quarta-feira, 31 de outubro de 2012

[0273] Matiota, ó que sôdade...


Amanhã à noite, teremos o regresso de Adriano Miranda Lima com mais um dos seus interessantíssimos textos sobre a força expedicionária portuguesa a S. Vicente no período da II Guerra Mundial. Entretanto, com o patrocínio da Casa do Leão, vamos todos dar um mergulho à Matiota (ou ficar a boiar de papo para o ar "na tanquim"). Convirá dizer que nesta altura aqui o administrador do PRAIA DE BOTE estava em S. Vicente e que é bem possível que um daqueles pontos pretos lá adiante seja da cabeça dele... Quanto à menina que escreve o postal para o seu amigo, apagámos o segundo nome e o apelido. Também convirá referir o salto técnico da Casa do Leão que antes já publicara postais, mas a branco e preto. Agora, era o momento da cor.


segunda-feira, 29 de outubro de 2012

[0272] "Um Monte (ainda) Verde", por Zeca Soares

Monte Verde

Monte Verde - Foto Zeca Soares

Mindelo (ou São Vicente) não é só MONTE CARA. Também é MONTE VERDE. Agora é preciso ir para além do Monte, ir a BALEIA, "Se não de vista, ao menos pela fotografia" - já dizia alguém.

BALEIA é o único vale existente em São Vicente, verdadeiramente rural, onde se pode praticar agricultura de sequeiro. Situado no lado direito, para quem esta no Monte Verde, e de costas para Monte Cara, foi durante os tempos de "canequinha"o lugar onde se cultivavam e de onde vinham os víveres para o abastecimento dos barcos que escalavam o Porto Grande; ainda lá estão as ruínas da Casa Figueira, a mesma "casa" da Praia de Bote “FIGUEIRA & COMPANHIA". Mas isso é trabalho de investigação para pessoas habilitadas.

Com a regularidade das chuvas dos últimos anos, pode-se constatar de facto o ambiente verdejante daquele vale e a disposição do terreno em produzir. Os insectos que normalmente dão cabo das plantas são praticamente inexistentes ali. Mas infelizmente os braços que fazem a terra produzir, praticamente não existem; as poucas pessoas que por lá se aventuram, fazem-no por amor à terra ou por carolice. No fim, mesmo que apanhem uns quantos sacos de pastos para animais, já se dão por satisfeitas. São grandes quantidades de terrenos que foram produtivas e hoje abandonados e algumas casas em ruínas mostram que BALEIA de facto teve vida farta.

Deixo aqui um convite ao Praia de Bote para uma caminhada ao outro lado da ilha: Baleia, via Seixal e Mato Inglês.

Um grande e forte abraço de
Marcos Soares

Do PRAIA DE BOTE segue a promessa: pode ser que muito em breve, mesmo muito em breve, façamos juntos esse percurso, para encher a vista, o coração e a máquina fotográfica. O lugar merece. Olá se merece... Seguem também os agradecimentos por tão soberbas fotos e pela nota de memória agrícola. A máquina Kodak está a portar-se muito bem e o operador ainda melhor...


Monte Verde - Foto Zeca Soares (clique para ampliar)
Milho no Monte Verde - Foto Zeca Soares (clique para ampliar)
Monte Verde - Foto Zeca Soares (clique para ampliar)
Monte Verde - Foto Zeca Soares (clique para ampliar)
Baleia em dia de chuva - Foto Zeca Soares (clique para ampliar)

domingo, 28 de outubro de 2012

[0271] Há 80 anos, algures em S. Vicente, alguém escrevia para a filha...


1.Janeiro.1932
Querida Maria José
Muito obrigado pelo teu postal que é muito bonito e pelas bôas festas. Deus queira que tivessem passado a noite de Natal bem, eu fui à Missa do Galo e depois comi um bocado de paio da tia Júlia, passas e nozes e fui-me deitar comi com os vossos retratos ao pé lembrei-me muito de todos fez um ano que a gente bastante rio com a Lourdes e a mãe da Maria lembras-te? No dia de Natal fui almoçar com o Barreiros e família e fui jantar com o Branco e D. Aurora e fui-me deitar às 9 hora da noite. Como lembrança de Ano Novo mando 25 pesetas e 10 francos para ti e Venancia. Saudades e beijos do teu pae e mt.º amigo.
Adriano C.
S. Vicente – 1-1-1932

Não recebi a encomenda que dizes ter mandado. Hontem foi aqui grande dia de festa, a maior do anno, dia de S. Silvestre
Teu pae,
Adriano C.


Claro que escondemos parte do nome dos intervenientes e o endereço da D. Maria José, contemplada com uns dinheiritos em divisa estrangeira que o pai lhe enviou do Mindelo para Lisboa (perdão, Lisbôa). Quem seria o senhor Adriano, não o sabemos. E muito menos o que faria longe da família. Mas a verdade é que não manda escudos, nesse ano anterior à elaboração da constituição do Estado Novo e da verdadeira consolidação daquele rapaz oriundo de Santa Comba Dão na cadeira de onde só cairia muitos anos depois.

Ao fundo, a Cabeça de Washington (repare-se que em 1932 ainda assim era designado o nosso Monte Cara). S. Viçente de cedilha e as edições são do esforçado familiar do nosso amigo Fernando Frusoni. Quatro vapores no Porto Grande, muitas lanchas carvoeiras e um ar vintage que dá à coisa o ar de diazá e do "tempe de canequinha"...

Amanhã, um texto e imagens de Zeca Soares. Para breve, a continuação da "guerra expedicionária" de Adriano Miranda Lima.

quarta-feira, 24 de outubro de 2012

[0270] Continuação do trabalho de Adriano Miranda Lima (ver posts 256, 257, 259 e 264)

TROPAS EXPEDICIONÁRIAS PORTUGUESAS A CABO VERDE NO PERÍODO DA SEGUNDA GUERRA MUNDIAL

5 - A  Actividade Militar e as suas múltiplas contingências (1.ª parte)

Adriano Miranda Lima
A minha mãe tinha dezoito anos quando as tropas expedicionárias começaram a chegar a S. Vicente. Recorda-se perfeitamente do enorme rebuliço em que subitamente caiu a ilha e, muito particularmente, a cidade do Mindelo. Diz ela que volta e meia colunas apeadas de tropas equipadas passavam em trânsito para outros locais da ilha. Lembra-se de um dia admirar-se de ver numa dessas colunas um soldado tão franzino de corpo que lhe fazia confusão como conseguia ele aguentar o peso da mochila que lhe derreava as costas.


Formatura de um pelotão da 2.ª Companhia de Sapadores Mineiros. Foto do expedicionário 1.º cabo Custódio Jacinto (actualmente com 92 anos), pertencente e esta subunidade.

Esta visão que a jovem que haveria de me dar à luz conserva na sua memória mais longínqua é um registo impressivo que pouco ou nada tem de substantivo senão a força imperecível da recordação de um acontecimento invulgar na cidade. A ilha dormia na pacatez dos seus dias quando subitamente milhares de homens vindos de fora lhe trouxeram aquela dimensão a um tempo impetuosa e sublime que é própria da instituição militar na sua mais pura essência. Para se ter uma ideia da actividade militar em Cabo Verde naquele tempo e da sua enorme repercussão no meio civil, apresentam-se os seguintes dados sobre os efectivos presentes em Cabo Verde entre 1941 e 1943, agrupando os militares das várias armas e serviços e discriminando as respectivas classes:

Na ilha de S. Vicente
Oficiais – 145; Sargentos – 233; Praças metropolitanas – 2.637; Praças de recrutamento local – 406; Total de efectivos – 3. 421.
Na ilha de Santo Antão
Oficiais – 23; Sargentos – 47; Praças metropolitanas – 635; Praças de recrutamento local – 48; Total de efectivos – 753.
Na ilha do Sal
Oficiais – 85; Sargentos – 146; Praças metropolitanas – 1869; Praças de recrutamento local – 144; Total de efectivos – 2.244
Total no arquipélago
Oficiais – 253; Sargentos – 426; Praças metropolitanas – 5141; Praças de recrutamento local – 598; Total geral – 6418.

