segunda-feira, 30 de setembro de 2013

[0575] Praia de Bote, sempre!

Veja abaixo, em tamanho grande
O meu amigo (europeu) de mais de meio século e colega da 4.ª classe na escola da Rua do Sol (Lombo) e pelo menos do 1.º ano do Liceu Gil Eanes, José Carlos Marques, retornou a São Vicente há poucos dias. Matou saudades da ilha e do Mindelo e teve a gentileza de fazer fotografias da praia mais terna do Mundo, a que tem uma rua que por sua vez tem a dita praia, não se sabendo até hoje qual delas tem de facto a outra mas parecendo que ambas se têm e que nenhuma delas possuiria graça sem a restante...

Aqui fica uma das imagens do JCM que o Pd'B dedica ao Sr. José Maria Marques, seu saudoso pai - que deixou nos cais do Porto Grande e do Porto Novo muito do seu suor e sobretudo sabedoria. De facto, eis o coração do Mindelo, como nós lhe chamamos, fervilhando de vida, um dos mais genuínos locais da cidade. Sob a árvore, o "estádio" de uril mandado fazer em boa hora por Onésimo Silveira, aquando da sua presidência na CMSV.

O próximo post será a terceira parte do erudito trabalho de José Fortes Lopes sobre alterações climáticas que temos vindo a apresentar.

Foto José Carlos Marques

sábado, 28 de setembro de 2013

[0574] Do António para a Adelaide...

O António chegou a São Vicente e escreveu para a sua Adelaide (ao que supomos, residente em Portugal). Mandou-lhe um postalinho do Mindelo (designada por "isto") dentro de um envelope e deu-lhe conta dos preços praticados na terra. Não se percebe bem se acha mesmo a vida barata ou se usa de ironia para dizer que a considera cara. Para 1938, os montantes parecem elevados...

Quem seria este António? Um militar do Exército? Da Armada? Um civil? Quem sabe lá! Mas, pelo menos, ao escrever para a esposa deu-nos um retrato curioso de um Mindelo longínquo, quando o Mundo estava prestes a entrar em guerra. Ao António, tenha sido ele quem tenha sido, um braça de agradecimento.



[0573] Entrevista com o fotógrafo mindelense Hélder Doca (15.7.2013) - VER FOTOS DE HÉLDER DOCA DA PRAIA DE BOTE NO POST ANTERIOR


[0572] Praia de Bote e imediações, em duas fotografias de Hélder Doca

Duas belíssimas fotos de Hélder Doca, enviadas para o "Praia de Bote" pelo parceiro Manuel Brito-Semedo, a quem muito se agradece a simpatia do acto. Rua de Praia (que é o mesmo que dizer Praia de Bote) e Travessa de Praia (aspas, aspas), a primeira à noite e a outra em hora indefinida que nos parece ser do final do dia, quando o Sol se põe no Porto Grande. Nostalgia, beleza e grande sensibilidade artística, oferecidas aos frequentadores desta praia: aos que comentam o que por aqui vai aparecendo e aos que cá vêm mas permanecem mudos...

Foto Hélder Doca

Foto Hélder Doca

sexta-feira, 27 de setembro de 2013

[0571] Tal como prometido no post anterior, aí está mais Madeiral

Disse antes de a rever, que colocaria aqui uma imagem mais modernizada do Madeiral. Trata-se afinal apenas de uma fotografia feita a partir de outro ângulo. Mas igualmente sugestiva.


quarta-feira, 25 de setembro de 2013

[0569] Continuação do importante trabalho de José Fortes Lopes

2.ª Parte - Mudanças nos Ecossistemas Terrestres e Aquáticos e Eventos Extremos (ver 1.ª parte AQUI)

José Fortes Lopes
Como vimos na primeira parte deste trabalho, os Cenários Climáticos derivados da problemática do Aquecimento Global do planeta apontam para situações preocupantes do ponto de vista climático. O Protocolo de Quioto assinado por vários estados, incluindo Cabo Verde, bem como inúmeras outras políticas e ações nacionais e internacionais, visam a estabilização da concentração de gases de efeito estufa para evitar uma inflação perigosa desses e mitigar os seus efeitos catastróficos sobre o planeta. Hélas, os resultados deste protocolo estão à vista!?

Qualquer dos cenários apresentados, conservador ou extremo, pressupõe impactos importantes para o planeta e a vida na Terra. Muitas regiões costeiras, incluindo ilhas, onde se concentra grande parte das cidades mais importantes, e, consequentemente, uma parte significativa da população mundial estarão, pois, ameaçadas pelos efeitos das mudanças climáticas, que poderão ser devastadores para países insulares e costeiros. Áreas sensíveis de países costeiros poderão ser inundadas (nomeadamente no Países Baixos, microestados insulares do Pacífico, Maldivas, etc), o que causará migrações em massa assim como perdas materiais e culturais incalculáveis. Por exemplo, estima-se que os Estados Unidos perderiam 30 mil km2 de costas para uma elevação de um metro no nível do mar e gastariam de 270 a 475 bilhões de dólares para remediar os seus efeitos, ao passo que o Senegal (ou qualquer país da costa ocidental africana) perderia à volta de 6 mil km2 de área costeira mais populosa, provocando danos materiais incalculáveis para um país pobre (com custos estimados a várias centenas de milhões de dólares), e uma provável migração de centenas de milhares de pessoas para regiões do interior do país, assim como para países limítrofes ou vizinhos. Por outro lado, alguns arquipélagos ou estados arquipelágicos podem ser riscados do mapa se o pior cenário climático se verificar. Estamos a falar dos microestados insulares do Pacífico (Cook, Kiribati, Marshalls, Micronésia, Nauru, Niue, Palau, Tonga, Tuvalu) e das Maldivas (situadas no Oceano Índico), ‘que já estão com os pés na água’ a ‘sentir na pele’ a subida do nível do mar, tendo sido submersas ou reclamadas para o mar várias extensões dos seus territórios.

Já existem muitas soluções tendendo a mitigar os efeitos da subida do mar em alguns locais críticos em zonas costeias, construindo canais, comportas, diques, ilhas artificiais, muros, estruturas flutuantes, terraços e outros métodos, incluindo o reflorestamento costeiro e fixação de dunas. Os Países Baixos, que possuem grande parte do seu território, muitos metros abaixo do nível do mar, sendo frequentemente apontados como um dos melhores alunos mundiais no que concerne a lidar com problemas costeiros e o meio ambiente, construíram sistemas hidráulicos robustos para proteger o seu território de cheias. Todavia, a construção de obras de hidráulica marítima (paredões, muralhas, esporões, etc.) pode ser uma primeira solução, mas a experiência prova que o mar tem a última palavra: estas soluções parecem cada vez mais efémeras e ilusórias, podendo engendrar efeitos indesejáveis e outros problemas imprevisíveis tais como impactos ambientais negativos (a degradação ou erradicação de ecossistemas costeiros e perdas importantes de biodiversidade). Esta estratégia tem levado muitos cépticos a questionar se a batalha das zonas costeiras na perspectiva das Mudanças Climáticas não estará já perdida, tendo em conta a confirmação dos cenários mais negativos, ou seja, o aumento inexorável da concentração dos gases de estufa. Em outras palavras, temos ‘o diabo à solta’ na natureza e tarde acordamos para o problema. Sendo optimista e acreditando no bom senso da comunidade internacional, não partilho de uma visão catastrófica do futuro. As obras de hidráulica marinha são, portanto, facas de dois gumes e a sua concepção deve basear-se em estudos validados e decisões cuidadas. Daí o meu alerta e as dúvidas relativamente às polémicas obras na Laginha, sobretudo após a construção do infeliz paredão (que muitos ‘mindelenses gozentos’ já apelaram de cauda escondida do monstro de Lock Ness, afundado algures na baía) e que dividiu a enseada da Laginha em duas.

