas. Os doentes queixam-se de que estes pouco falam com eles nas consultas e limitam-se, bastas vezes, a tirar a tensão arterial, sendo pródigos nos pedidos laboratoriais para mostrar na próxima consulta. Preguiça intelectual, negligência ou excesso de confiança na tecnologia moderna? Um pouco de cada um.

Este mal é geral e vou dar um exemplo do que aconteceu a um amigo dos tempos de Coimbra que quis ouvir a minha opinião, depois de ter ido a uma consulta do seu médico de família num centro de saúde, em Lisboa. O moço foi à consulta por achar a sua ureia e creatinina acima dos valores normais, sem nenhum sintoma particular, medicado para o seu colesterol e tensão arterial elevados mas controlados regularmente no centro de saúde. Como havia um ano que o médico não o via, decidiu repetir os exames pedidos anteriormente e mais alguns, acabando por marcar-lhe uma consulta de nefrologia num hospital lisboeta. Tomem nota dos exames pedidos, repetidos, uns, novos, outros: hemograma completo, provas funcionais hepáticas, PSA (antigénio prostático), ionograma, proteína C reactiva, ácido úrico, pesquisa de sangue oculto nas fezes (recusara colononscopia), glicemia, colesterol (total e HDL), triglicéridos, urina II, clearance da creatinina, ECG com prova de esforço, RX do tórax, ecocardiografia, eco abdominal (renal), espirometria, prova de broncoconstrição com metacolina (sem queixas respiratórias, tendo deixado de fumar quinze anos antes), densidometria óssea, e não sei que mais. Que doente e serviço nacional de saúde suportam tamanho desperdício de meios e custos?

Obviamente que a medicina praticada desse jeito é insustentável. Há que racionalizar a prestação dos cuidados de saúde se se quer manter operacional e sustentável um serviço nacional de saúde. Mesmo nos EUA, onde não existe um serviço desse tipo (porque baseado no privado e em seguros) e o presidente Obama tudo tem feito para implementar, a contragosto dos conservadores e republicanos, um estudo recente chegou à conclusão de que 30% da despesa com a saúde é imputada ao desperdício e à fraude.

A solução não é fácil, mas tem de começar com a mudança de comportamento de todo o pessoal da saúde visando uma maior responsabilização e valorização dos técnicos pela sua competência, mérito profissional e eficiência na direcção e actuação pessoal. Necessidade também de acabar com a promiscuidade entre o público e o privado; remuneração condigna dos técnicos que trabalham em ocupação exclusiva e na prevenção, de modo a não subalternar a prevenção à cura, tanto na remuneração como em técnicos. Uma boa articulação entre o curativo (hospitais e centros de saúde) e o preventivo (PMI/PF e sectores do centro de saúde reservados à prevenção) diminuiria a afluência de falsos doentes ao curativo. Neste capítulo há que actuar com firmeza, sem tibieza nem demagogia relativamente aos utentes da saúde, porque em benefício dos doentes, para que não continue a acontecer os centros de saúde e os bancos de urgência serem centros de convívio e de fofoquices de pessoas com pequenos achaques e muita disponibilidade de tempo. 

Lisboa, Março.2014

Arsénio Fermino de Pina
(Pediatra e sócio honorário da Adeco)

sábado, 22 de março de 2014

[0783] João Branco soma e segue

João Branco é personagem-chave do teatro são-vicentino e por extensão cabo-verdiano. Ninguém como ele deu até hoje tantas alegrias e prestígio dentro dessa área ao povo das ilhas. João Branco é português e cabo-verdiano. João Branco, por acaso é branco, coisa na qual ninguém reparou até agora, porque a gente do arquipélago não é dessas coisas e sabe que é feita de todas as cores. Mas há sempre uma ou outra excepção nestas histórias de paleta de pele. E na hora H, essas excepções, surgem. Como surgiu agora uma, reles, vergonhosa, indizível. Tudo, por causa do Eden-Park (sem acento no "E", que no caso é palavra inglesa, como o Park que a acompanha). Como as coisas estão, é quase certo que o Eden-Park passará a chamar-se Hell-Park. Com as coisas estão, a maravilhosa volumetria da Praça Nova e das construções que agora a rodeiam vai passar a ser igual à de tantas outras praças novas-ricas deste mundo - e às quais ninguém vai, a não ser em caso de absoluta necessidade. Como as coisas estão, haverá mais um motivo para dali fugir a sete pés, aumentando-se a razão ao Tony Park, tipo de cruel mas acertado olho-vivo... Enfim, mas voltando ao João Branco, a razão que lhe assiste ao preocupar-se com o (também) seu Mindelo e as malfeitorias de que a cada passo a cidade é motivo está expressa no filme que a seguir oferecemos aos nosso leitores. Quanto ao resto, ó João, segue o velho ditado relacionado com o cão e a sua mordedura... (infelizmente há algum ruído na peça de reportagem televisiva, mas mesmo assim consegue-se perceber a mensagem).