Relembre-se que os 3 batalhões de infantaria de S. Vicente/S. Antão constituíram o Regimento de Infantaria 23 e que na ilha do Porto Grande foi sediado o Comando Militar de Cabo Verde, sob o comando do brigadeiro Augusto Martins Nogueira Soares.

Ora, o efectivo de 3421 militares em S. Vicente significou, em termos demográficos, um acréscimo percentualmente considerável aos cerca de 15.000 habitantes civis então existentes na ilha. Desse efectivo, 3.015 eram militares metropolitanos e 406 praças de recrutamento territorial. Se estes últimos se podiam considerar no seu meio natural, os primeiros representavam uma perfeita novidade aos olhos da população civil não tanto pela sua origem mas sobretudo pela sua importância como corpo social de repente injectado na comunidade local, fenómeno inédito e irrepetível no historial da ilha. Não será difícil imaginar a influência valorativa e transversal que tantos oficiais e sargentos passaram a ter na sociedade civil cabo-verdiana. A cidade não tinha uma dimensão urbana e demográfica que lhe permitisse absorver tanta população militar sem sentir profundamente alterada a sua pulsão habitual e o seu ritmo normal de existência, podendo dizer-se que os civis e os militares souberam interpenetrar-se para que Mindelo ganhasse um novo cariz sem dar por isso. Tarefas várias de natureza logística, incremento inusitado de trânsito automóvel militar nas ruas, cerimónias e comemorações militares, rondas militares à noite, escoltas ao Tribunal Militar, magotes de soldados fardados passeando pelas ruas nas suas horas de folga, tudo mudou na vida do Mindelo.

Desfile e cerimónia realizados em 14 de Agosto de 1942 no âmbito da comemoração da batalha de Aljubarrota. Esta efeméride corresponde ao dia da Infantaria Portuguesa, que, por rotação entre as armas do exército português, pode calhar ser, por acumulação, o Dia do Exército. Creio que nesse ano foi o caso. Nota-se que as forças, de que se tem uma visão parcial, estão a passar pela rua do Coco. Atente-se no pormenor do oficial a cavalo à frente de uma das forças integradas no desfile. Creio ser um comandante de companhia. Naquele tempo, a partir do escalão companhia, os comandantes desfilavam a cavalo à frente dos seus homens. Foto pertencente ao expedicionário 1.º cabo Custódio Jacinto - Foto Melo

É importante referir que vários edifícios civis foram requisitados em S. Vicente para instalação de órgãos, serviços e mesmo efectivos militares, sobretudo as instalações que eram de utilização colectiva, como organizações recreativas e desportivas. Tal como diz a Dr.ª Risanda dos Reis Soares (1), o Clube de Ténis do Mindelo foi utilizado como garagem militar, o clube social Grémio Recreativo como quartel-general das forças expedicionárias, um edifício da comunidade britânica foi ocupado para um fim militar qualquer, numa dependência do Liceu foi instalado um serviço de fardamento e calçado, e o edifício da Câmara Municipal foi transformado temporariamente em hospital militar. Um outro exemplo que posso citar, por envolver a minha família paterna, diz respeito a um vasto terreno murado com depósitos que o meu bisavô, o comerciante Alfredo Miranda, possuía na zona que descai para a Lajinha e onde seria mais tarde construída a Escola Técnica. Foi-lhe requisitado, ao que parece a título definitivo, por uma quantia que o meu familiar entendeu ser simbólica e que, por isso, recusou receber. Segundo ainda a Dr.ª Risanda Soares, as autoridades civis de S. Vicente procuraram sensibilizar as populações para a mudança que ia ser operada na sua vida normal e a este respeito o então vice-cônsul britânico da ilha, a 3 de Dezembro de 1943, dizia o seguinte numa missiva: “A circulação das pessoas foi restringida pelos militares limitando a área em que as pessoas podiam fazer as suas vidas. Em consequência, a fome, o sobrepovoamento dessas áreas e condições de insalubridade aumentaram, assim como qualquer possibilidade de fazer negócio. A tensão entre os militares e a população também aumentou, dando origens a motins.” Mas tudo indica que a ocupação de algumas instalações civis foi numa primeira fase e na ausência de outra alternativa, e uma prova disso foi o hospital militar logo construído na zona entre o hospital civil e o bairro da Ribeira Bote. Mas o meu bisavô é que nunca foi ressarcido do que perdeu. Quanto a motins, pessoas ouvidas alegam haver exagero nas palavras do vice-cônsul britânico. São de opinião que houve bom relacionamento entre os civis e os militares e que alguns incidentes não passaram de rixas por causa de disputa das moças locais. A seu tempo, este assunto será abordado com mais detalhes.

Edifício onde esteve instalada a 2.ª Companhia de Sapadores Mineiros - Foto pertencente ao expedicionário 1.º cabo Custódio Jacinto.

Capitão de Engenharia Firmino da Silva, comandante da 2.ª Companhia de Sapadores Mineiros - Foto pertencente ao expedicionário ex-1.º cabo Custódio Jacinto

O que foi acabado de narrar nas páginas que precedem diz respeito à rotina militar e sua envolvência e implicações sociais. Como não podia deixar de ser, a parte nobre e nuclear da actividade militar era aquela que decorria da missão de defesa do arquipélago. Baseando-me em pouca documentação disponível e em testemunhos orais, a minha narrativa vai agora incidir sobre os aspectos mais significativos da actividade operacional desenvolvida, procurando, de uma forma sucinta, reconstituir o que seria normal e provável naquele contexto preciso.

Qual era a “situação geral” no âmbito territorial (Atlântico centro) e qual a potência em conflito mais provavelmente interessada em apoderar-se das ilhas de Cabo Verde? Vamos ver. A Inglaterra e os EUA não porque foi por sua pressão que Portugal se viu obrigado a reforçar a defesa das ilhas atlânticas. O inimigo provável era, com efeito, a Alemanha nazi, não obstante a declarada neutralidade do nosso país. A 2ª Repartição do Ministério da Guerra, no relatório elaborado pelo seu chefe, coronel José Mascarenhas (2), entendia que o porto de São Vicente seria útil, do ponto de vista dos beligerantes, mais como um ponto de apoio (porto de refúgio) do que como base naval. Admitia-se que o desembarque de forças adversas poderia ocorrer em qualquer ponto da ilha de S. Vicente, mas com mais probabilidade no próprio objectivo principal, ou seja, o Porto Grande e a cidade. Considerava-se que o inimigo excluiria a hipótese de perder tempo e desperdiçar energias com marchas longas e desgastantes quando lhe seria relativamente fácil um ataque frontal entrando directamente pelo Porto Grande, sabendo de antemão que Portugal não tinha capacidade para oferecer forte resistência nesse objectivo.

No entanto, não se punha de lado a possibilidade de o inimigo entrar também na ilha pelas baías de Salamansa, S. Pedro e Baía das Gatas. A actividade submarina alemã no Atlântico centro contra os comboios marítimos circulando entre a Europa, a América do Sul e Central e a África do Sul, colocava Cabo Verde no palco dos acontecimentos, dada a sua posição geoestratégica, e em várias ocasiões foram avistados submarinos alemães nas proximidades de S. Vicente e S. Antão. Há testemunhos de que chegaram a ancorar na baía do Tarrafal/S. Antão e em outros locais desta ilha, e também na baía de Salamansa e mesmo na do Porto Grande, neste último caso com o maior à vontade, e de tal forma que houve um veemente protesto do cônsul inglês em S. Vicente. O submarino, que acabou por acatar, só deixou o porto quando bem o entendeu. Porém, hoje já pertence à História que Cabo Verde deixou de ter grande importância para os alemães a partir do momento em que, com a capitulação da França, passaram a poder utilizar Dakar e os territórios da África Ocidental para bases aéreas e de apoio naval. De resto, tudo indica que os submarinos alemães aproximavam-se das nossas costas mais com o intuito de se reabastecerem de frescos do que como atitude de hostilidade. Vários testemunhos de civis referiram o ancoramento de submarinos em locais de S. Antão com essa finalidade, que nunca deixaram de pagar os produtos que adquiriam.