A fusão dos gelos e o aquecimento dos oceanos pode ter drásticas consequências no Clima Global. Ao fazer diminuir a salinidade dos mares polares, a densidade das águas superficiais do oceano diminui, reflectindo directamente na circulação das correntes marinhas. Este efeito tem uma implicação na denominada Circulação Oceânica Termohalina (chamada Great Convoyer Belt), uma circulação oceânica planetária que inclui as circulações de superfície do Atlântico, do Pacífico e a Circulação Abissal) que demora vários milhares de anos a perfazer uma volta completa entre os Oceanos atlântico e Pacífico. Uma perturbação importante na Circulação Oceânica Geral, ou seja, o seu enfraquecimento, pode provocar glaciação, como aconteceu várias vezes no passado, há milhões de anos. Invariavelmente está em causa o enfraquecimento da Corrente do Golfo que transporta grandes quantidades de calor para o Norte e ameniza o clima do Atlântico Norte (o que explica que a Inglaterra ou o Norte da França não tenham climas mais frios). Com efeito, há 12.800 anos a Circulação Oceânica Geral colapsou, a Corrente do Golfo enfraqueceu e em vez de atingir a Inglaterra e os mares polares, virava a sul de Portugal. Neste cenário, não chegando mais calor para o norte, toda a Europa entrou na Idade do gelo, o deserto de Sahara era uma savana e o clima de Cabo Verde provavelmente deveria ser comparável ao da França actualmente. Este fenómeno acontece sempre que por razões de Mudança Climática, a densidade das águas polares diminui (provocada pela fusão dos gelos polares). É assim que se a temperatura média do planeta aumentar, paradoxalmente, a Europa poderá entrar num período glaciar e as regiões subtropicais verão o seu clima totalmente alterado!!! O problema é que o retorno ao estado normal para a Circulação Oceânica Termohalina pode levar milhares de anos a acontecer!!!

É preciso recordar que muitas espécies vivas no planeta já tiveram sua extinção associada a mudanças climáticas ocorridas ao longo das diferentes eras climáticas do planeta. Uma fusão dos gelos marinhos provocará forçosamente uma diminuição da salinidade oceânica com impactos negativos na bioquímica marinha. Existem já indícios de mudanças no comportamento de espécies marinhas devido a alterações da salinidade dos mares e vários artigos científicos vêm confirmar essa suspeita. Um artigo de 2013 publicado na revista ‘Nature’ uma das mais prestigiadas revistas científicas internacionais (Global Imprint of Climate Change on Marine Life), relacionou acentuadas modificações e redistribuições regionais das populações de várias espécies marinhas com o Aquecimento Global/Mudanças Climáticas. Devido ao aquecimento dos oceanos várias espécies marinhas (peixes e invertebrados) habituadas a águas mais frias estão migrando para latitudes setentrionais e/ou a mergulhar para águas mais profundas e frias desequilibrando os ecossistemas marinhos regionais e globais. Como um mal não vem só, esta situação está sendo agravada pela sobre-exploração dos mares, uma vez que cerca de 50% de todas as espécies de valor comercial está actualmente com populações no limite máximo de exploração, e cerca de 30% está mesmo super-explorada ou em declínio rápido, prevendo uma eventual extinção em meados do século XXI, se o ritmo de captura se mantiver ou se o processo não for revertido. Tendo em conta a importância do sector das pescas na economia de Cabo Verde esta problemática reveste de uma grande relevância. A todos estes males acresce a poluição marinha de origem química e biológica que destrói os ecossistemas marinhos. No que concerne aos continentes, fenómenos similares estão a ocorrer pelo que se teme também uma perda irreversível da biodiversidade continental. A migração de espécies e a difusão de espécies invasoras contribuem para a disseminação de doenças e infecções, colocando em risco espécies endémicas ou geneticamente empobrecidas (nomeadamente as insulares), espécies raras ou migratórias. Para além disso, a expansão crescente da actividade humana e a demografia galopante no planeta e a insensibilidade em relação ao ordenamento natural, estão já a pôr em causa os próprios habitats naturais do planeta.

Outra consequência do aumento da concentração do CO2 na atmosfera é a acidificação oceânica e a diminuição das concentrações de oxigênio em vários mares. O oceano é uma solução básica e o seu pH não variou desde há centenas de milhões de anos, sendo o seu valor médio da ordem de 8.2. Durante os últimos dois séculos, observações mostram que o pH oceânico caiu 0.1 unidades, um aumento de cerca de 25 porcento da acidez do oceano devido à formação de ácido carbónico resultante da dissolução do excesso de CO2 na atmosfera. O aumento da acidez leva à redução no processo de calcificação dos organismos marinhos, inclusive na formação de conchas e esqueletos. Os organismos marinhos calcificadores (conchas, moluscos e outros organismos marinhos) apresentam respostas diferentes no que respeita à acidificação durante os seus estágios evolutivos de vida, mas os estágios iniciais parecem ser especialmente sensíveis à acidificação. Por outro lado, suspeita-se que a acumulação de CO2 nos oceanos pode levar à sua acumulação excessiva nos organismos marinhos, provocando alterações gerais da sua morfologia e perturbando vários processos metabólicos, a actividade física e a reprodutiva.

Uma tendência curiosa do Clima actual, prende-se com o aumento da ocorrência de eventos climáticos extremos e inesperados, tais como mudanças no regime de chuvas, resultando em enchentes e secas incluindo as alterações na frequência ou na intensidade de ciclones tropicais e outros eventos meteorológicos extremos. Embora alguns cientistas procurem associar estes eventos às Mudanças Climáticas, sendo convicção generalizada de que a actividade humana esteja a jogar um papel importante neste processo, a Ciência propriamente dita ainda não consegue estabelecer uma relação causal directa, nem prever as suas ocorrências. Com efeito, as tendências a longo prazo são ainda difíceis de prever pela baixa qualidade dos registos climatológicos efectuados antes das observações rotineiras dos satélites, e pelo facto de que ainda muito pouco se sabe da relação Clima/Ciclones. Todavia, a análise rigorosa da variabilidade natural do clima mostra que ela sozinha não explica as tendências de longo termo observadas na temperatura e precipitação no planeta. Ou seja, existem suspeitas de uma correlação entre a ocorrência de eventos extremos e as Mudanças Climáticas. Especula-se assim que um ligeiro aumento da temperatura média do globo possa levar ao aparecimento ou reforço de eventos meteorológicos extremos. Estes eventos podem consistir em mudanças no padrão dos ventos que se reflectem no aumento da ocorrência ou da intensidade de episódios extremos: ondas de calor extremo (2003, na Europa, que mataram centenas de pessoas), ondas de frio extremo, risco de grandes inundações após longos períodos de seca em sítios mais improváveis, aumento da frequência e da intensidade dos ciclones tropicais, (como foi o caso do ciclone Humberto em Cabo Verde), etc.

