terça-feira, 27 de setembro de 2011

[0121] O "Britannia" vem a S. Vicente!!!

Nem mais, é que vem mesmo! E repare-se no sugestivo nome de Leão Lopes que vende as passagens para o paquete. Estamos em final de Julho de 1925. Para os saudosos, recomenda-se um viagem na nossa máquina do tempo. Para esta, é só comprar os bilhetes na capitania, ali ao fundo da PRAIA DE BOTE. Atenção pessoal, aí vêm mais umas latas de corned beef...

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quinta-feira, 22 de setembro de 2011

[0120] Uma recordação...

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O livro, com apadrinhamento da UNESCO, foi lançado na Fundação Mário Soares, em Lisboa, em 2002.  Assim rezava o convite:

A Editorial Notícias (que na altura tinha sido minha editora recente) e a Fundação Mário Soares convidam V. Ex.ª para a sessão de lançamento do livro Uma Luta, Um Partido, Dois Países (Guiné-Bissau e Cabo Verde), de Aristides Pereira, a realizar pelas 18 e 30 horas do dia 25 de Novembro, no Auditório da Fundação Mário Soares (Rua de S. Bento, n.º 160), em Lisboa.

A apresentação da obra será feita pelo historiador Fernando Rosas.

Estará presente Sua Excelência o Presidente da República, Dr. Jorge Sampaio.

Ali esteve então o Presidente fundador de Cabo Verde e lá estive eu e dois dos três presidentes da República com quem tive a honra de conversar até hoje, sempre por pouco tempo: Mário Soares, em Belém, anos antes, e Aristides (o outro, que não se encontrava ali, está em início de carreira...). E dele recebi o texto que aqui vai, depois de curta mas simpática conversa que não vem agora ao caso.

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[0119] Dia de luto para Cabo Verde - Morreu Aristides Pereira (Boa Vista, 1923 - Coimbra, 2011)

Foto eBay  (clique na imagem)

domingo, 18 de setembro de 2011

[0118] Um barco como deve ser... para gente de Cabo Verde... da América

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O vapor era grande, rápido e moderno e preparava-se para zarpar dos States para S. Vicente de Cabo Verde. Ainda por cima, com cozinha cheia de stil e melhor sala de jantar. Não bastando todas essas mordomias, havia médico português a bordo, para aqueles momentos em que um pessoa ta fcá marióde, penso eu, ou para tratar uma apendicite repentina ou imprevisto ataque de asma... Nada mau, para quem tivesse uns bons dólares e assim se podia livrar de barcas e escunas, sempre saltitantes e perigosas. E ainda havia uns trocos para quem angariasse passageiros... nada mau, heim?

Era o ÁSIA e estávamos em Outubro de 1923. A coisa entretanto meteu boatos esquisitos, atrasos e o que mais nos arquivos anda e o PB desenterra todos os dias, paulatinamente, com o encantamento do investigador que sabe estar a acumular precioso tesouro que a devido tempo será trazido à luz em letra de forma - bem trabalhado (diríamos digerido) e com coisas do outro mundo, boas, divertidas, tristes e más... As más, as piores, as devoradoras fomes, de arrepiar. Mas por agora, fica-nos o ÁSIA. E já não é nada mau!

E agora reparem na palavra "Terça-feira". Aquês jornal mercóne ca tinha cedilha na sês tipos d'imprensa e viraram um 5 ao contrário para fazer o efeito. Genial, não é?  A necessidade é de facto mestra do engenho...

quinta-feira, 15 de setembro de 2011

[0114] 1 - Eis a anedota mais estúpida de sempre sobre Cabo Verde 2 - Cabo Verde prestes a ultrapassar os EUA em número de visitas no PRAIA DE BOTE (com quadro)

A anedota é de 1921 e surgiu num jornal português de New Bedford, USA. Desenterrámo-la hoje do nosso arquivo e aqui a deixamos aos leitores, não para que se riam... mas para que chorem de desgosto por coisa tão imbecil.


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domingo, 11 de setembro de 2011

[0113] Sérgio Frusoni, pequena homenagem

Imagem do livro citado (clique na imagem)
O melhor estudo sobre Sérgio Frusoni (biografia e obra poética) ainda é o livro de Mesquitela Lima, "A Poética de Sérgio Frusoni - Uma Leitura Antropológica" - Col. Diálogo e Convergência, ed. do Instituto da Cultura e Língua Portuguesa, Lisboa, 1992 que aqui o PRAIA DE BOTE possui e guarda religiosamente, pois o mesmo foi oferta e tem simpático autógrafo do autor, antigo professor do Djack e generoso apresentador de um romance deste.