Submarino alemão (U-boat) - Foto Internet
A defesa da do porto e da cidade do Mindelo, que constituíam o objectivo principal do ponto de vista do inimigo, de resto o mais plausível, exigiu a preparação e o guarnecimento de posições defensivas ao longo do perímetro da baía do Porto Grande e nos pontos dominantes da cidade que conferiam observação e campos de tiro dominantes sobre o invasor. Uma organização defensiva supõe a construção de trincheiras e abrigos em mais do que uma linha (escalão) de dispositivo e, como é de doutrina, os planos elaborados procuraram tirar proveito das encostas dominantes ao longo de toda a orla do porto. A grande azáfama de construção de trincheiras pode ter exigido o recurso a mão-de-obra civil, se bem que as tropas de infantaria, reforçadas com a engenharia militar normalmente dão conta dessa tarefa com os seus próprios meios (basicamente com pá e picareta, pois naquele tempo as máquinas de engenharia não eram muito comuns), salvo se um certo grau de urgência exigir a conclusão rápida dos trabalhos. Não estou seguro de que tenha havido recurso a civis, mas seria sem dúvida uma oportunidade de dar trabalho a algumas mãos desocupadas e de matar a fome a algumas pessoas. O que é natural é o acesso a toda essa área de posições defensivas ter sido vedado a civis, e isto é exemplo de uma das restrições que a população pode ter sentido na sua vida normal. É um facto que a actividade piscatória e a rocega de carvão podem ter ficado bastante limitadas em muitos locais.

Um grupo de militares do BI 5 (o 2.º da direita para a esquerda é o 1.º cabo Luís Henrique, pai do editor do blogue Luís Graça&Camaradas). Segundo indicação pessoal do ex-cabo Luís Henrique, esta foto foi obtida junto a umas trincheiras, e o mais certo na orla da baía do Porto Grande - Foto do blogue Luís Graça & Camaradas

Para além do empenhamento directo e prioritário na organização, preparação e treino da defesa do porto e da cidade, importava preparar também a defesa de outras zonas de possível desembarque de tropas inimigas, como o eram principalmente as baías de S. Pedro, Baía das Gatas e Salamansa. Enquanto na cidade do Mindelo e orla da baía do Porto Grande as tropas dispunham de instalações e posições de carácter permanente bem como um dispositivo de vigilância em estado de alerta contínuo, atendendo a que constituíam a área prioritária para a defesa da ilha, naquelas outras localidades citadas a sua ocupação seria encarada noutros moldes. Com efeito, o chamado “estudo da situação de operações” previu que naquelas regiões fossem construídas trincheiras e posições pré-preparadas para serem rapidamente ocupadas por uma companhia, reforçada com armas pesadas das companhias de acompanhamento dos batalhões. Estava previsto que essas posições incorporassem depósitos de munições e eventualmente água e víveres, permanentemente guardadas, e prontas a serem ocupadas quando e se a situação o recomendasse. Por testemunhos obtidos, sabe-se que, efectivamente, naquelas regiões estiveram destacadas forças de efectivo companhia ou pelotão, certamente obedecendo a um plano de rotatividade e com uma permanência variável com as informações que iam sendo obtidas sobre a situação do inimigo.

Um pelotão de uma companhia de atiradores do BI 5, posando com o armamento individual, certamente por ocasião de exercício de ginástica de aplicação militar ou tiro de carreira, na zona de Lazareto - Foto do blogue Luís Graça & Camaradas

Independentemente da eventualidade do confronto real com forças invasoras, e conforme o plano de operações delineado para a defesa da ilha face às várias hipóteses consideradas, exercícios e ensaios periódicos de defesa realizavam-se nessas regiões da periferia, exigindo a deslocação em coluna apeada das forças sediadas na cidade, completamente equipadas para o combate. Penso que foi a deslocação de uma dessas colunas que a minha mãe presenciou quando o seu jovem coração feminino se compadeceu com a visão de um soldado franzino, vergado pelo peso da sua mochila, possivelmente com o rosto juvenil perlado de suor sob o capacete de aço.

Para não alongar demasiado o texto, esta narrativa prossegue numa 2.ª parte.

(1) S. Vicente de Cabo Verde no pós-guerra (1945-60), tese de mestrado em estudos africanos, Universidade do Porto-Faculdade de Letras, 1999.
(2) Coronel José Mascarenhas, Chefe da Segunda Repartição, AHM- FO/029/10/365/236. 

Continua...

                                            Lisboa, 21 de Outubro de 2012
                                                  Adriano Miranda Lima

terça-feira, 23 de outubro de 2012

[0269] Embaixada de Cabo Verde em Lisboa convida comunidade para sessão a realizar no contexto das comemorações do Ano Europeu do Envelhecimento Activo

CONVITE

A Embaixada de Cabo Verde em Lisboa CONVIDA os idosos e idosas e toda a comunidade, a estarem presentes nas actividades de comemoração do “Ano Europeu do Envelhecimento Activo”, que terão lugar no próximo sábado, 27 de Outubro de 2012, das  10.00 horas às 13.00 horas, no Centro Cultural Casapiano (Rua dos Jerónimos, Lisboa, junto ao Mosteiro dos Jerónimos), em Belém.

O evento contará com a Presença de S. Excias. a Sra. Ministra das Comunidades de Cabo Verde, Dra. Fernanda Fernandes e da Sra. Embaixadora de Cabo Verde em Portugal, Dra. Madalena Neves.

Programa

10.00 horas – Abertura
10.30 horas – Sessão de esclarecimento sobre a saúde do idoso, pelo Dr. Leão Magno e Enfermeira Ana Maria Germano
11.30 horas – Actividades culturais
13.00 horas – Lanche-convívio

Transportes:
Carris: 28, 714, 729, 751/ Vimeca: 113, 144,149/ Eléctrico: 15/ Comboio: Estação de Belém/ Barco: Transtejo: Estação Fluvial de Belém

segunda-feira, 22 de outubro de 2012

[0268] TRAVESSA DE PRAIA (E PRAIA DE BOTE, POR ARRASTAMENTO), EM BELO E DIVERTIDO TEXTO DE AMÍLCAR "PICAU" SOUSA LIMA

Ao nosso velho amigo e condiscípulo do Liceu Gil Eanes, um braça pertóde de ratchá osso mode só menine de Praia de Bote e de Rua de Praia sabê dá. Outro ao primo Adriano Miranda Lima que no-lo enviou.

Amílcar S, Lima - Foto "A Semana"
Aguarela da Sobrevivência
Por: Amilcar Sousa Lima

Publicado em "A Semana" de 7.Outubro.2012

Segundo dados divulgados pelo Instituto Nacional de Estatística, a taxa de desemprego aumentou em Cabo Verde: passou de 10,7% em 2010 para 12,2 em 2011, um aumento de 1,5%. Em S.Vicente a taxa é muito maior: 18,3%

Travessa da Praia. Fiscais municipais, alguns polícias, com ar muito severo, estão de plantão. A travessa está completamente deserta, sem vida, sem movimento. Parece que algum ciclone varreu a zona. As lojas circundantes só têm moscas, com os empregados de mãos nos queixos a pensar na incerteza do amanhã.

Travessa da Praia. Aqui e nas proximidades prolífera uma miríade de estabelecimentos: Bento Lima, Casa Serradas, lojas chinesas, viação, Café Império, restaurantes, barbearias, telefones públicos, Firma Jovem, ZéZé, Mendes e Mendes, Tabacaria S. João, boutiques. Muito movimento em que todos debicam.

Rua de Praia - Zona da velha Capitania, da Vascónia e dos botequins - Foto Joaquim Saial

A labuta começa cedo, dura de sol a sol. As mulheres vão chegando frescas, vivas, alegres, agradecendo a Deus por mais esse dia, com as suas tinas de plástico à cabeça, cada tina uma cor, cheias de produtos que a terra gerou para mais uma jornada titânica de luta pela sobrevivência. Procedem do Calhau, Madeiral, Ribeira de Vinha, Ribeira de Julião, Santiago, Santo Antão, Fogo e de outras paragens. Todas ainda novas, bem parecidas, graciosas, lindas, elegantes, limpas e vistosamente trajadas. Sobretudo espelham alegria e boa disposição naquilo que fazem. É o prazer do trabalho honesto.