As flutuações climáticas/eventos extremos podem ter implicações no reforço da desertificação de zonas áridas e semi-áridas. A desertificação e a desflorestação envolvem mudanças drástica nos microclimas, mas os seus impactos climáticos são, não somente locais mas também planetários, podendo alterar o clima terrestre no seu todo. As árvores são consumidoras naturais de dióxido de carbono, regulando a sua composição na atmosfera. A destruição das florestas rompe este equilíbrio ao remover este sumidouro natural de carbono, ao mesmo tempo que os incêndios florestais contribuem para a libertação de mais dióxido de carbono para a atmosfera, bem como de mais metano, outro dos gaz que contribui para o efeito de estufa. Para além disso, as florestas também regulam o balanço radiativo na atmosfera, pelo que nas zonas áridas e semi-áridas o solo recebe mais radiação, e a atmosfera torna-se mais quente e seco, ou seja, as condições meteorológicas ficam mais severas. Com a desertificação o manto orgânico ou húmus que acumula à superfície do solo (raízes, ramos, folhas mortas etc) desaparece, ficando o solo exposto à erosão do vento e da chuva, sendo que esse efeito se amplifica em situações de eventos extremos. Numa floresta convertida em zona semi-arida ou áridas, os fluxos de vapor de água e de calor alteram-se provocando efeitos em cascada: maior exposição à radiação, reforço dos processos convectivos, mudanças na circulação local e na cobertura da nuvens, realimentando assim as causas das alterações do clima e do tempo local.

Os custos associados aos eventos extremos têm aumentado em todo o mundo. Estima-se que nos EUA esses custos tenham aumentado de várias centenas de bilhões/ano no período 1980 a 2010. Em 2011, os custos dos desastres rondaram os 35 mil milhões de dólares, de acordo com a NOAA (cada desastre climático custando cerca de vários mil milhões de dólares).

O relatório do IPCC evidencia o recrudescimento do número de ciclones tropicais no Atlântico Norte desde 1970, e correlaciona-o com aumento da temperatura da superfície do mar, nomeadamente nas águas subtropicais. O resumo não pôde definir uma tendência clara sobre o número de ciclones tropicais no mundo no longo prazo, mas afirma que sua intensidade pode vir a aumentar. Eventos meteorológicos extremos, incluindo ciclones tropicais, têm fustigado países como o Japão, o México os EUA e Cabo Verde ao longo do ano 2013, contabilizando avultadas perdas humanas e matérias. Na realidade ciclones tropicais têm sido as catástrofes naturais que mais causam prejuízos nos países desenvolvidos, e são a maior causa de fatalidades e ferimentos também decorrentes de catástrofes naturais nos países em desenvolvimento. O número de mortos e desabrigados e as perdas económicas previstas devido a estes eventos podem aumentar pela densidade crescente de população em áreas costeiras expostas, como é o caso no sudeste asiático. O aumento da ocorrência de eventos climáticos extremos e inesperados em todo mundo, inclusivamente em Cabo Verde, deve servir de aviso e alerta aos responsáveis ambientais e políticos cabo-verdianos no sentido de se tomar todas as medidas preventivas para mitigar os eventuais impactos futuros das Mudanças Climáticas. As longas e imemoriáveis secas de que o arquipélago foi vítima devem servir de referência histórica para sensibilizar a população sobre a problemática. Como diz o ditado: "Mais vale prevenir que remediar" ou "O seguro morreu de velho".

José Fortes Lopes
(Professor no Grupo de Meteorologia, Climatologia e Oceanografia Física
Centro de Estudo do Ambiente e do Mar-Universidade de Aveiro)

Bibliografia Recomendada:

01 - http://www.gcca.eu/regional-programmes/gcca-pacific-small-island-states
02 - http://unfccc.int/resource/docs/publications/cc_sids.pdf
03 - http://oceanmotion.org/html/impact/conveyor.htm
04 - http://www.commondreams.org/views04/0130-11.htm
05 - http://www.youtube.com/watch?v=SyAEucg6teg
06 - http://en.wikipedia.org/wiki/Shutdown_of_thermohaline_circulation
07 - http://www.antarctica.ac.uk/press/press_releases/press_release.php?id=1879
08 - http://www.ocean-acidification.net/OAdocs/SPM_Portugese.pdf
09 - http://www.theguardian.com/environment/2013/aug/05/climate-change-pushing-marine-species-to-poles
10 - http://www.nature.com/nclimate/journal/vaop/ncurrent/full/nclimate1958.html
11 - http://www.wmo.int/pages/themes/climate/climate_variability_extremes.php
12 - https://www.ipcc.ch/pdf/special-reports/srex/SREX_Full_Report.pdf
13 - http://www.wmo.int/pages/prog/drr/index_en.html
14 - http://www.climatecentre.org/site/publications/317/world-disasters-report-2011?type=5
15 - http://www.climatecentre.org/downloads/File/reports/World%20Disaster%20Reports/WDR%202011.pdf
16 - http://co2now.org/Know-the-Changing-Climate/Effects/ipcc-faq-climate-change-changes-in-extreme-events.html
17 - http://www.unibas.it/desertnet/dis4me/issues/issue_deforestation_pt.htm
18 - http://naturambiente.blogs.sapo.pt/875.html
19 - Arsénio de Pina, Aquecimento Global, Mudanças Climáticas e Energias Renováveis, p. 49-80, Ês Ca Ta CDI, 2011.
20 -O "monstro da Lajinha", a mais espantosa e inimaginável aberração plantada na bela praia urbana do Mindelo. Praia de Bote. http://mindelosempre.blogspot.pt/, 2013.

segunda-feira, 23 de setembro de 2013

[0568] "Alguns aspectos da Regionalização em Cabo Verde", por Arsénio de Pina

Texto inédito

Arsénio de Pina
No encontro promovido pelo “Grupo de Reflexão para a Regionalização de Cabo Verde”, os pratos fortes serão o balanço das actividades do Grupo e perspectivas futuras, a cargo de João Lima, o custo da regionalização, por José Maria Brito Almeida, e eu limitar-me-ei a ventilar alguns aspectos da mesma, sugerindo ainda aos ouvintes a leitura de artigos de José Fortes Lopes, Luiz Silva, Adriano Miranda Lima, Onésimo Silveira, Ireneu Gomes, no seu segundo livro sobre Psicopatologia da Miséria, a tese de doutoramento de Eder Marcos de Oliveira, o artigo de Hirondina Martins publicado em A Semana, o recente livro de João do Rosário, Cabo Verde, Perspectiva e Realidade, entre outras publicações versando o assunto.