Posto isto, aqui fica o poema "Luar", em português, em vez do crioulo que o italo-cabo-verdiano Frusoni usou bem mais ferquentemente e sempre com mestria. De onde vem o produto, escrito em 1927, em S. Vicente e que aqui nos surge publicado em 22.Janeiro.1930? Directamente dos EUA, New Bedford. Do DN local, página 8. E agora é ler, apreciar e digerir.

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sexta-feira, 9 de setembro de 2011

[0112] Patifes em São Vicente

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Bem, de "apaches" (patifes) estava Paris servido nesse início de século e bem depois ("apache" era a palavra da moda para os designar na cidade-luz), tal como o Eden Park e o Park Mira Mar estiveram anos mais tarde, estes de rosto pintado e armados de arco e flecha, montando os seus mustangs em pêlo - que os peles-vermelhas não alinhavam em selas. 

Mas parece que o Mindelo, por 1914, também. E a suspeita do jornalista sobre a origem santanonse do pirralho ladrão lá teria as suas razões, embora eventualmente erradas. Sabe-se lá agora!... O que se sabe é que o engenheiro da Wilson morava num desterro do raio, lá para as brenhas do Lazareto, sujeito a que lhe caísse um calhau do Monte Cara em cima do telhado. É caso quase para dizer: estava mesmo a pedi-las! E muita sorte, tiveram ele e a digníssima wife. (isto, partindo do princípio de que era britânica... ou seria de Santo Antão?)

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[0111] Como uma rua do Mindelo obteve a distinta honra de ter para si o nome do Senador Vera Cruz

Foto Joaquim Saial (clique na imagem)
Não se pretende aqui fazer o historial da figura do Senador Augusto Vera Cruz - que nos seus aspectos gerais é conhecido e sobressai no apoio que deu ao ensino secundário de Cabo Verde, inclusive com sacrifícios pessoais. A cedência do seu palacete na Praça Nova para instalação do Liceu é disso grandioso sinal.

Pretende-se apenas lembrar como passou a haver no Mindelo uma rua com o seu nome, por alvitre de Isidoro Martins, vice-presidente da CMSV. Deu-se a coisa a 7 de Maio de 1914, cerca de três meses antes do início da Grande Guerra, e aqui fica a nota cujo registo foi feito da "Folha de S. Vicente", suplemento de "O Futuro de Cabo Verde". E com foto da dita rua, para matar saudades ao pessoal da diáspora. Ali mesmo a começar (ou a acabar) na Rua de Lisboa. Repare-se no muito britânico "Hurrah" final.

PB, que gosta de fazer "inveja" aos amigos, refere ao Val, ao Adri e ao Nando que vai ter a jantar aqui na praia, depois de amanhã, domingo, uma distinta personalidade cabo-verdiana, proveniente de Macau que todos conhecem e admiram. Salivem, salivem que o Borba vai correr pelas gargantas e o grogue final também. 

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quinta-feira, 8 de setembro de 2011

[0110] Polícias cabo-verdianos na Guiné

NOTA 1:  No post 106, já está a resposta que ninguém deu. E era canja... Imperdoável!!!

NOTA 2: O PRAIA DE BOTE tem dois artigos para acabar: o do escudo e o do "Jeanne d'Arc". Não estão esquecidos, mas são necessárias algumas pesquisas ainda não feitas por falta de tempo, sempre escasso. É claro que serão concretizados ainda neste século. O PB pede paciência aos leitores. E enquanto a coisa não é terminada, aqui vai um texto divertido, de 1895, época do Rei D. Carlos...  Para isso, bebemos um grogue, colocamos o mastro, içamos velas e dirigimo-nos até ao território vizinho.


Espingarda Snider (clique na imagem)

Bem, o leitor tem de tirar algum prazer da leitura e por isso ficamo-nos por aqui. Não antes, sem sublinhar aquele "coração dorido" que não era mais que uma forte "sodade"... E lá iam eles, os pobres infelizes, todos "bem" armados com espingardas "Snider", "pa brincá de nhô pliça".