As tinas, quais estojos de aguarela, exibem produtos que o trabalho paciente do homem fez brotar da terra: pepino, coentro, salsa, alface, couve, tomate, mandioca, batata, banana, cenoura, alho, repolho, limão, inhame, abóbora, papaia, espinafre, manga, veludo, calabaceira, mancarra, tamarino, todo o tipo de matos para chá. Um quadro deslumbrante policolor exalando as mais díspares e agradáveis fragrâncias. Um quadro que dá orgulho ver e apreciar, se se atender aos problemas que neste momento o planeta conhece em virtude dos produtos alimentares. De parabéns estão aqueles que os produzem. De parabéns estão os que fazem a sua distribuição.

Coitados dos homens dos campos de Maio, São Nicolau, Fogo que vêem o fruto do seu trabalho na terra apodrecer porque não há meios de transporte para fazer escoar a sua produção.

Travessa da Praia. As mulheres predominam, mas também não faltam alguns homens. Elas ocupam as margens da travessa sentando-se em motchinhas e em baldes de plástico, descontraídas, não se importando que as suas pernas luzidias e carnudas, nem com os seios que blusas com pronunciado decote expõem provocadoramente, fiquem patentes a olhares mais atrevidos e curiosos. O que é bom, é para se ver, deve ser o pensamento delas para quem se calhar nem só de pão pode viver o homem. Tudo serve para o marketing. As pernas abertas, para fazer arregalar os olhos, têm as partes mais íntimas resguardadas pelo bolso de aventais onde se vai acumulando o produto das vendas.

Isaurinda vê o Tey a passar com ares de preocupação, chama-o só para agoniá-lo, pedindo-lhe que aprecie a papaia que está por debaixo do bolso do avental. Tey nem quer acreditar que o convite lhe é endereçado. Se já estava apressado, apelou às suas pernas para meterem a quarta velocidade, pois a hora era de expedientes e não para conversas apimentadas.

Menininhas com apenas 10, 13 anos, já vão tomando contacto com as durezas desta vida, estagiando com saquinhos de plástico contendo 1kg (alho, tomate, pepino,cebola, batata). Conforme as posses familiares, algumas devem frequentar a escola, outras não. Que será do nosso futuro, é o questionamento que fazem a si próprias em cada dia. Será que iremos herdar a vida sacrificada dos nossos progenitores?

Há também produtos do mar a serem distribuidos. Destoa esse tipo de venda, pois o produto está exposto ao sol e mal acondicionado o que favorece a sua rápida deterioração, constituindo desse jeito um perigo público. Os vendedores de peixe normalmente são portadores de facalhões que manejam de qualquer forma exigindo do transeunte atenção acrescida, não vá o diabo tecê-las, além de que vê-se quase sempre obrigado a exercícios de contorcionismo para que a sua roupa não fique salpicada com sangue de peixe.

Rua de Praia e Praia de Bote - Foto ed. Casa do Leão (pormenor)

O slogan mais badalado em Cabo Verde pelas empresas em matéria de publicidade é: “Cada vez mais perto de si”. As vendedeiras assimilaram muito bem essa publicidade e procuram a todo o tempo concretizá-la. Estão onde está o potencial cliente, pensando dessa forma satisfazé-lo melhor porquanto tempo é dinheiro. E o cliente sente-se satisfeito com essa prestação porque tem à mão todos os preparos para confeccionar um prato apetitoso. E têm consciência de que o rendimento das famílias é mais para alimentação ficando quase nada para outras necessidades.
Se os vendedores de peixe destoam, procuram compensar o mal-estar que a sua presença suscita, fazendo uso de pregões carregados de algum humor e malícia:
- Ò Inácia, tcham-mepôbepêxe
- Grinhasim um ka crê pêxe
- Ó mnina um ka ta pôbe el tude
- Tcham-me pôbepêxe dona
- Graças a Deus um tem hôme na casa pâpômepêxe
- Ó ninhas, ês oi lorguetâfrisqin. Spiá sô nesse lôbe

A vida é uma sucessão de riscos e as vendedeiras têm plena consciência disso. Acima de tudo, sabem que o mundo só avança com contradições e a vida tem-lhes ensinado que quem quer progredir terá de percorrer outros trilhos que não os que levam a lado nenhum.

Alguém anuncia que há uma carrinha de fiscais municipais investindo nas proximidades do minimercado Mário Mimoso. Também poderia ser junto à Seri Lopes ou à Padaria Central. Não demora muito para que chegue a alta velocidade à Travessa da Praia. O pânico instala-se. Correrias para todos os lados. Climatizadas com este tipo de investidas, as vendedeiras reagem colocando num ápice as tinas na cabeça, as motchinhas numa das mãos e afastam-se o mais que podem do teatro do “crime”. Umas, algumas, poucas, as menos lestas deixam as suas tinas cair nas mãos dos seus predadores. É o sacrifício indispensável para a continuação e consolidação da espécie. As que caem nas malhas da penalização não ficam indiferentes, praguejam, descompõem, dizem obcenidades, gritam com veemência: não somos nem ladrões, nem assaltantes, nem traficantes, nem corruptos, nem mafiosos. Buscamos apenas o sustento para os nossos filhos que também têm o direito de crescer como os filhos dos outros, pois o Sol quando nasce é para todos.

As vendedeiras que conseguiram escapulir-se a tempo do local do crime não se afastam muito, sabem que aquilo é sol de pouca dura, é passageiro, fogo de vista e os fiscais devem ter coisas mais importantes com que se preocupar do que estar a correr atrás de saias. Além de que, bem haja o horário único... Logo que viram as costas, as vendedeiras como se tudo fosse natural retomam a sua actividade. Sintonizadas com o que acontece neste mundo turbulento todos os dias, em todas as paragens, têm plena consciência que viver é lutar, resistir, transgredir, desafiar e, sobretudo, não se submeter nunca, porque todo o poder é efémero. Sabem por ossos do ofício que só é vencido quem desiste da luta. PORTANTO, PARA A FRENTE, MARCHE.!

Contrariamente ao que se poderia pensar, em ambientes que tais, nem tudo é tensão, vigilância ou stress. Matilde aproveita-se de um momento de fraca freguesia para desanuviar com o seu companheiro. Este que está sentado por trás dela ou melhor dizendo, tem-na no regaço, abraça-a, acaricia-a, cobre-a de mimos, namora-a indiferente a tudo. Matilde procura disfarçar os seus sentimentos acariciando um bom naco de mandioca que nervosamente vai descascando. É o coração a falar mais alto, é amor em tempo de venda. Que se lixe tudo o resto.

A perseverança, a firmeza, a coragem demonstrada por essas heroínas para “criar e educar os meninos” constitui um autêntico quebra-cabeças para as autoridades que nem sempre estão dotadas de sensibilidade, imaginação e criatividade para gerir determinadas situações.

Quem aprecia esta aguarela da sobrevivênvia são os turistas que vêm dos países ricos à procura de cenários exóticos. Fazem compras, fotografias , conversam, filmam numa demonstração clara de estarem a deleitar-se com o ambiente.

Os fins justificam os meios, pensam as autoridades municipais.

A Câmara da Praia deu mostras de ter uma visão do futuro. Pegou da rua mais importante do Plateau e devolveu-a aos transeuntes. Às viaturas deu-lhes outros caminhos, criou-lhes outras alternativas. Resultado dessa medida: mais vida, mais movimento, mais economia, mais dinheiro a circular, mais cultura, menos stress.

Por que carga d’ água não se inova também em S.Vicente?

[0267] CABO VERDE EM LISBOA COM A MINISTRA DAS COMUNIDADES DE CV


quinta-feira, 18 de outubro de 2012

[0266] O NOVO VICE-REITOR DA UNICV, MANUEL BRITO-SEMEDO, DIVULGA NOVIDADES

[0265] GRANDES COMEZAINAS NA PRAIA





Qualquer praia nos merece consideração e a que é capital do País, essa ainda mais - embora quanto a praias, a PRAIA DE BOTE esteja sempre no top, como sabemos - nomeadamente, quando se anunciam pitéus que só de os nomearmos suscitam água na boca. O local é o Restaurante-Bar "Estádio", no Estádio da Várzea, Praia, ilha de Santiago, e as comezainas aqui ficam para torturar todo aquele que é bom garfo e está na "terra longe". Quanto aos que estão em Santiago, esses já sabem... É atacar, pessoal!!!