quinta-feira, 20 de março de 2014

[0782] TROPAS EXPEDICIONÁRIAS PORTUGUESAS A CABO VERDE NO PERÍODO DA SEGUNDA GUERRA MUNDIAL - Convivência entre militares e população civil

Adriano Miranda Lima
Em nove textos publicados, há cerca de um ano, neste blogue, sobre as Tropas Expedicionárias a Cabo Verde, houve ocasião de abordar o tema sob um ângulo estritamente militar, sem, no entanto, deixar de enfocar um ou outro aspecto de maior interesse do ponto de vista humano e social. Os tempos eram de guerra, de reais dificuldades tanto para militares como para civis, e é por isso natural que o relevo tenha sido dado às exigências, rigores e sacrifícios que implicava a prontidão militar para responder a uma hipotética agressão ou simples interferência no território neutral das ilhas atlânticas por qualquer dos dois contendores mais provavelmente interessados, alemães e britânicos.

No entanto, e embora isso, houve tempo para o lazer das tropas e para muitos momentos de convívio fraterno e amigo com a população civil do Mindelo. Tendo pensado na maneira mais adequada para abordar o tema, achei que devia dar a palavra ao “Chico da Concertina”, nome artístico por que ficou conhecido no Mindelo o ex-1º cabo Francisco Lopes, natural de Tomar, pertencente à 3ª Companhia do Batalhão de Infantaria 15. Note-se que o nome “Chico da Concertina” já tinha surgido circunstancialmente num daqueles meus textos publicados e voltaria a aparecer mais tarde figurando num folheto-programa de actividades teatrais no Eden Park daquele tempo, também publicado neste blogue. Tive a oportunidade de conhecer o senhor Francisco Lopes e até de conviver com ele em Tomar, onde exerceu toda a vida a profissão de encarregado de electricidade na fábrica Matrena, situada nos arredores da cidade. De tudo o que lhe ouvi contar, sempre com uma indisfarçável e viva emoção estampada no rosto, convenci-me, portanto, de que ele personificaria o exemplo perfeito da boa convivência que houve entre militares e civis, ao tempo dos acontecimentos. É evidente que estou a falar do universo social que estava mais próximo da classe militar a que ele pertencia, mas será esse talvez o que espelha com mais fidelidade a espontaneidade e a sinceridade do comportamento humano. Sabe-se que a outros níveis relacionais o convívio foi mais restrito a espaços privados, proporcionando namoros e alguns casamentos entre militares graduados e raparigas cabo-verdianas. 

Por conseguinte, elejo o 1º cabo Francisco Lopes como um verdadeiro e natural paradigma das relações humanas entre a tropa e a população do Mindelo, daí ser justo dar-lhe a palavra, transcrevendo o que, para o caso, mais interessa relativamente a um texto que ele escreveu em 2001 para o jornal “Cidade de Tomar” sobre a sua experiência militar e social em S. Vicente, por ocasião da comemoração do 60º aniversário da partida do seu Batalhão para Cabo Verde. O mesmo é dizer que vamos soltar o “Chico da Concertina” nas ruas do Mindelo, após soar o toque de ordem (1) no aquartelamento improvisado da sua companhia nas instalações da antiga Sociedade Luso-Africana, no centro da cidade. A sua palavra será secundada com a ilustração de algumas imagens de fotografias do seu espólio pessoal, que são de notável veemência e expressividade. 

Deixemo-lo então abrir o livro:

“O nosso capitão era uma pessoa muito considerada pela sociedade civil do Mindelo e com frequência era convidado para festas e almoços, e lá ia eu com a minha gaita (acordeão) para tocar as músicas de cá, mas nunca me deixava tocar antes de comer e beber do bom e do melhor.

No que me diz respeito, fui o único que fez parte de orquestras e grupos musicais na ilha de S. Vicente. Passei a ser muito popular e era lá conhecido pelo “Chico da Concertina”.

Sempre que havia festas lá estava eu com o meu acordeão, mas havia lá dois violistas muito bons, o Toque e o Tonzinho, que me acompanhavam muitas vezes.