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terça-feira, 6 de setembro de 2011

[0109] 1927. Um cruzador francês, no Porto Grande: O "Jeanne d'Arc"

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Estávamos em 11 de Novembro de 1927. Portugal vivia o seu segundo ano de ditadura, após a queda da I República. O dia era de grande festa no Mindelo, pois comemorava-se o armistício da I Grande Guerra, em que o país colonizador participara e da qual tinha sido um dos vencedores. Alguns antigos combatentes residiam na cidade, naturais ou por razão do contingente militar ali estacionado. Mas sobretudo havia uma visita importante. Melhor dizendo, de peso. No Porto Grande, estava estacionado o cruzador couraçado francês "Jeanne d’Arc" que já tinha cerca de um quarto de século, ele próprio remanescente do conflito em que as nações lusa e gaulesa haviam sido aliadas… (continua logo que possível)

segunda-feira, 5 de setembro de 2011

[0108] A amizade... de um amigo. (Mas não esquecer de ver o post 0106)

NOTA: O texto que se divulga a seguir, não foi encomendado. Disso jamais precisaria o PB, pois funcionará desde que haja apenas um leitor não no Mundo, mas em todo o universo (incluindo Marte, obviamente). No entanto, o nosso amigo e colaborador Adriano resolveu escrevê-lo pois, na sua inteligência, generosidade e interesse, percebeu que este blogue funcionará muito melhor se os cerca de 50 cliques diários (por enquanto, pois em 2023 estimamos que serão 8.382.909) se transformarem em pelo menos oito ou dez comentários. Um comentário implica outro e por ai adiante, todos ganham, no gozo que dá alimentar este pedaço de areia virado para o Monte Cara. Mas o homem escreveu, está escrito e aqui se dá à leitura.

Foto Joaquim Saial - Escada do penúltimo piso (Meteorologia) para o último (sala dos sinaleiros) da Torre de Belém, antes do restauro (clique na imagem)





















Meus caros conterrâneos, mninas e mnines d’Soncent:

«A Praia de Bote, no genuíno coração do Mindelo, é de facto a praia da cidade, onde no entanto poucos tomam banho. Sítio de catraeiros, lojas de aprestos marítimos (em desaparição), vendedeiras de fruta e legumes, botequins com cheiro a grogue, mancarra e tabaco americano, pescadores e seus botes, plurim d’pêxe, contrabandos vários, patifes de navalha afiada e também gente boa… Começa na velha Alfândega (hoje Centro Cultural do Mindelo) e acaba na Torre de Belém (ou ao contrário…). É dela, da cidade e da ilha onde se situa que o Blogue PRAIA DE BOTE trata.»

Em poucas mas sugestivas palavras, é esta a linha editorial do blogue PRAIA DE BOTE. Iniciado a 7 de Fevereiro de 2011, o seu proprietário é Joaquim Saial (mestre em História de Arte pela Universidade Nova de Lisboa). É português e reside em Almada, mas é cabo-verdiano de coração, dos mais autênticos que conheço. Viveu quase três anos da sua adolescência em S. Vicente, filho do patrão-mor da Capitania dos Portos, tendo frequentado a quarta classe, a admissão aos liceus e dois anos lectivos no Gil Eanes, tempo suficiente para aprender a falar crioulo com toda a fluência e tornar-se um genuíno mindelense. Tanto que captou e assimilou a alma da cidade e esta nunca mais dele se desapossou, antes pelo contrário, ela “cangou” o seu espírito pela vida fora. A ponto de o Joaquim a manter intacta e sempre presente no seu quotidiano, e de a redescobrir a par e passo, como poucos cabo-verdianos de nascimento o fazem.

Através do PRAIA DE BOTE, o Joaquim, carinhosamente alcunhado de “Djack de Capitania” pelos antigos colegas, tem dado à estampa muitos e interessantes factos e figuras da história da ilha de S. Vicente, alguns pouco conhecidos ou divulgados, graças ao seu interesse, empenho e constante trabalho de pesquisa. No meu caso pessoal, muita coisa sobre a minha ilha natal só passei a conhecer por intermédio do PRAIA DE BOTE.

No entanto, apesar das visitas ao Blogue serem bastantes, poucos são os comentadores. Muito poucos mesmo. Mais comentadores iriam certamente acrescentar-lhe interesse e valor.

Por isso, apelo aos mindelenses a quem envio este mail que venham espairecer no PRAIA DE BOTE, para ajudar a dimensionar o Blogue e torná-lo um espaço partilhado por mais malta.