Marcações junto da Vera Pires, telefone 979 75 30.

segunda-feira, 15 de outubro de 2012

[0264] ADRIANO MIRANDA LIMA: a continuação... (ver posts 256, 257 e 259)

TROPAS EXPEDICIONÁRIAS PORTUGUESAS A CABO VERDE NO PERÍODO DA SEGUNDA GUERRA MUNDIAL

4 - A  Actividade Militar e o Meio Físico Envolvente


Adriano Miranda Lima
Lembro-me de, no meu tempo de menino e moço, ouvir a minha mãe cantarolar uma canção, género fado, que ela dizia ser da autoria de um militar expedicionário destacado na ilha do Sal. Segundo a minha progenitora, o poema da canção aludia à ilha agreste e desolada aonde o destino levara o militar para a honrosa missão de defender o solo pátrio. Actualmente com 90 anos, ela recorda-se ainda destes versos da composição: “lá na ilha do Sal/De picareta na mão/Abrindo uma trincheira/Para defender Portugal…”.

Este breve apontamento com enfoque na ilha do Sal é uma introdução ao que se segue, porque o meu objectivo prende-se mais com as tropas mobilizadas para a ilha de São Vicente e sua vizinha Santo Antão, até porque pouca ou quase nenhuma informação possuo sobre a actividade e vida dos expedicionários no Sal. No entanto, não se exclui a possibilidade de esta narrativa vir a contemplar aquela ilha, assim o permitam a obtenção de registos oficiais ou testemunhos orais elucidativos, até porque o “Praia de Bote” não é indiferente à história de Cabo Verde como um todo, ainda que a referência editorial do blogue se cinja mais à ilha do Porto Grande, em fidelidade ao lugar do mesmo nome onde palpita o coração do Mindelo.

Imagem de desembarque de tropa no antigo "Cais Novo" de São Vicente - Foto de autoria desconhecida

De facto, as tropas expedicionárias chegaram a Cabo Verde numa altura em que o arquipélago era assolado por uma terrível e prolongada estiagem que afectava sobremaneira as ilhas de vocação mais agrícola, como Santo Antão, São Nicolau e outras, ceifando vidas humanas nas populações que dependiam exclusivamente do que extraíam da terra para a sua sobrevivência. Segundo registos oficiais, entre 1940 e 1948, houve cerca de 50 mil mortos, directa ou indirectamente causadas pela fome, em todo o território, ocorrendo 24.463 entre 1941 e 1943, período em que as forças expedicionárias estiveram em Cabo Verde na sua maior força. Esta referência é importante para se compreender o ambiente físico onde as tropas metropolitanas intervieram. E é de sublinhar que se os militares da metrópole tiveram a desdita de desembarcar numa terra por natureza marcada pela extrema aridez, a prolongada ausência de chuva tornava-a naqueles anos ainda mais “nanhida”(1).

Mindelo, em 1943 - Foto do blogue de Luís Graça

Para agravar as consequências daquela situação, a guerra mundial e as restrições de circulação marítima impediam a normalidade de abastecimentos que poderiam atenuar as carências alimentares e o flagelo da fome nas ilhas, caso Salazar viesse a preocupar-se verdadeiramente com um território pobre e longe do coração do império. Embora os navios neutrais portugueses pudessem circular sem grandes riscos, mas com as limitações indirectamente provocadas por um mundo em ebulição, o mesmo não acontecia com a navegação comercial dos países aliados envolvidos no conflito, ela, sim, muito condicionada pela ameaça dos submarinos alemães. Ora, tudo isto reduzia flagrantemente a normal actividade comercial do Porto Grande e prejudicava a chegada de qualquer eventual assistência humanitária proveniente do estrangeiro, mormente por iniciativa das comunidades cabo-verdianas emigrantes, que, no entanto, ainda agiram dentro das suas parcas possibilidades.

Perante este cenário, imagino a sensação dos rapazes quando puseram os pés em terra e olharam para a paisagem lunar dominante em grande parte das ilhas. É bom que se diga que eles não procediam de um território bafejado pelo progresso material de outros países europeus, bem pelo contrário, pois a pobreza era uma constante em todo o espaço nacional, não obstante a dimensão e as potencialidades globais do império. Contudo, a paisagem natural a que aqueles militares estavam habituados nenhuma semelhança tinha com o que depararam à chegada. Mas, com o transcorrer do tempo, não demorariam a superar as justas razões da sua estupefacção, à medida que foram vendo a secura inóspita da terra cabo-verdiana compensada pela alma verdejante das suas gentes, surpresa agradável que muitos talvez não esperassem.

As unidades desembarcaram e rumaram logo para os locais de destino previstos. No que respeita ao dispositivo da ilha de São Vicente, o Batalhão de Infantaria 5 (proveniente das Caldas da Rainha) ficou sediado na zona do Lazareto, o Batalhão de Infantaria 7  (proveniente de Leiria) na zona de Chã de Alecrim, e o Batalhão de Infantaria 15 (proveniente de Tomar) foi logo para Santo Antão, sediando-se no Porto Novo, com excepção da 3.ª Companhia de Atiradores e de um pelotão da Companhia de Acompanhamento, que ficaram em São Vicente, mesmo dentro da área urbana do Mindelo. A artilharia de defesa de costa ficou instalada no Morro Branco e em João Ribeiro, enquanto a artilharia antiaérea não poderia ter encontrado posição tecnicamente mais adequada que o cimo do Monte de Sossego, que lhe conferia visão simultânea sobre o Porto Grande e sobre os pontos críticos da cidade do Mindelo.

Como emana do “conceito de operação” normal de um plano de defesa em teatro com estas características singulares, é irrefutável que aquelas forças não tinham de ficar concentradas. Infelizmente, não disponho dos quadros orgânicos criados para os batalhões, admitindo que devem ter sido dimensionados à missão específica que receberam, naturalmente não decalcados da organização rotineira de tempo de paz. Também não encontrei dados sobre o pormenor descritivo do plano defensivo das ilhas militarmente ocupadas. Esta observação só vem à baila porque o seu conhecimento permitiria saber com alguma exactidão que tipo de abrigo permanente foi destinado às tropas, se é que a totalidade o teve em permanência e com requisitos de razoável protecção contra as intempéries e os rigores do clima. Não é despicienda esta questão porque ela estará relacionada com a exagerada morbimortalidade que viria a ocorrer entre as tropas. Mas o certo e seguro é que as subunidades desses batalhões de infantaria ocuparam rotativamente posições em outros pontos das ilhas em causa, em situações similares às de campanha, o que significa habitar em tendas nas proximidades de um dispositivo de trincheiras preparado conforme a doutrina das operações defensivas (organização do terreno). A seu tempo, veremos que regiões foram ou terão sido ocupadas dentro de um plano de rotatividade entre as companhias e pelotões dos batalhões. As unidades de artilharia é que, por regra, não se submetem às mesmas privações a que não escapa a infantaria, porque são inseparáveis das posições onde são instaladas as suas armas orgânicas, normalmente contemplando estruturas permanentes. 

Como já se disse, Portugal assumiu a neutralidade no conflito mas, não obstante, decidiu reforçar a defesa das suas ilhas não fosse o diabo tecê-las, mas só o fazendo quando se viu pressionado pela Inglaterra e pelos EUA. Esta circunstância não permitiu certamente que se observasse, em grau aceitável, o princípio de que a logística deve preceder a chegada das tropas. Esse princípio é sempre observado quando a situação militar permite uma certa previsibilidade, e não julgo que tenha sido esse o caso, pelo menos em grau suficiente, não só por causa da urgência que ditou a mobilização das forças expedicionárias como também pelo facto de o exército português não se encontrar àquela época reestruturado, apetrechado e reorganizado como viria a estar anos depois, na década de 1950. E não se esqueça que Portugal mobilizou forças de efectivo muito mais volumoso para as ilhas adjacentes. Deste modo, o primeiro problema a resolver, e porventura dos mais prioritários, foi o do aquartelamento e alojamento das tropas. Sei que, tanto quanto as possibilidades locais o permitiram, recorreu-se ao aboletamento (2) de oficiais e sargentos em casas particulares e pensões, pelo menos em parte e numa fase inicial, ao mesmo tempo que se utilizaram instalações de campanha (tendas e barracas), enquanto não eram construídos aquartelamentos.