A Regionalização do país - uma modalidade de descentralização política, administrativa, financeira, social e cultural – facilitaria e promoveria a responsabilização dos quadros dirigentes, estimulando simultaneamente os cidadãos a assumirem em pleno a cidadania, a participar activamente na gestão da coisa pública, ganhando consciência e lucidez sobre os seus desígnios e objectivos, a valorizar as vantagens específicas de cada ilha, em vez de as menosprezar ou sufocar, como vem acontecendo, por exemplo, com S. Vicente, quando, entre 1920 e 1930, esta nossa ilha era a mais avançada, fornecendo dois terços do rendimento total do arquipélago, graças às suas actividades marítimas.
A estratégia da regionalização é apartidária, brotada da sociedade civil. Por mais que se espreite, não se encontrará nenhum fumo partidário, nem rabo-de-gato politiqueiro. Nela podem participar todas as pessoas de boa vontade com ideias saudáveis e iniciativas viáveis, pessoas corajosas e determinadas, e mesmo políticos, desde que estes deixem a militância partidária e a má política em casa. Na nossa perspectiva, não é estratégia que possa ser recuperada para interesses partidários e para catar votos, mas pode ser bloqueada se não houver boa-fé do Governo.

Herdámos da administração portuguesa a centralização excessiva, sendo essa mazela mais uma razão para desenvolvermos municípios mais fortes e instituições regionais descentralizadas a que o Poder Central delegará competências e poderes, consagrando o princípio da solidariedade e não limitar-se a uma simples redistribuição das competências entre o poder central e as regiões. O exercício dos poderes delegados será, como não podia deixar de ser, sob controlo e fiscalização do Poder Central quanto ao cabal cumprimento desses poderes, sem outras interferências.

A regionalização tem demonstrado, nos países onde foi instituída, ser um instrumento poderoso que favorece a democracia graças à participação activa dos cidadãos. Em democracia é essencial a liberdade e igualdade perante a lei, para ser possível a participação dos menos favorecidos, face a minorias natural ou artificialmente privilegiadas; a regionalização, do seu lado, aproxima os serviços públicos das populações, diminui a burocracia e a corrupção e legitima o poder através do voto popular, diminuindo a fraude eleitoral através do aumento de postos de trabalho, consequentemente, diminuição do número de desempregados, mais sujeitos a serem comprados por partidos políticos. É incontestável, e disso temos longa experiência, que as possibilidades de participação são muito maiores quando existem governantes eleitos por mérito na competência e na experiência do que quando se verifica a nomeação por parte do Governo ou por favorecimento de militantes partidários.

O instinto político de descentralização e de autonomia manifesta-se sob múltiplas formas, como um protesto contra a insensibilidade do poder central e uma vitória dos interesses e energias locais contra a média uniforme, impotente e artificial do centralismo. Nelas podem manifestar-se livremente e afirmar o espírito inventivo, democrático e autonómico das populações. As liberdades municipais e iniciativas locais dão às populações fisionomia e vida próprias impossíveis na centralização comandada à distância, esterilizadora, lenta, monocórdica e pouco sensível às questões locais, com a vantagem acrescida de motivar as populações das ilhas a não migrarem, a emigrar menos, a permanecerem aí, em actividades reprodutivas, transaccionáveis, captando fundos dos seus filhos na diáspora que investem para o desenvolvimento da sua ilha através de indústrias ligeiras, do turismo, artesanato, agro-negócio, fabrico, por exemplo, mil e uma coisas que importamos, como telhas e blocos em argila, aproveitamento da riqueza mineral (pozolana, gesso, pedra basáltica e colorida e até mármore, na ilha do Maio), engarrafamento de água mineral (Brava, Fogo, Santiago, Santo Antão), exploração de termas medicinais (por exemplo, no Barril, no Tarrafal de S. Nicolau, de que fiz, há anos, uma proposta fundamentada, utilizando as areias quentes medicinais associadas à água mínero-medicinal do Torno ou de Mané Bau, indicadas tanto para o tratamento de reumatismo como de doenças do foro digestivo).

É bom de ver que os partidos políticos e governos, sejam quais forem os seus ideais e interesses, ganham sempre com a centralização, pelo que dificilmente se separam dela. A centralização do poder é o grande meio de este o conservar e controlar de perto, porque concentrado num local na sua omnipotência burocrática com o favorecimento e o apoio de uma pequena elite exploradora à custa dos esforços e do sofrimento da maioria. Não tenhamos dúvidas nem ilusões: esperar a regionalização por iniciativa e decisão de partidos políticos e governos é quase como garantir chuva, em Cabo Verde, no mês de Outubro. Deverá ser a sociedade civil e os jovens a lutar por isso com argumentos válidos até os convencer a considera-las e a adoptar, até porque a juventude, no seu todo mas particularmente a qualificada desempregada, já não acredita no estafado centralismo do poder e ambiciona uma alternativa que lhe abra novas oportunidades.

Cremos bem que as regiões com descentralização administrativa, financeira, política, social e cultural podem ser um instrumento de unidade e de solidariedade nacional, e não de divisão, como alguns temem e transformam em gongon, se for correctamente realizada, de modo a que as populações sintam e se convençam de que as regiões mais atrasadas ou negligenciadas passam a ter autonomia e a dispor de mais recursos do que até agora; como aceitar que certos nababos de Praia, embora esta ilha albergue mais de 50% da população do país, sejam os maiores beneficiários dos investimentos para o desenvolvimento destinado ao país, quando somos nove ilhas habitadas dispersas? Somente no centralismo do poder é que tal anomalia é possível. A descentralização funciona como motores potentes do desenvolvimento e de criação de actividades ao nível local.

O nosso Movimento para a Regionalização, Descentralização e Autonomia de Cabo Verde fez, há ano e meio, uma proposta ao Governo para a constituição de uma comissão de estudo contemplando algumas questões que ventilamos neste encontro, comissão incluindo todos os parceiros sociais, económicos e políticos, a fim de se chegar a um consenso sobre a regionalização, descentralização e autonomia de CV, após o estudo e debate de diferentes experiências de regionalização no mundo (Marrocos, Áustria, Bélgica, Holanda, Dinamarca, etc.), e ainda estamos à espera de resposta. Insensibilidade central às propostas periféricas?

Que haja um “Estatuto Especial para a Praia”, como capital do país, ninguém de boa-fé pode, nem deve ser contra, mas dentro de um contexto geral de descentralização para todo o país. Somente limitado à Praia é que é de estranhar, por o país ser uno e indivisível. A Praia, como cabeça do país, poderá merecer, por isso, um penteado particular, mas se o corpo do país, portanto, as outras ilhas e certos concelhos de Santiago, estiverem cheias de sarna, tinha, cocirinha e apostema, a cabeça praiense estiolar-se-ia.