Não me posso esquecer do amigo Alpercata, do Montijo, bom violista e guitarrista que cantava muito bem, fomos várias vezes actuar no teatro (Eden Park) e em muitas serenatas às tantas da noite; e também não me esqueço dos concertos de acordeão e violino do Sr. Alferes Jacob, outras vezes acompanhado à viola pelo Sr. Alferes Vicente.

Eu tinha lá um grande amigo cabo-verdiano que tocava muito bem o piano, o Naldim Gonçalves. Era quem me convidava para inúmeras festas em que iam os seus familiares. Até me emprestavam um fato a civil para ir às festas.

Também fiz parte de um grupo de teatro, fazendo também parte da orquestra, e os componentes do teatro eram na sua maioria do BI 7, juntamente com naturais da ilha, em especial as meninas.

Recordo os piqueniques na quinta da Ribeira de Julião, dos farnéis que levávamos para lá, era farra todo o dia; das deslocações que fazíamos para a quinta do Calhau, dos exercícios da nossa companhia fora de portas, etc.

Da nossa estadia em S. Vicente, não me esqueço das voltinhas que dávamos à noite à volta do Jardim (da Praça Nova), ao som da música do coreto da Banda Municipal, dirigida pelo maestro Jorge Cornetim, em que convivíamos uns com os outros e fazendo a corte às moças de lá (algumas muito giras). No fim tocava o Hino Nacional e toda a gente parava em posição de sentido, militar ou civil. 

Enfim, fui um privilegiado, passei lá os melhores dias da minha vida, cuja lembrança estará sempre viva na minha memória.”

A complementar o conteúdo do seu texto, o senhor Francisco Lopes disse-me que no círculo das suas amizades, além do Jorge Cornetim e os já citados, entrou também o que viria a ser o escritor Nuno Miranda, na altura finalista do liceu, mas que já escrevia textos literários para jornais. Adiantou que, mais tarde, quase todos os anos viriam a encontrar-se na Praia da Conceição, em gozo de férias, e relembrando sempre aqueles tempos bons da sua mocidade. Também referiu-me que teve uma boa relação de amizade com o fotógrafo amador José Vitória, e para o comprovar mostrou-me uma foto de três dos filhos desse amigo, duas raparigas e um rapaz, ainda crianças. Ficou boquiaberto quando lhe disse que uma dessas raparigas viria a ser a esposa de um tio meu. Já se tinha também admirado de eu lhe dizer que o Nuno Miranda é primo direito do meu pai. Essas duas coincidências mais reforçaram a afinidade entre mim e o interlocutor.

Terminou a nossa conversa com estas palavras: “Aquela gente era maravilhosa e amiga do seu amigo, e confesso que nunca esperei ir para a guerra num sítio como a cidade do Mindelo. Claro que a vida era difícil naquele tempo por causa da guerra, havia pobreza e até muita fome, mas as pessoas eram simpáticas e carinhosas”.

Permitamos agora que o antigo expedicionário nos ofereça algumas imagens (fotografias do seu espólio pessoa) que falam mais do que as palavras:

1.º cabo Francisco Lopes
Militares da 3.ª Companhia, no aquartelamento improvisado nas antigas instalações da antiga Sociedade Luso-Africana.
Horas de ócio, na esplanada do Eden Park, talvez a aguardar uma matinée.
No aquartelamento de Chã de Alecrim, de outro batalhão (BI7).
Equipa de futebol da 3.ª Companhia, de que o Chico fazia parte.
Duas equipas militares defrontam-se: a da 3.ª Companhia, contra outra.
Moças de um grupo de Carnaval. Em baixo, lê-se a palavra Fluminense, escrita à mão.
O Chico, sempre com a sua concertina. A rapariga assinalada seria uma saudosa recordação do seu jovem coração? Bonitas moças, não há dúvida. Bem dizia ele... E, baixo lê-se a expressão Sempre Fixes, escrita à mão.
Esta foto foi obtida por ocasião de um baile de Carnaval do Fluminense. É uma imagem que exala ternura, pela sã camaradagem nela patente entre militares e civis.