Foto cedida pelo filho do capitão Paiva Nunes

Na foto pode ver-se um aspecto do aquartelamento do Porto Novo, com o tipo de construção improvisada imposto pela urgência do momento. Nela está o capitão Mário de Paiva Nunes, comandante da Companhia de Comando e Trem do BI 15 e uma praça (não é visível se soldado ou cabo) que era o seu “impedido”. Esta designação dava-se a uma praça ao serviço pessoal de um oficial, regalia que normalmente era fruída a partir do posto de capitão. Esta imagem tem a dupla finalidade de revelar um apontamento humano e uma visão do aquartelamento do Porto Novo com a paisagem inóspita à volta. A fotografia tem nas costas as seguintes palavras escritas pelo punho do oficial: “Aos meus queridos pais, com muitas saudades e um grande abraço. Foto tirada em Porto Novo, Santo Antão, no dia 15 de Abril de 1942. (Além da minha pessoa, lá está o Augusto, os barracões do aquartelamento e as serras da ilha de Santo Antão. Entre nós e o aquartelamento, é a “parada do quartel”, feita pelos soldados). Assinado: Mário”.

Imagem do aquartelamento de Chã e Alecrim (BI 7), São Vicente, colhida em 1944

As instalações apresentadas nessas fotografias são precursoras das pré-fabricadas que passariam anos volvidos a ser conhecidas como aquartelamentos JC (3), que são construídas à base de estruturas de ferro e madeira com cobertura de zinco, assentes em base de alvenaria. Embora mais tarde remodeladas, ainda restam vestígios de instalações desse tempo na zona de Chã de Alecrim e também, segundo penso, no ainda existente aquartelamento do Morro Branco. Segundo me informou o proprietário deste blogue, Dr. Joaquim Saial, mantêm-se algumas dessas construções no Porto Novo, em Santo Antão, aproveitadas para fins civis [ver duas fotos, no final deste texto]. Provavelmente, a mesma solução terá sido parcialmente adoptada na ilha do Sal, isto é, reservada apenas à acomodação de estruturas de comando, órgãos de apoio e serviços logísticos, os quais, pela sua natureza, requerem um mínimo de condições para garantia da necessária funcionalidade operativa. Quanto ao alojamento das tropas quer no Sal quer mesmo em Santo Antão nalguns casos, testemunhos de alguns expedicionários referem que a tenda foi o único recurso.

Por exigência da especificidade da sua missão, instalações militares mais sólidas foram construídas para as baterias de artilharia de costa, respectivamente no Morro Branco e em João Ribeiro, e igualmente para a bateria antiaérea do Monte de Sossego. Com efeito, incorporaram estruturas de betão com cobertura superior e protecção lateral, conforme cada um dos casos, cujos vestígios ainda são visíveis em São Vicente.

Aspecto das instalações da bateria de artilharia antiaérea de Monte Sossego - Foto cedida pelo filho do capitão Paiva Nunes

Associado ao problema da instalação em aquartelamentos permanentes com um mínimo de condições, as tropas depararam-se também com dificuldades para o normal reabastecimento de víveres e água, tendo em conta as grandes limitações em recursos locais para fazer face à logística de tão elevados efectivos. A água para fins alimentares não tinha outra origem que não a proveniente de Santo Antão, recolhida em Tarrafal de Monte de Trigo por navios tanques, não dispondo eu, por enquanto, de informação sobre algum reforço militar dos meios normais de São Vicente (“vapores de água”) para essa função logística. Quanto à distribuição interna de água dentro da ilha de São Vicente houve grande actividade de camiões cisternas do exército incorporadas nos meios logísticos da força expedicionária. Intriga-me é a solução encontrada para o problema da água para consumo humano para os três batalhões e a bateria de artilharia e serviços de apoio destacados para o Sal, mas é assunto ainda em pesquisa. Em Santo Antão este não foi dos maiores problemas, apesar da prolongada seca que se vivia. Para a higiene pessoal é natural que se tenha utilizado a água salobra, como a generalidade das populações, tanto em São Vicente como no Sal.

Continua…

ACHEGA DO PRAIA DE BOTE: o PB junta duas fotos de equipamentos referenciados por AML em Porto Novo. Uma é o próprio quartel da localidade, em foto de 25 de Julho de 1999, altura em que servia de parque de viaturas da Câmara Municipal; a segunda mostra as "casas de cabos" do Exército Português, eventualmente edificadas em época mais tardia do que a focada no texto de AML. Em 1999, a da direita estava em obras de acrescentamento de um quarto. Ali reside um grande amigo nosso, o sanvicentino e mnine de Monte Sossego Afonso Henrique Alves,  que se vê na foto, então funcionário da CMPN.



(1) Termo crioulo que significa extrema secura e esterilidade. É utilizado, por exemplo, no romance “Hora di Bai”, de Manuel Ferreira, que foi um expedicionário (furriel miliciano) integrado no BI 7.
(2)Termo que significa a instalação de militares em casas particulares.
(3) Os aquartelamentos JC foram uma criação do major de engenharia João dos Santos Correia, mais tarde brigadeiro, que, por isso, receberam o nome do seu inventor. Consistiam em módulos numerados e agrupados para cada fim (caserna, edifício de comando, refeitório, enfermaria, etc.).

Tomar, 14 de Outubro de 2012
Adriano Miranda Lima

domingo, 14 de outubro de 2012

[0263] NRP "CUANZA" NO PORTO GRANDE


Enquanto esperamos pela continuação do trabalho de Adriano Miranda Lima, ao qual se seguirá um interessantíssimo texto de Amílcar "Pikau" Lima sobre a Praia de Bote, vejamos o NRP "Cuanza" no Porto Grande, S. Vicente.

NRP "Cuanza" (dados da Marinha de Guerra Portuguesa)

O NRP "Cuanza", indicativo NATO P 1144, é o quinto dos dez navios patrulhas da classe "Cacine". Foi construído nos Estaleiros Navais do Mondego na Figueira da Foz, sendo o início da construção em 1969. Foi aumentado ao efectivo dos navios da Armada em 4 de Junho de 1970, tendo sido o 1TEN José Manuel Castanho Paes o seu primeiro Comandante. O seu nome, Cuanza, é proveniente de um rio da antiga colónia portuguesa de Angola, que nasce na meseta central do país - província do Bié e, depois de percorrer cerca de 970 km - sendo 190 navegáveis, desagua no Oceano Atlântico a cerca de 50 km a sul de Luanda.

Durante os primeiros anos o N.R.P. "Cuanza" cumpriu a sua missão nas antigas colónias portuguesas de Cabo Verde e da Guiné. A partir de 1975, passou a prestar serviço em Portugal Continental e nas Regiões Autónomas dos Açores e da Madeira."

Características:
Deslocamento - 292t
Comprimento - 44m
Boca máxima - 7,7m
Calado - 2,2m
Velocidade Máxima - 20 nós
Propulsão - 2 Motores MTU 12V 538 TB80 Diesel, 3.750hp
Armamento e sensores:
1 peça Bofors 40mm/60
1 peça Oerlikon 20mm/65
1 radar de navegação KH 1007
Guarnição:
Oficiais - 3
Sargentos - 6
Praças - 24

domingo, 7 de outubro de 2012

[0262] ARTE PÚBLICA XXL, POR JOAQUIM SAIAL


Democrática por excelência, a arte pública povoa jardins, praças e ruas do nosso País e do Mundo. De pequeno porte ou grande dimensão, em forma de busto, estátua ou escultura, em bronze, ferro, pedra ou plástico, com verdura, música, luz ou água por perto, está bem mais presente na nossa vida do que imaginamos – até porque, apesar de muitas vezes passarmos perto dela, raramente a vemos com olhos de ver.

Joaquim Saial, de há muito estuda esta temática e já a leccionou na Universidade Católica Portuguesa (onde criou a cadeira de Arte Pública no Século XX no Mestrado em Arte Contemporânea) e na Universidade do Minho, para além de a ter tornado sujeito de diversas palestras e escrito sobre a mesma em livros, jornais e revistas. Em mais uma das habituais CONVERSAS NA ALDEIA, que a Aldeia-Lar costuma levar a efeito, ali fará a 12 de Outubro, pelas 21h00, uma primeira palestra acerca de monumentos públicos portugueses de grande dimensão. A esta seguir-se-á outra, em data a anunciar, sobre o mesmo tema no estrangeiro.