Um grnde abraço
Adriano Miranda Lima

(abraço retribuído pelo PB)

[0107] Vodka com nafta nas águas do Mindelo

[0106] Ó que tristeza, m'tem tonte vontade de tchorá!...

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Tirando os "efectivos" Adriano e Valdemar, o pessoal visitante/leitor anda mais que preguiçoso para comentar. Vai daí, o PRAIA DE BOTE também mete férias, porque também ele tem direito a preguiçar, e recorre à parte mais simples (mas não menos importante) do seu arquivo. Assim, aqui vai esta imagem e quem quiser que a comente, tentando adivinhar o seu significado. Mas desde já se avisa que é preciso ter "matéria" para lá chegar. De qualquer modo, sempre se avança que esta e outras imagens, desenhos a lápis da pintora e amiga Emília Morais, estão hoje depositados por oferta aqui do Djack, no Centro Cultural Português (pólo do Mindelo). E mais não se diz... por agora.

domingo, 4 de setembro de 2011

[0105] Outro baile e jantarada, desta feita no Fogo (implicando Henrique Teixeira de Sousa, filho adoptivo de S. Vicente) - VER POST ANTERIOR

A notícia é de Junho.1949. O motivo base era a despedida do Dr. Mendes Belo, médico e delegado de saúde no Fogo que fora destacado para a capital do arquipélago. E de Timor, onde tivera colocação inicial, viera o filho da terra Henrique Teixeira de Sousa, para o substituir. Licenciara-se em Lisboa, quatro anos antes, e no Fogo iria criar o hospital e a maternidade. A sua vasta e meritória actividade não iria parar, dividindo-se com sucesso entre a medicina, a coisa pública (presidente da Câmara Municipal de S. Vicente) e a literatura. Exerceu a profissão e escreveu até ao fim da vida.


sábado, 3 de setembro de 2011

[0104] Festa de arromba no Mindelo, com baile e Nhô Balta pelo meio

Festa no Mindelo, com baile, sempre foi coisa que não constitui notícia, de tão vulgar que é. Mas esta, pela data (publicada a 17.Julho de 1931) e pelas figuras envolvidas, merece ser divulgada no PRAIA DE BOTE. Uma delas conheceu-a o administrador do blogue - Nhô Balta, que, como sabemos, foi seu professor  (faltavam ainda cerca de 16 anos para ele lançar o romance "Chiquinho"). As outras, também não serão nada estranhas aos nossos atentos leitores cabo-verdianos. Os apelidos são mais que elucidativos... Que estes falem delas, pois é seu dever... até porque têm andado um bocado preguiçosos.

Lembramos só a figura a quem a festa era dedicada, Frank Martins, homem da escrita (por exemplo no Notícias de Cabo Verde) e entusiasta da criação do Liceu em S. Vicente, como muito bem recorda Guilherme Chantre "Chantrim".


quinta-feira, 1 de setembro de 2011

[0103] A primeira vitória do Benfica no Mindelo... em 1913 e contra os bifes ingleses locais

O administrador do PRAIA DE BOTE está-se nas tintas para o futebol portugês, cheio de peripécias malcheirosas (e para o internacional, então, nem se fala). Gosta de ver jogos da selecção nacional e pouco mais. De facto não vibra grandemente com o pontapé na bola, embora tenha simpatia pelo Benfica (por forcing paterno) e pelo Mindelense (por via de ter sido este o clube existente na rua onde morou em S. Vicente - no caso, a Av. da República, mais conhecida por "Rua de Praia", a tal que é banhada pelo Atlântico e para onde o vento do Mindelo atira as areias da Praia de Bote).

Ora estava ele a remexer no seu arquivo sem fundo, ali a escavar duramente, como faz quase todos os dias, eis que dá de caras com uma pérola brilhantíssima, na "Folha de S. Vicente" de "O Futuro de Cabo Verde" que muito agradará aos que gostam da camisola vermelha e da águia. A coisa é relatada a 21 de Agosto de 1913, mas tinha-se passado a 8... no Mindelo. O título já promete boa pitança: "Match de foot-ball". Mas a notícia, essa então é de salivar. Vejamos, isto é, leiamos e sem alisamento de ortografia: "No dia 8, no vasto campo da Salina, bateram-se, num jôgo encarniçado, que despertou interesse entre os entendidos, o grupo português de Bemfica, que regressava do Brazil no Pacífico, e o grupo de inglezes, prèviamente avisados por um radiograma. Venceu o grupo português. No final houve manifestações entusiásticas."