Sem o conhecimento e discussão aprofundada, ninguém estará em condições de afirmar categoricamente que a regionalização nos convém ou não. As verdades irrefutáveis, somente em religião, tanto nos dogmas como na infalibilidade papal, mas esta limitada a matéria de fé. A Política e a Administração são ciência, e esta contenta-se com aproximações da verdade após estudo, discussão aturada e experimentação. Afirmar a inexistência de meios para a regionalização parece-nos um tanto arriscado, talvez um lapsus linguae, ou, pelo menos, imprudente. À pergunta do nosso Primeiro-Ministro de “quem irá pagar isso”, para negar a sua viabilidade, a única resposta será uma série de outras perguntas: entre outras, quem tem pago a pesada estrutura estatal que vem gerindo o nosso país? Veremos, como nos explicará o companheiro da jornada Brito Almeida, que até se poupará com a regionalização, muito mais eficiente do que o estafado centralismo em que temos vivido e insistimos em continuar botando-lhe uma ligeira maquilhagem.

A abundância de leis, de normas, posturas camarárias, estas raras vezes aplicadas, do nosso sistema de governação, é um regalo para burocratas, mormente para o funcionário menor que se agarra à norma ou à lei e tem dificuldade em representar um papel impessoal. E isso dá origem a uma das burocracias desesperadamente alapadas à letra da lei, sem tentar compreender-lhe o espírito, e criadora de oportunidades para a corrupção. Qualquer caso banal é atirado para o superior hierárquico e isso dificulta e afugenta os investidores privados nacionais, sobretudo os da diáspora e estrangeiros não habituados a tamanhas dificuldades e perdas de tempo. Conclui-se, portanto, haver urgência na Reforma Administrativa.

O Estado deve exercer as competências que as instâncias descentralizadas e as abaixo delas não possam exercer melhor do que ele, abandonando o autoritarismo concentrado e pessoalizado ainda vigente.

Esperamos que o Governo queira escutar as vozes dos cidadãos, da sociedade civil, porque ninguém deve pedir por favor aquilo que lhe pertence por direito. Há que combater e acabar com a tendência de as pessoas que deveriam ser ouvidas e respeitadas pela sua competência, experiência, isenção, provas dadas e rectidão de caracter, serem marginalizadas pelo poder político quando não são militantes do partido no poder. Afinal, o Estado mais não é do que uma máquina que se destina a fornecer-nos os serviços que nós, cidadãos não militantes e militantes, reputamos de essenciais. Se não funciona, ou se funciona mal, é porque algo falhou na forma como escolhemos os dirigentes, ou estes se inebriaram com o usufruto do poder, e temos todo o direito e poder de modificar essa forma de escolha e de decisão.

Um país onde a inteligência é um capital quase inútil e o único capital deveras produtivo e utilizado é a falta de escrúpulos e de ética, não tem grandes hipóteses de progredir. Não queiramos ser nem tolerar isso.

Há gente, geralmente das cúpulas governamentais, que advoga – e muito bem – a desestatização das nossas cabeças, isto é, que não se espere que tudo venha do Estado, dos Governos. Esquecem-se, no entanto, de que a culpa tem sido deles, não dos cidadãos, por ter havido controlo e condicionamento rígido das iniciativas privadas, o que levou à criação de empresários conformados, tímidos e abúlicos, de um lado, e de oportunistas e mafiosos, de outro, não permitindo a formação, como expliquei noutro texto, de uma classe empresarial forte e independente capaz de investir na promoção e criação de indústrias. Grande parte desta classe tem-se limitado a viver da importação de bens, que já devíamos estar a produzir localmente, e da rabidância, sem correr nenhuns riscos. Diga-se a verdade inteira: há impostos exorbitantes sobre os produtos nacionais e matérias-primas importadas, herdados do tempo colonial, para proteger os produtos vindos de Portugal e para frenar a criação de indústrias nas colónias, impostos que ainda vigoram, e facilidades quanto a produtos importados que beneficiam de subsídios da EU. Até a OMC recomendou legislação nacional para proteger a produção local, a qual nunca foi feita. Não irei estender-me neste campo, de que se ocupará um dos palestrantes e vem documentado no livro de João do Rosário.

A regionalização é uma forma de descentralização, como o são o reforço do poder dos municípios e das freguesias ou a transferência de poder para as associações públicas, como as ordens profissionais, ou para instituições particulares não-governamentais do tipo da Adeco, ONDS, ADAD, Amigos da Natureza e outras do género, de solidariedade e defesa do cidadão contribuinte, consumidor e de defesa do meio ambiente, cujos dirigentes são eleitos, não nomeados pelo Governo.

Não me detenho na autonomia, tão caluniada por alguns. Ela significa tão simplesmente mais poderes para gerir a receita, mas também poderes para a cobrar a nível regional e municipal. É um princípio fundamental de maior responsabilidade: quem gasta, cobra, o mesmo é dizer, maior autonomia com maior responsabilidade para se obterem resultados mais adequados e duráveis em tempo útil sem ter de esperar meses pelo deferimento central.

Opor-se, ou apresentar empecilhos à regionalização por poder ser uma ameaça à unidade nacional, é uma grande patranha que não tem pés para marchar e nos recorda uma das figuras do quotidiano utilitário do Prof. João Manuel Varela – os matadores do burrinho do bispo – pessoas que se empenham em matar estruturas que não fazem mal a ninguém, nem à sociedade civil, nem às instituições do Estado, e, até são, pelo contrário, uteis, sem falar nos passadores de pau que empregam o seu tempo a enganar o próximo e são, manifestamente malignos, estando em intensa proliferação.

As regiões devem ocupar-se de decisões que ultrapassam os municípios, isto é, que não podem ser resolvidas a esse nível sem egoísmos dos respectivos municípios: questões de planeamento regional, gestão de incentivos, definição de prioridades de investimento público, entre outras. 

Sendo a democracia mais uma prática diária do que um regime, forçoso é presumir-se poder haver práticas ruins sob a capa de democracia. É o que, infelizmente há mais nos tempos que correm, e tanto mais quanto mais fraca e resignada for a sociedade civil e a tradição de esta intervir para limitar e corrigir o poder do Estado. Certamente, organizações da sociedade civil independentes são incómodas para muitos governos parasitados por predadores usufruindo das benesses do centralismo.

Como continuamos aguardando que o Governo nos oiça e dê andamento à nossa solicitação, e de altas individualidades nacionais, de criar uma comissão para o estudo da viabilidade da adopção da regionalização em Cabo Verde, termino com o mesmo conselho de um artigo anterior dirigido ao Governo:

Caros governantes. Há que respeitar um povo que contornou precipícios terríveis, sinuosos e escorregadios, onde só transita, sem risco de cair, o pé bifurcado da cabra. Ele, o povo das ilhas, excluindo certos privilegiados da Praia, aí está, mirando aqueles que prometeram melhorar os seus caminhos. Queremos, nós das outras ilhas, do interior de Santiago e os da Praia deixados por conta, caminhar convosco do poder central, de mãos dadas, em confiança, sem receio que nos pinchem pela ribanceira abaixo.