[0261] "CANÇÕES PERIPATÉTICAS", NOVO LIVRO DE NUNO REBOCHO, LANÇADO EM LISBOA


Realizou-se ontem, pelas 18h00, no Centro Intercultural Cidade, Travessa do Convento de Jesus, em Lisboa, o lançamento do mais recente livro de poesia de Nuno Rebocho, jornalista, homem da rádio e assessor da Câmara Municipal de Ribeira Grande de Santiago, Cabo Verde. O acto teve a participação de Fernanda Frazão, da editorial Apenas Livros, do jornalista Mário Galego (que representava o autor) e do poeta e diseur Jorge Castro. Presentes no público, o poeta e activista cultural Luís Maçarico e o administrador deste blogue.

A simpática e intimista cerimónia teve a particularidade curiosa de não comportar a presença do autor de "Canções Peripatéticas" (ed. Apenas Livros), ausente na ilha de Santiago. Porém, após a apresentação da obra e de um jantar e animado serão musical cabo-verdianos houve lugar para uma videoconferência em que Nuno Rebocho expressou a sua emoção e agradecimento aos amigos que nesta hora estiveram com ele, mesmo à distância.

Muito centrado em Espanha e em temas tradicionais desse país, este novo livro de Rebocho mantém no entanto uma visão universalista do mundo, numa linguagem fluída e de notável sentido musical. Com as suas 30 escassas páginas e plasmado em bonita apresentação, ao modo da literatura de cordel (com cordel e tudo), "Canções Peripatéticas" lê-se de um fôlego e deixa-nos muita água na boca.

Seguem algumas fotografias do evento.





Fotografando, o poeta Luís Maçarico; atrás, com o livro, o vereador da C. M. Lagos, Paulo Morais
O fotógrafo cabo-verdiano Jorge Martins, em acção
Vera Rocha, tentando a ligação a Nuno Rebocho, em Cabo Verde
Nuno Rebocho, em directo, de Santiago de Cabo Verde

quinta-feira, 4 de outubro de 2012

[0260] AINDA A FOTO PARA COMENTAR


Isto de comentar fotos, tem que se lhe diga... É preciso escavar, como se costuma dizer, em linguagem de investigação. É necessário ir mesmo ao fundo, ao pormenor, ao mínimo detalhe. A superficialidade de observação não quadra com o desejo de saber. E mesmo assim, fica-se sem imensas respostas, a maior parte das vezes.

Primeiro, a data. Em que ano foi tirada esta foto de postal ilustrado? É quase impossível sabê-lo. Embora se possa fazer um cálculo aproximado, pelo menos balizá-lo. Ora bem, há duas balizas por ali, dois navios: um, um rebocador; outro, um vaso de guerra. 

Comecemos pelo rebocador, o "Damão", nome que se pode perfeitamente ler na proa, a estibordo. Não sabendo exactamente quando chegou a S. Vicente, calculo que terá sido por 1963, 64 ou 65, quando eu estava no Mindelo. Lembro-me da sua chegada e da ida de pessoas a caminho do cais acostável para verem a possante embarcação que vinha colmatar falha havia muito sentida. Um dos comandantes do "Damão" foi Crisanto Lopes, natural de Porto Novo, Santo Antão. A Enapor (Empresa Nacional da Administração dos Portos) possui um rebocador "Damão" que talvez ainda seja este de que estamos a falar.

A outra baliza é constituída pelo navio hidrográfico "João de Lisboa" aviso de 2.ª classe A 5200 (antes F477), número que de igual modo é perfeitamente visível. Pertencente à classe "Pedro Nunes", era um aviso colonial construído no Arsenal de Marinha, em Lisboa, no âmbito do Programa Naval Português da década de 30 e lançado à água em 1937. Foi entretanto reclassificado em 1961 como navio hidrográfico, tendo-lhe sido retirado algum armamento. Navegou até 1966, altura em que foi abatido aos efectivos da Armada e passou a ser batelão do Tejo, mantendo o nome de "João de Lisboa".

O "João de Lisboa" - Foto Instituto Hidrográfico da Marinha

Digamos pois que a foto foi feita entre 1963 e 1966, mais ou menos. O que indicia que eu estaria no Mindelo quando foi realizada.

O navio de guerra do qual só vemos a popa, é de difícil identificação, mas é quase certo que temos ali ou o navio hidrográfico A 527 "Comandante Almeida Carvalho" (1941-1963, na nossa Armada desde 1950) ou o contratorpedeiro D 333 "Lima" (1933-1965). Do vulto que a minha memória recorda, parece-me ser o "Lima". Seja como for, era neste mesmo local que ambos os navios atracavam. Por necessidades da guerra, o "Comandante Almeida Carvalho" (antes "Fort York", Canadá e "Mingan", Grã-Bretanha), iria ser reconvertido em corveta em 1963, passando a denominar-se "Cacheu".

Quanto ao resto, há de facto sinais de grande chuvada, o Monte Cara espreita para tornar a foto mais sugestiva, há farta quantidade de navios no cais e outros estariam fundeados na baía, numa altura em que o gato de Manéjon já não era alimentado a gemada mas em que o Mindelo vivia bom momento de progresso.

[0259] CONTINUAÇÃO DO TRABALHO DE ADRIANO MIRANDA LIMA

TROPAS EXPEDICIONÁRIAS PORTUGUESAS A CABO VERDE NO PERÍODO DA SEGUNDA GUERRA MUNDIAL

3 - O caso particular do Batalhão de Infantaria 15

Adriano Miranda Lima
Em post anterior, procurei explicar ao leitor a motivação que me leva e escrever sobre o presente tema. Ficou patente que a minha motivação se funda em razões de ordem histórica mas também sentimental.

Grande parte da minha narrativa toca a História de Portugal, mas é preciso ter presente que Cabo Verde fez parte integrante da História de Portugal até à sua independência política. À parte o subjectivismo de qualquer conjectura política e pseudo-reivindicações nacionalistas, as ilhas de Cabo Verde foram descobertas e povoadas por portugueses, e foram eles os criadores de um povo em cuja singularidade humana reside a marca inconfundível da alma e cultura lusas, por mais que alguns o queiram ignorar ou menosprezar. Desta forma, era previsível que os militares expedicionários viessem a sentir-se em própria casa, como de facto aconteceu, pois, mau grado o agreste da paisagem e a pobreza do meio, não tardariam a descobrir traços comuns na fisionomia idiossincrática dos naturais. Se a História se fez nas suas linhas formais, terá sido, porém, na liturgia das relações humanas que ela escreveu as suas mais belas e tocantes páginas.

As razões de ordem sentimental prendem-se, como referi em post anterior, com o facto de o Batalhão de Infantaria 15 (BI 15) ter sido mobilizado para a minha ilha natal (S. Vicente) precisamente pelo Regimento de Infantaria 15 (RI 15), onde servi largos anos da minha vida. E o sentimento reforça-se com o facto de eu residir em Tomar, sede daquele regimento, e cidade onde viveram e conheci muitos militares expedicionários e entre eles um oficial (capitão) que marcou indelevelmente a memória do povo do Mindelo, como terei oportunidade de vir a relatar.

Como foi dito anteriormente, a par de outros Regimentos do Exército, competiu ao Regimento de Infantaria nº 15 organizar e mobilizar para Cabo Verde um Batalhão de Infantaria (cerca de 800 homens). Conforme publicado em ordens de serviço do RI 15, o batalhão foi comandado pelo major Nicolau de Luizi e teve a seguinte constituição:

- Companhia de Comando e Trem, comandada pelo capitão Mário de Paiva Nunes;
- 1.ª Companhia de Atiradores, comandada pelo capitão Miguel da Conceição Mota Carmo (1);
- 2.ª Companhia de Atiradores, comandada pelo capitão José Paulo  Ribeiro de Almeida (2);
- 3.ª Companhia de Atiradores, comandada pelo capitão Fernando de Magalhães Abreu Marques e Oliveira (3)
- Companhia de Acompanhamento, comandada pelo capitão Pedro de Almeida Schiappa Pietra.