Eis pois que proveniente do Brasil, o Benfica quis fazer o gosto aos dedos dos pés e telegrafou para S. Vicente para arranjar adversário. Quem mais, a não serem os ingleses da Western Telegraph Company que ali estavam desde 1874 ou talvez os de alguma companhia carvoeira? Ainda por cima estes bifes eram da terra onde o futebol tinha sido inventado. Era ouro sobre azul...

Não sabemos quantos golos os britânicos levaram. Sabemos vagamente os nomes de alguns jogadores benfiquistas da época (como Cosme Damião, Alberto Rio, Leopoldo Mocho e outros). E podemos assim perceber melhor porque é que quando o Benfica mete a bola numa baliza adversária se ouve por todo o anfiteatro do Mindelo o grito de GOOOOOOOOOOOOOOLLLLLLLOOOOOOOOOOOOOOOOOOOOOOOOOOOOO do Benficaaaaaaaaaaaaaaaaaaaaaaaaaaaaaaaaaaaaaaaaaaaaaaa!!!!!!!

Este amor ao Benfica leva a coisas extremas como esta que vou contar: há uma dúzia de anos, tendo desembarcado de avião TAP na ilha do Sal a altas horas da noite, apanhei um táxi para Espargos, onde tinha quarto marcado no Hotel Atlântico. Seguiria no dia seguinte, para S. Vicente. Entrado e sentado, vi a tremelicar, pendurado no retrovisor do Mercedes um galhardete do Sporting. Logo perguntei ao taxista: "- Entom moce, bô é de Sporting?" Resposta dele: "Não, mim é Benfica, mas nha patrom é Sporting, m'tem que oiá pa esse cosa li dia intere..."


[0102] Um texto de Adriano Miranda Lima sobre Henrique Teixeira de Sousa (antigo mas muito interessante)


A propósito da nota ontem inserida no PRAIA DE BOTE sobre o médico e escritor cabo-verdiano Henrique Teixeira de Sousa (com foto da casa onde viveu em S. Filipe, Fogo), o nosso colaborador Adriano Miranda Lima enviou-nos este texto escrito a 7 de Março de 2006, escassos quatro dias após a morte do médico e escritor de Ilhéu de Contenda.

Aqui oferecemos aos leitores do blogue a excelente prosa de AML, com a qualidade a que nos tem habituado. A foto, de nossa autoria, regista um momento do almoço promovido pela Associação dos Antigos Alunos do Ensino Secundário de Cabo Verde, no Restaurante Caravela, em Algés, Portugal, em 12 de Novembro de 2005. Está truncada, pois na original surge uma terceira pessoa muito nossa amiga. Mas é política do PB não colocar fotos de terceiros sem pedir autorização aos mesmos (excepto em casos de fotos com mais ou menos meio século). E para isso não houve tempo, dado que era imperioso colocar o texto de AML já, por questão de oportunidade. 

HENRIQUE TEIXEIRA DE SOUSA

Singelo testemunho de um amigo

Adriano Miranda Lima
No passado dia 3 deste mês, um brutal atropelamento ceifou a vida do médico e escritor cabo-verdiano Henrique Teixeira de Sousa, deixando o país em que nasceu mergulhado em profundo luto e na mais sentida consternação. Henrique Teixeira de Sousa era médico conceituado e um alto expoente das letras cabo-verdianas, de que era escritor dos mais produtivos. Especializado em nutricionismo, a ele se deve o principal contributo na elaboração de um estudo publicado sob o título “Plano de Abastecimento de Cabo Verde em Época de Seca”. Para além deste plano, outras mais intervenções e publicações pontificaram o seu empenho em servir Cabo Verde com o melhor do seu saber científico nesta vertente do conhecimento médico – o nutricionismo, particularmente útil numa terra marcada por séculos de dolorosas secas. Escritor influenciado pelo Movimento Claridoso e pelas correntes libertárias do homem, Teixeira de Sousa deixa-nos belos romances que retratam de forma sublime a realidade cabo-verdiana, com os seus costumes e as suas peculiaridades existenciais, com os seus sonhos e as suas angústias. 