S. Vicente, 7 de Agosto de 2013
 Arsénio Fermino de Pina 
(Pediatra e sócio honorário da ADECO)

sexta-feira, 20 de setembro de 2013

[0567] Adaptações às mudanças climáticas a longo prazo num país insular como Cabo Verde

José Fortes Lopes
O presente texto serviu de base à intervenção de José Fortes Lopes no programa radiofónico "Espaço Público" na Rádio Nacional de Cabo Verde, em 14.9.2013. No mesmo, debateram-se as adaptações às mudanças climáticas a longo prazo, num país insular como Cabo Verde.  Este é o primeiro de três textos que o Pd'B publicará sobre o tema, a saber: 

1.ª parte: Causas e Efeitos das Mudanças Climáticas (a de hoje).

2.ª parte: Mudança nos Ecossistemas Terrestres - Eventos Extremos (Cabo Verde na rota dos eventos extremos?).

3.ª parte: Ensaio com considerações de ordem ambiental e política sobre Cabo Verde.


Introdução

Um dos aspectos mais curiosos nas tendências do Clima actual prende-se com o aumento da ocorrência de eventos climáticos extremos e inesperados, tais como mudanças no regime de chuvas (resultando em enchentes e secas), alterações na frequência ou na intensidade de ciclones tropicais e outros eventos meteorológicos extremos. A análise rigorosa da variabilidade natural do clima mostra que ela sozinha não explica as tendências de longo termo observadas na temperatura e precipitação no planeta. Estes eventos extremos não têm uma única causa, mas os factores humanos podem contar muito pois o homem está cada vez mais a influenciar o clima. Existem várias suspeitas de que o aumento da ocorrência de eventos extremos esteja correlacionado com as Mudanças Climáticas. Eventos climáticos extremos têm ocorrido com muita frequência nos últimos anos em várias partes do globo, incluindo Cabo Verde. O aumento nas temperaturas globais desencadeia várias alterações nos sistemas climáticos terrestres, sendo potencialmente devastador para países insulares e costeiros devido à sua exposição mais importante. O objectivo deste trabalho consiste em dar uma perspectiva actual da problemática climática. Este trabalho intitulado “Mudanças Climáticas: Mudanças no Ecossistemas Terrestres e Aquáticos, Eventos Extremos e a Problemática Ambiental em Cabo Verde”, está dividido em três partes. A primeira parte debruça-se sobre Causas e Efeitos das Mudanças Climática. A segunda parte sobre Mudanças nos Ecossistemas Terrestres − Eventos Extremos, e a terceira parte termina em forma de ensaio com considerações de ordem ambiental e política sobre Cabo Verde.

1.ª Parte - Causas e Efeitos das Mudanças Climáticas

O aquecimento global é um processo que resulta no aumento da temperatura média da atmosfera e dos oceanos e que segundo observações vem ocorrendo desde meados do século XIX, provocado essencialmente pelas emissões de origem antropogénicas (humanas, ou seja não naturais, em contraponto à emissão natural) de gases, dito de estufa, sendo um dos principais o CO2 (dióxido de carbono), o metano e o óxido nitroso.

O efeito de estufa (similar à estufa de vidro transparente que deixa passar a luz mas retém o calor) consiste na retenção da radiação térmica na atmosfera, inibindo a dissipação do calor terrestre para o espaço, o que provoca um aumento da temperatura média da atmosfera.

Aponta-se como principais responsáveis pelas emissões de CO2 a queima de combustíveis fósseis e a desflorestação, que provocam a libertação de forma quase instantânea para a atmosfera de enormes quantidades deste gás. Recorde-se que grande parte do CO2 presente na atmosfera está naturalmente armazenado nas plantas e nos combustíveis fósseis desde há milhões de anos, dissolvido nos oceanos, presente nas formações rochosas e mesmo na forma de conchas e carapaças de diferentes animais.

Não convém confundir a questão do CO2 com aumento da concentração de aerossóis atmosféricos que reflectem/difundem para fora da atmosfera terrestre a radiação solar incidente no topo da atmosfera, e que tem um efeito contrário ao efeito de estufa (tende a provocar um certo resfriamento da atmosfera), podendo em situações em que a sua concentração torna-se extremamente elevada mascarar parcialmente os efeitos do aquecimento induzido pelos gases de estufa. Por exemplo, no caso da erupção do vulcão de Krakatoa na ilha de Java (Indonésia) em 1989 provocou um brusco arrefecimento do planeta devido à libertação para a estratosfera de grandes de quantidades de cinzas, o que correspondeu ao acréscimo brusco da concentração de aerossóis na atmosfera terrestre. Tão pouco a camada de Ozono é para aqui chamada quando se fala de Aquecimento Global.

Embora exista alguma controvérsia sobre o aquecimento global e as mudanças climáticas, havendo mesmo pressões políticas e económicas, muitas vezes associadas a lobbies industrias, para se negar ou minimizar as actuais evidências científicas, existe um consenso científico de que o aquecimento global está a acontecer inequivocamente, pelo que são precisas medidas urgentes para reverter o processo, pois os riscos da inacção podem ser incalculáveis. Todos os cenários climáticos fornecidos pelos modelos climáticos computacionais apontam para um aquecimento global do planeta. Um modelo climático é uma representação matemática de cinco componentes do sistema climático: atmosfera, hidrosfera, criosfera, superfície continental e biosfera. Estes modelos baseiam-se em princípios físicos e tentam realisticamente reproduzir o clima passado e prever o clima futuro. Podem incluir componentes que representam o movimento do ar, sua temperatura, nuvens, e outras propriedades atmosféricas; temperatura oceânica, salinidade, e circulação; cobertura de gelo continental e oceânica; a transferência de calor e humidade do solo e vegetação para a atmosfera; processos químicos e biológicos; entre outros. Apesar do facto de os modelos actuais serem cada vez mais sofisticados (com feedbacks, retroacções) para representar o clima e os seus processos básicos, um modelo é sempre uma simplificação inevitável do real, cada modelo tem a sua sensibilidade climática e precisão, havendo assim limitações na reprodução do real, mas também devido ao facto de a capacidade de processamento e disponibilidade de dados não ser inesgotável. Resultados de diferentes modelos climáticos podem dar resultados de diferentes projecções do clima futuro. É sabido que a temperatura na superfície terrestre aumentou em média 0,76°C entre 1850 e 2005. Vários estudos publicados após o último relatório do IPCC mostram que as causas e efeitos das mudanças climáticas estão a agravar-se bem mais rápido do que o IPCC previu e que as suas projecções foram conservadoras, e que os piores cenários estimados ficam cada vez mais perto de se concretizarem. Modelos climáticos projetam aumentos da temperatura global da atmosfera entre 1,1 a 5°C até ao ano 2100, mas os efeitos continuarão e ampliar-se-ão mesmo se o efeito de estufa não for mitigado, e mesmo que as concentrações de gases estufa se estabilizem nos níveis atuais muitos processos climáticos já foram desencadeadas e são de difícil controlo. Tendo em conta o facto de que as emissões de CO2 continuam a crescer e chegaram a níveis recordes em 2013, ultrapassando a concentração atmosférica de 400 ppm, os mesmos modelos projectam para o horizonte de 2100 um aquecimento médio de 4 a 6°C. Se considerarmos ainda que a população humana deverá chegar a 9 mil milhões de pessoas por volta de 2050, fazendo aumentar dramaticamente a pressão sobre os recursos naturais, os piores cenários podem ocorrer, face à ineficácia do combate ao aquecimento da parte da comunidade internacional.