Para a constituição destas unidades, foi necessário recorrer a oficiais e sargentos milicianos dos cursos de 1940 dado que os quadros profissionais só constituíam um terço do enquadramento. As praças eram também da classe de 1940.

Depois de um período de treino e manobras militares na região de Tancos, o BI 15 seguiu para Cabo verde fraccionado em três contingentes.

Na véspera do embarque do primeiro contingente, a ordem de serviço n.º 292, de 19 de Outubro de 1941, do Regimento de Infantaria 15, publicava as seguintes palavras de exortação e saudação do coronel comandante do Regimento:

Aos senhores Oficiais, Sargentos, Cabos e Soldados do Batalhão Expedicionário:

“No momento em que a primeira fracção do 1.º Batalhão Expedicionário de Infantaria n.º 15 vai partir, quero dirigir-vos, com as minhas saudações, os mais sinceros votos de boa viagem.
As circunstâncias difíceis do presente exigem que todos os países estejam em guarda, os que se batem e os que querem, como Portugal, manter-se em paz. Hoje, porém, mais do que nunca, este desejo exige uma perfeita preparação para a guerra que possa impor a quem quer que seja o devido respeito.
A situação excepcional dos arquipélagos portugueses do Atlântico torna-os apetecível presa para ambos os contendores. A sua posse por qualquer deles teria influência importante na continuação da guerra. Mas porque são portugueses e Portugal quer-se manter alheado do conflito, é mister que tal facto se não dê e para o impedir ides vós como tantos outros vossos irmãos partir para garantir a sua ocupação.
Difícil e honrosa a vossa missão, é preciso que a presença de cada um de vós seja como letreiro onde se leia: AQUI É PORTUGAL.
Soldados!
O sacrifício e a heroicidade de outros soldados deste Regimento, vossos irmãos mais velhos, decorou a vossa Bandeira com as mais nobres insígnias militares. O Valor Militar, a Lealdade e o Mérito são o seu distintivo de honra.
No Guião do vosso Batalhão levais, com as cores da Pátria, as cores da fita do Valor Militar, honra especial que deve ser o vosso orgulho.
Sabei ser dignos de tão honrosa tradição e se, mais do que o vosso deslocamento, a Pátria exigir o vosso sacrifício, SOLDADOS DE INFANTARIA 15, FORTES, DISCIPLINADOS, DECIDIDOS, AFRONTAI O PERIGO, CONSTITUI MURALHA INVENCÍVEL E SE MORRER FOR PRECISO, SABEI MORRER PORQUE OS QUE MORREM COM HONRA VIVEM PARA A ETERNIDADE.”

Os três contingentes, com as respectivas composições, partiram nas seguintes datas:
- 1.º contingente (Comando, Companhia de Comando e Trem e 1.ª Companhia de Atiradores), embarcando em 19 de Outubro de 1941;
- 2.º contingente (2.ª Companhia de Atiradores e Companhia de Acompanhamento), embarcando em 17 de Novembro de 1941;
- 3.º contingente (3.ª Companhia de Atiradores), embarcando em 8 de Janeiro de 1942.

O 1.º contingente desembarcou em S. Vicente e seguiu logo para Porto Novo, ilha de Santo Antão.

O 2.º contingente seguiu também para a ilha de Santo Antão, mas a Companhia de Acompanhamento deixou um pelotão em S. Vicente, não podendo dizer qual era a sua especialidade orgânica.

O 3.º contingente, constituído apenas pela 3.ª Companhia de Atiradores, ficou em S. Vicente e permaneceu sempre na ilha.

Foto cedida pelo filho do capitão Paiva Nunes
Foto cedida pelo filho do capitão Paiva Nunes

As duas fotos acima reportam a formatura do 1.º contingente no cais da Rocha de Conde Óbidos, antes do embarque para Cabo Verde. Uma alta figura do ministério da guerra, tendo à sua esquerda o capitão Paiva Nunes, o oficial mais graduado do contingente, passa revista às tropas, como é da praxe militar. Era então Salazar que exercia o cargo de ministro da guerra e dos negócios estrangeiros, por acumulação. Tinha como subsecretário de estado, homem da sua alta confiança, Fernando dos Santos Costa, que exerceu o cargo de 1936 a 1944, passando depois a ministro da mesma pasta. Parece ser ele a entidade que preside à presente cerimónia, então com o posto de major. Como o cargo era de natureza política, Santos Costa tinha tutela hierárquica político-militar sobre generais, sobretudo depois de passar a ministro, sendo tenente-coronel.

Para esclarecimento do leitor civil e outros menos familiarizados com a linguagem castrense, a Companhia de Comando e Trem era a companhia formada por subunidades e órgãos de apoio ao funcionamento do Comando do Batalhão e de apoio de serviços orgânicos (transmissões, sapadores, alimentação, manutenção e serviço de saúde). Comandava esta companhia o capitão mais antigo do Batalhão, Mário de Paiva Nunes, que substituiria temporariamente o comandante do batalhão, em caso de necessidade, pois, pela minha pesquisa, constatei que a orgânica prevista para estas unidades não previa a função de 2.º comandante, como viria a acontecer anos mais tarde. É possível que a conjuntura não permitisse suficiência  de quadros para preencher todas as necessidades. E aconteceu que o capitão Paiva Nunes viria mesmo a substituir temporariamente o seu comandante de batalhão, major Nicolau de Luizi, dado ter ocorrido o seu falecimento, episódio de que se falará em próximo post. Refira-se que algumas das fotos que ilustrarão estas páginas pertenceram ao capitão Mário de Paiva Nunes (que atingiu o posto de coronel), tendo-me sido oferecidas por um seu filho.

A Companhia de Acompanhamento era a companhia que actualmente se designa por Apoio de Combate, regra geral constituída por um pelotão de morteiros pesados, um pelotão de canhões sem recuo, um pelotão de metralhadoras pesadas e um pelotão de reconhecimento.

Embora o conceito de operação inicial do comando das forças expedicionárias previsse para a guarnição de S. Antão apenas uma companhia de atiradores reforçada proveniente das forças posicionadas em S. Vicente, deve ter havido uma posterior actualização desse conceito, uma vez que a maior parte das forças do Batalhão de Infantaria 15 foi posicionada em S. Antão, com prioridade para a região do Porto Novo e visando especialmente o canal entre as duas ilhas vizinhas. Crê-se que, assim, resultou um mais ajuizado balanceamento entre as forças posicionadas nas duas ilhas mais críticas para a defesa do território, o que é compreensível. A 3.ª Companhia, essa, é que nunca saiu de S. Vicente, e em boa hora assim se decidiu, por razões que teremos ocasião de relatar.

No Porto Grande
O capitão Paiva Nunes vê-se à esquerda do oficial da Armada, em farda branca, que parece ser o Comandante dos Portos. A foto mostra um transporte em “gasolina”, cujo significado me é difícil decifrar. Poderia tratar-se da chegada do 1.º contingente, não estivesse a cidade do Mindelo ao fundo e em sentido contrário à marcha do meio de transporte. Mas como este parece ter deixado o cais, pode tratar-se do regresso à metrópole. O oficial de bigode, óculos escuros e chapéu colonial, em primeiro plano, tem todo o ar de um súbdito inglês, a acompanhar a tropa portuguesa em missão de simples cortesia. Mas como tudo isto que digo  é mera conjectura, pode ser que alguém tenha melhor palpite, ou até mesmo um conhecimento objectivo dos factos, se for contemporâneo dos acontecimentos.                             

O que é verdade é que o Batalhão de Infantaria 15 regressou a Portugal em Julho de 1943, mas com este apontamento não quero significar o encerramento deste tema, pois há mais para dizer em próximos posts.

(1) O capitão Mota Carmo viria mais tarde a ser administrador do concelho de S. Vicente.
(2) O capitão José Paulo Ribeiro de Almeida foi pai do Dr. Leonardo Ribeiro de Almeida (19 de Setembro de 1924 - 18 de Janeiro de 2006), que foi presidente da Assembleia da República e membro do Conselho de Estado, em Portugal, depois do 25 de Abril.
(3) O capitão Marques e Oliveira será enaltecido num próximo post pelo seu grande protagonismo humanitário.

Continua...

Tomar, 1 de Outubro de 2012
Adriano Miranda Lima