O Manim Estrela, célebre futebolista, está de cócoras e fato branco ao lado do Chico.
A “tocatina” era uma constante nas suas horas de folga. Sem dúvida que os moços militares desembarcaram na terra certa e, para mais, os contingentes militares levaram bons executantes de vários instrumentos musicais. E não deixavam os seus créditos por mãos alheias, como se depreende da narrativa. O Chico pouca folga dava ao seu acordeão, como ele me confessou e fez questão de frisar no depoimento que escreveu páginas atrás. Nos convívios que realizaram depois do regresso a Portugal, ele levava sempre o seu acordeão, como mostra uma das fotografias mais à frente. E é claro que as “tocatinas” e as festarolas eram a melhor via para conquistar o coração das crioulas, isto numa ilha em que todo o pretexto servia e serve ainda para realizar um bailinho, seja um aniversário, uma despedida, ou um baptizado, e este até mesmo de boneca. A foto é feita dentro do saudoso cinema Eden Park, a avaliar pelos cartazes afixados à parede. E também pela cadeira de verga (da esplanada do cinema) que um dos militares está a utilizar.
Na pracinha do Liceu Gil Eanes.
Na Praça Nova, junto à fonte.
Almoço na Ribeira de Julião.         
O Chico, de visita ao Paul, ilha de S. Antão. Em cima do burro, o seu amigo Jorge Cornetim, e à direita do animal, o anfitrião, José Pedro Afonso, telegrafista do navio Senhor das Areias.
No Paul, o Chico não deixou de tocar para os amigos, junto ao ecrã de um cinema ao ar livre.
Esta foto apresenta-o em dueto com um companheiro à viola, num dos muitos convívios que os expedicionários realizaram depois de desmobilizados. É interessante ver o tempo que medeia entre estas duas fotografias, numa, acima,o jovem 1º cabo na verdura dos seus 22 anos, e aqui, já na maturidade dos seus de cerca de sessenta anos.  

O senhor Francisco Lopes prestou-me estes testemunhos em 2007, numa esplanada de Tomar, numa altura em que andaria à volta dos seus oitenta e sete anos. Estava ainda rijo de corpo e fresco de memória, sempre irradiando simpatia e boa disposição. Conduzia ainda o seu automóvel, no qual se deslocara ao ponto combinado do nosso encontro. Não é por acaso que refiro este aspecto particular, pois as autoridades viriam a retirar-lhe a carta de condução, creio que por desactualizada em função da idade, não mais voltando a readquiri-la. Terá sido o bastante para ele se reter em casa e entrar em depressão. Depois, viria a sofrer uma afecção respiratória, que se complicou, e foi o suficiente para tempos depois nos deixar. Julgo que aos oitenta e nove anos. Senti muito a morte do senhor Francisco Lopes, porque era um elo precioso de uma memória histórica que muito prezo, por envolver o Regimento da minha vida, o RI 15, e a cidade onde vivo. E também porque ele era um homem de nobres sentimentos, alguém que me considerava e estimava, talvez pela forma como apoiei duas vezes, no aquartelamento do Regimento, os almoços e convívios dos antigos expedicionários do seu Batalhão, o último dos quais em 2001, de cuja comissão organizadora ele era o membro mais entusiasta e interessado. Mas percebi que a atenção para comigo talvez se devesse também ao facto de saber da minha naturalidade cabo-verdiana. Pois é possível que ao olhar para mim revisse as suas andanças juvenis pelas ruas do Mindelo, as festarolas, a morabeza das pessoas, o encanto das crioulas. 

Há poucos dias, fui ao funeral de um antigo militar expedicionário desse Batalhão mobilizado pelo RI 15, não só por aquilo que ele foi, mas também porque sou amigo de uma sua filha. Tinha noventa e três anos e foi polícia em Tomar. Não tenho conhecimento de que haja mais algum sobrevivente desse Batalhão, pelo menos na cidade onde vivo e de onde a força militar partiu para Cabo Verde, há setenta e dois anos. 

As memórias vivas extinguem-se pela lei da natureza, com a passagem inexorável do tempo, implacável e enigmático na modelação das nossas percepções, dúvidas e contingências. Mas o tempo é também prazeroso quando um átomo da sua substância tem a magia de nos incorporar nas recordações de alguém que já não existe, criando-nos a ilusão de um espaço de partilha comum, como um palimpsesto onde tudo se escreve, se apaga e se reescreve continuamente e conforme o viés da nossa corrente de transmissão. Bem dizia Leonid S. Sukhorukov que “a vida não é julgada pelo tempo mas pelas memórias dos momentos especiais.”

                                                       Quarteira, 18 de Março de 2014
Adriano Miranda Lima

(1) “Toque de Ordem” é o toque militar que anuncia nos quartéis o fim da actividade do dia, sendo a partir disso autorizada a saída livre para quem não está de serviço.