O aquecimento da superfície favorecerá um aumento da evaporação dos oceanos, o que fará com que a atmosfera seja mais saturada de vapor d'água, aumentando cada vez mais o efeito de estufa, porque o vapor d'água é o gás estufa mais importante, sobretudo porque ele existe naturalmente em grande quantidade na nossa atmosfera. O problema é que a perturbação do clima de origem humana é amplificada pelas respostas naturais do próprio sistema, e esta perturbação inicial tem tendência a se auto-reforçar, realizando aquilo que se chama realimentação positiva. Por outro lado, os oceanos absorvem cerca de 90% do calor gerado pelo efeito estufa e ao se aquecerem expandem-se ocupando maior volume. O aquecimento global provoca, portanto, a subida dos mares principalmente por causa da expansão térmica das águas, que passam assim a ocupar maior volume. As primeiras estimativas para a expansão térmica mostravam que ela poderia contribuir em média em 0,4 (±0,1) mm de elevação anual (1961 a 2003). Todavia, cenários mais actualizados do IPCC para 2000 a 2020 duplicam este valor para 0,7 (±0,1) mm e que para o período 2020 a 2080 passe para 1,9 (±1,0) mm 1,9 (±1,0) mm ou 2,9 (±1,4) mm ou mesmo 3,8 (±1,3) mm.

Por outro lado, um aumento de temperatura do planeta correspondente ao pior cenário possível (4-5ºC) seria tanto mais catastrófico pois implicaria o desaparecimento de grande parte da camada ou calotes de gelo (polar e marinho), dos glaciares e icebergs assim como do permafrost, nome dado aos solos árticos permanentemente congelados, cobrindo cerca quinto da massa da terra, e que contem uma enorme reserva de carbono orgânico sob forma de metano armazenado durante milhões de anos. Em relação a este último ponto, um estudo realizado pela Universidade de Alaska Fairbanks (EUA), afirma que a brusca libertação deste gás, seria mais uma dor de cabeça a acrescentar ao complexo problema do Aquecimento Global.

Neste cenário pessimista estaríamos a falar de uma projecção futura de um aumento do nível das águas da ordem do metro ou vários metros. Segundo um relatório recente do IPCC (Painel Internacional para as Mudanças Climática), o nível médio da superfície do mar tem aumentado de 1,8 (±0,5) milímetros, que entre 1993 e 2003 o ritmo foi acentuando para 3,1 (±0,7) mm. Num cenário conservador, estimativas preveem um aumento do nível das águas até 59 cm, mas projeções mais atualizadas dão valores catastróficos oscilando entre os 80 e os 200 cm aproximadamente. No que concerne a Cabo Verde, um estudo preliminar levado a cabo na Universidade de Aveiro no quadro do projecto KSIDS (ver Nota), considerando simulações de clima futuro e para um cenário mediamente conservador, projectaram para Cabo Verde variações do nível do mar compreendidas entre 50 e 60 cm. Estes são os números do panorama climático futuro do planeta em cima da mesa dos decisores políticos planetários, nomeadamente os países mais ricos e industrializados, sobre cujas consequências irei debruçar-me nos próximos números.

José Fortes Lopes
(Professor no Grupo de Meteorologia, Climatologia e Oceanografia Física
Centro de Estudo do Ambiente e do Mar - Universidade de Aveiro)

Bibliografia Recomendada:

01 - Bindoff, N.L., J. Willebrand, V. Artale, A, Cazenave, J. Gregory, S. Gulev, K. Hanawa, C. Le Quéré, S. Levitus, Y. Nojiri, C.K. Shum, L.D. Talley and A. Unnikrishnan. "Observations: Oceanic Climate Change and Sea Level." In: Climate Change 2007: The Physical Science Basis. Contribution of Working Group I to the Fourth Assessment Report of the Intergovernmental Panel on Climate Change [Solomon, S., D. Qin, M. Manning, Z. Chen, M. Marquis, K.B. Averyt, M. Tignor and H.L. Miller (eds.)] (Cambridge, United Kingdom and New York, NY, USA: Cambridge University Press, 2007).
02 - Church, John A. and Neil J. White. "A 20th century acceleration in global sea-level rise." Geophysical Research Letters 33 (2006): 4pp.
03 - Church, J., S. Wilson, P. Woodworth, T. Aarup. "Understanding Sea Level Rise and Variability." Eos 88, No. 4 (2007): 43–44.
04 - IPCC. "Summary for Policymakers." In: Climate Change 2007: Impacts, Adaptation and Vulnerability. Contribution of Working Group II to the Fourth Assessment Report of the Intergovernmental Panel on Climate Change. M.L. Parry, O.F. Canziani, J.P. Palutikof, P.J. van der Linden and C.E. Hanson, Eds. (Cambridge, UK: Cambridge University Press, 2007): 7–22.
05 - NASA Earth Observatory. "Regional Patterns of Sea Level Change 1993-2007,"
06 - http://pt.wikipedia.org/wiki/Aquecimento_global
07 - http://www.theguardian.com/environment/earth-insight/2013/aug/05/7-facts-need-to-know-arctic-methane-time-bomb.
08 - http://www.ecodebate.com.br/2008/08/27/as-mudancas-climaticas-podem-liberar-enormes-estoques-de-gases-estufa-dos-solos-articos/
09 - http://en.wikipedia.org/wiki/Arctic_methane_release

Nota: O projecto KSIDS (2010-2013) foi financiado pelo IDRC - Centro Internacional de Investigação para o Desenvolvimento do Canadá e DFID - Departamento para o Desenvolvimento Internacional do Reino Unido (Programa CCAA - Adaptação às Alterações Climáticas em África). Envolveu o IDMEC - Instituto de Engenharia Mecânica do Instituto Superior Técnico de Lisboa, o CESAM - Centro de Estudos do Ambiente e do Mar da Universidade de Aveiro, e a participação de duas ONGs: Sol & Vento de Cabo Verde e MARAPA de São Tomé e Príncipe. O projecto teve como principal objectivo contribuir para a integração das questões relacionadas com a Adaptação às Alterações Climáticas no planeamento urbano a longo prazo, nos processos de tomada de decisão a nível urbano, no desenho urbano e no estilo de vida de duas comunidades urbanas Lusófonas de Pequenas Ilhas em Desenvolvimento (a Cidade do Mindelo em Cabo Verde e a Cidade de São Tomé em São Tomé e Príncipe). A ideia básica foi envolver a comunidade científica dos dois países insulares lusófonos as autarquias assim como a sociedade civil numa discussão aberta sobre as questões das mudanças climáticas globais e os seus impactos nestes arquipélagos assim como medidas mitigadoras. O projecto pretendia adoptar uma abordagem participativa e constituir uma plataforma para a partilha de conhecimentos sobre o impacto das Alterações Climáticas em Cabo Verde e São Tomé e Príncipe e sobre o papel que todos nós temos na Adaptação, Prevenção e Reacção face aos efeitos, por vezes catastróficos, das áleas do clima.

quarta-feira, 18 de setembro de 2013

[0566] Chuvas recentes em São Vicente

Fotos enviadas pelo nosso colaborador Zeca Soares, mostrando chuvadas de 6 de Setembro na nossa ilha de São Vicente. Tanta água perdida, tanto mar doce fugindo para o mar salgado, tanta riqueza que podia ser gerada com este oceano vindo dos céus. E foram apenas duas horas de chuva fraca e alguns aguaceiros dispersos. Ó gentes de São Vicente acordai e reclamai uma barragem, duas barragens, três barragens, que mereceis também... Acordai!