Tinha 86 anos, idade em que o comum das pessoas se acolhe ao aconchego do lar a aguardar o fim da vida. Mas Teixeira de Sousa não era desses. Vendia saúde, graças à sua boa condição genética, e, homem de têmpera, continuava a viver intensamente, exercendo ainda clínica privada e intervindo activamente na literatura. Ainda no ano passado, publicou o seu último romance Oh Mar de Túrbidas Vagas e, segundo as suas palavras em entrevista publicada no suplemento “Kriolidadi” do jornal A Semana, tinha na forja uma obra de carácter histórico e um romance lírico. Intervinha ainda em colóquios, como aconteceu, em Lisboa, em fins do ano passado, sobre Miguel de Cervantes e a sua obra.

Durante o meu tempo de menino e moço em Cabo Verde não me aconteceu  qualquer contacto pessoal com o doutor Henrique Teixeira de Sousa, nem sequer por recurso aos seus serviços clínicos. Contudo, não ignorava a projecção social da sua carreira médica e a sua intervenção na literatura cabo-verdiana.

Mais tarde, em Portugal, o lançamento dos seus sucessivos romances viria a torná-lo alvo da minha especial atenção, leitor interessado que sou de temáticas sobre a realidade cabo-verdiana. À minha curiosidade como leitor começou a juntar-se uma grande simpatia por alguém a quem a distância não parecia arrefecer o amor acrisolado à terra onde nasceu, nem desarmar a busca incessante de temas originais para as suas criações literárias. O conteúdo das suas obras denotava um louvável esforço para manter vivo e estuante o filão da literatura genuinamente cabo-verdiana.

Foto Joaquim Saial - AML e Teixeira de Sousa (clique na imagem)
O início da minha relação com o doutor Teixeira de Sousa tem apenas cerca de 5 anos. Depois de uma releitura de Capitão de Mar e Terra, contactei o doutor a fim de lhe solicitar alguns esclarecimentos sobre certas figuras e factos referidos nesse romance, ao mesmo tempo que lhe manifestava o meu reconhecimento e apreço pelo seu contributo para a valorização da nossa literatura. A partir daí iniciámos uma regular troca de correspondência postal, além de esporádicos contactos telefónicos, relação que parecia destinada a prosseguir, sempre renovada de motivos de interesse, enquanto vida e saúde houvesse. Porém, jamais me passaria pela cabeça que tudo isso viria a ser brutalmente interrompido por um maldito atropelamento. Todos temos consciência da nossa finitude e a idade é o barómetro que, sem ilusões, nos vai dando o distanciamento da esperança de vida. Todavia, a energia física que o doutor alardeava e o vigor mental que animava todos os seus actos quase faziam dele um jovem no viço da idade, para quem a vida reservava ainda muitas páginas por virar, sedento das realizações espirituais que são o verdadeiro substrato da existência humana. Estava sempre atento aos fenómenos sociais e políticos da actualidade, aquém e além fronteiras, demonstrando uma perfeita sintonia com os novos tempos e emitindo juízos e opiniões em coerência com os princípios em que acreditava e os valores em que construiu e cimentou a sua vida.

Uma nota curiosa da personalidade do doutor Teixeira de Sousa era também o seu notável espírito de humor, aliado a uma surpreendente jovialidade, invulgar num homem já octogenário, assim como a sua simpatia e simplicidade como pessoa humana. Disso tive provas sobejas, em toda a nossa correspondência e no único encontro ocorrido entre nós – em homenagem que lhe foi prestada em Lisboa.

Merece ser ainda destacada a sua rica memória histórica, dotado que era de um extenso reportório de factos, situações e personagens, desde os mais variados sectores da cultura até às realidades e facetas mais singulares do povo da sua terra. Muito desse reportório foi publicado nas páginas do jornal Terra Nova, sob a forma de crónicas ricas de conteúdos factuais e existenciais.

Pela sua profícua acção como médico, pelo seu importante papel na literatura e pela grandeza da sua postura cívica, Teixeira de Sousa é, sem dúvida, um grande vulto da cultura cabo-verdiana e um dos arquitectos do imaginário do povo das ilhas. Dele não consigo dizer mais palavras que não pertençam a essa imensa ovação que, em Cabo Verde e na diáspora, se ouvirá na hora di bai.

Doutor, obrigado pela sua amizade e consideração e obrigado também pelo exemplo de vida que a todos nos lega. Até sempre.