Foto Zeca Soares

Foto Zeca Soares

Foto Zeca Soares

Foto Zeca Soares

Foto Zeca Soares

Foto Zeca Soares

terça-feira, 17 de setembro de 2013

[0565] Ainda as forças expedicionárias a Cabo Verde

Junho.1941
Eles chegaram, viveram nas ilhas cerca de cinco anos (em termos de contingente, claro) e regressaram às terras de origem. Mas ficaram as marcas e as memórias desses homens que, em condições difíceis foram para o arquipélago para o defender de possíveis investidas nazis durante a II Guerra Mundial. Em Cabo Verde e nos jornais.

Fomos escavar no nosso arquivo e demos com várias notas sobre o assunto, das quais aqui oferecemos três significativas desses tempos e dessa saga aos "banhistas" da Praia de Bote... Uma do início, outra de tabaquinho necessário para ajudar a passar os dias (com Moçambique pelo meio) e do regresso desejado, à beira do Natal de 1945.

O "Mouzinho de Albuquerque". No excelente e completíssimo blogue "Luís Graça & camaradas da Guiné", diz-se que o barco está em S. Vicente. Poderemos estar enganados, mas pela configuração da paisagem pomos algumas dúvidas relativamente ao nome do porto. http://blogueforanadaevaotres.blogspot.pt/2006_12_10_archive.html

Março.1942

Dezembro.1945

segunda-feira, 16 de setembro de 2013

[0564] Teatro na velha Alfândega, actual Centro Cultural do Mindelo


[0563] Quem passa por Cabo Verde alguma vez esquece as ilhas?

Tal não aconteceu com antigos expedicionários a Cabo Verde (Batalhão de Infantaria 11, originário de Setúbal) em 26 de Junho de 1959, que lembraram o tempo passado no arquipélago, com notícia saída em primeira página, no "Diário de Lisboa". Para o almocinho, uma bela cachupada!... Como não podia deixar de ser...



sábado, 14 de setembro de 2013

[0562] Coisas de diazá

Notícias acabadas de guardar no nosso vasto e cada vez mais recheado arquivo mas partilhadas com os leitores do Praia de Bote. Tudo do "Diário de Lisboa" de 20 de Maio de 1959. Mais de meio século... Fragatas alemãs no Porto Grande, um concurso com três contos em jogo e dois irmãos aventureiros encravados pela PIDE.




quarta-feira, 11 de setembro de 2013

[0561] II Expomar Cabo Verde decorre entre 25 e 27 de Outubro no Mindelo e mantemos o Monte Cara, porque se adequa

Ver notícia sobre a II Expomar, AQUI.

Como o Monte Cara está "no mar", continua a ficar bem o post que temos vindo a expor com a pergunta mais abaixo respondida de "Quem é o autor do Monte Cara?"

A pergunta é de facto um bocado idiota, produzida assim a seco. Mas a molhado, com cuspo, em verso de estampilha postal, tem alguma razão de ser. Mais selos das ilhas há com esta personagem que zela pelos mindelenses desde que os que ainda não o eram (mas passaram a ser) começaram a levantar a sua cidade, lá por 1795. Porém, o exemplar abaixo divulgado agrada-nos sobremaneira, pelo ar vintage que apresenta, em sépia bem bonito. Dez tstom ou "deztom", imagem a partir de postais ilustrados conhecidos, uma beleza.

Alberto de Sousa é o autor. E a sua biografia pode ler-se AQUI , AQUI, em vários outros locais da Internet e em diversos livros e opúsculos de História da Arte. Foi portanto ele um dos que fizeram o Monte Cara... e está a resposta dada.
  
Aqui temos outros dois Monte Cara, desta vez sem autoria indicada nos selos.



quarta-feira, 4 de setembro de 2013

[0560] Matiota, tubarões em geral carinhosos, o tanquim, o trampolim e etc., memórias com Djô Martins e Zeca Soares (agradecimento ao Djô pelo "roubo" feito pelo Pd'B e ao Zeca pelo envio das fotos)

 Do fotolog de Djô Martins

Fotografia de autor desconhecido - Praia da Matiota 1934. Colecção Djô Martins

Esta praia, Matiota, que os ingleses chamavam de "Step", era o melhor local de banhos de mar de Mindelo.

Começou por ser frequentada pelos Ingleses que construíram a estrutura de saltos que se vê na imagem, tendo sido adoptada pelos Falcões que acabaram por lhe dar o nome de Praia dos Falcões.

Foram eles que, por quotização e trabalho próprio, construíram os primeiros vestiários para que os frequentadores da praia pudessem trocar de roupa. No local, faziam aulas de natação.

Mais tarde, quando se deu o acidente com um tubarão, que atacou e devorou um italiano da Italcable, o único acidente do género (ver AQUI), de que há registo em Cabo Verde, nesse local, também, foram eles que com ajuda da Western Telegraph (que forneceu os arames de aço) construíram a vedação para defender os banhistas de possíveis novos ataques.

Tanquim, Matiota

Foto de autor desconhecido - À esquerda (na imagem) do tanquim ficava o... trampolim ou em frente, se estivéssemos no tanquim virados para o mar

Texto e fotos de Zeca Soares

Com as obras de ampliação do parque de contentores do cais acostável do Porto Grande, e em consequência a remodelação da praia da Lajinha com a construção de um esporão, a população banhista da ilha de São Vicente, reclama a reposição do seu trampolim destruído há muito tempo durante a construção das obras dos Estaleiros Navais da Cabnav, na zona da Matiota.

Julgamos ser uma reivindicação mais que  justa, considerando ser residual esse custo em comparação com o todo da obra, por um lado e, por outro, irá devolver a Ilha a sua tradição de salto de trampolim. Quem sabe, se esse salto for em cadeia poderá afugentar outros "males"e com isso trazer de volta os tempos de gotd'manejom, agora com novas tecnologias de comunicação.    

Foto Zeca Soares

Foto Zeca Soares

Foto Zeca Soares

Foto Zeca Soares

terça-feira, 3 de setembro de 2013

[0559] Chove em São Vicente - Fotos de John Leão, enviadas para o Pd'B por Maria Helena Pinto Neto - Fotos de 1 de Setembro

Da Baía das Gatas para o Monte Verde - Foto John Leão

Baía das Gatas - Foto John Leão

Baía das Gatas - Foto John Leão

Baía das Gatas - Foto John Leão

Pedra Rolada - Foto John Leão

Praça Estrela - Foto John Leão