sábado, 29 de outubro de 2022

[7219] A barca "Sagres", eterna namorada do Mindelo

Foto Facebook da Armada portuguesa

[7218] 8.º e último artigo de Joaquim Saial sobre memórias da aviação em Cabo Verde, a sair no "Terra Nova" de Outubro


[7217] Fotos recentes de São Vicente - 13 (foto enviada por Alexandre Lima Oliveira) - Mindelo by night

[7216] Fotos recentes de São Vicente - 12 (foto João Estêvão) - A Torre de Belém, Museu do Mar

[7215] Fotos recentes de São Vicente - 11 (foto João Estêvão) - A Torre de Belém, Museu do Mar


[7214] Fotos recentes de São Vicente - 10 (foto João Estêvão) - uma incrível Praça Nova, agora quase parecida com um jardim botânico


[7213] Fotos recentes de São Vicente - 09 (foto João Estêvão) - vista da Praça Nova tirada do Café Prassa3, antiga garagem do Dr. Fonseca

[7212] Fotos recentes de São Vicente - 08 (foto João Estêvão)

[7211] Fotos recentes de São Vicente - 07 (foto João Estêvão) - antiga casa do senador Vera-Cruz


 

[7210] Fotos recentes de São Vicente - 06 (foto João Estêvão) - antiga casa do senador Vera-Cruz

[7209] Fotos recentes de São Vicente - 05 (foto João Estêvão) - antiga casa do senador Vera-Cruz

[7208] Fotos recentes de São Vicente - 04 (foto João Estêvão) - o novíssimo Centro Nacional de Artesanato

[7207] Fotos recentes de São Vicente - 03 (foto João Estêvão) - o novíssimo Centro Nacional de Artesanato

[7206] Fotos recentes de São Vicente - 02 (foto João Estêvão)


[7205] Fotos recentes de São Vicente - 01 (foto João Estêvão)


quinta-feira, 27 de outubro de 2022

[7204] Estreia hoje e Pd'B vai ver


Género: Documentário

Data de estreia: 27/10/2022

Título Original: Cesária Évora

Realizador: Ana Sofia Fonseca

Actores: Vários

Distribuidora: Alambique

País: Portugal

Ano: 2022

Duração (minutos): 94


Sinopse:

A “diva dos pés descalços”, a icónica Cesária Évora num documentário que mostra imagens nunca vistas e oferece uma visão nunca antes explorada sobre a vida da cantora cabo-verdiana que, apesar de não corresponder ao modelo normal de sucesso, foi capaz de superar todas as condições que normalmente a afastariam da ribalta. Esta é a história de uma mulher negra, africana, com mais de cinquenta anos e vinda de um contexto pobre, cujo único sonho era ser livre.

quarta-feira, 26 de outubro de 2022

[7203] Quando Azeredo Perdigão foi a Cabo Verde, em Janeiro de 1965. Eis o programa completo da visita

O autor deste blogue estava lá e assistiu à palestra no Liceu Gil Eanes, a 31 de Janeiro de 1965. A notícia não o diz, mas a palestra teve lugar na sala grande de música onde estava o piano de Ti Reis. Entrando-se pela porta principal, desembocava-se no pátio e a porta da sala era logo à direita.

segunda-feira, 24 de outubro de 2022

[7201] Discurso recente de Eugénio Inocêncio no Instituto de Ciências Económicas e Empresariais

Eugénio Inocêncio

OS IMPACTOS DA GUERRA RÚSSIA-UCRÂNIA NA ECONOMIA GLOBAL

O Após Pandemia e Guerra na Ucrânia e os efeitos para Cabo Verde, em termos de política económica,

Por Eugénio Inocêncio


Exmo. Senhor Presidente da República

Exmo. Senhor Presidente do Instituto Superior de Ciências Económicas e Empresariais

Caras e caros palestrantes

Caras e caros participantes

Minhas Senhoras e Meus Senhores

Muito obrigado ao Instituto Superior de Ciências Económicas e Empresariais pelo amável convite que me foi feito para dar a minha opinião sobre «O após pandemia e guerra na Ucrânia e os efeitos para Cabo Verde, em termos de política económica». 

E sobretudo, caro Presidente do Instituto, muito obrigado por esta iniciativa, que junta tantas pessoas que escolheram o pensar Cabo Verde, como parte relevante da sua vida.

A pandemia e a nova guerra na Europa, em conjunto, estão a configurar-se como um acelerador da história. Com o estreitamento das diferenças entre o curto, o médio e o longo prazos. E entre o simultâneo e o sucessivo. 

Este novo acelerador implica, necessariamente, o aumento dos riscos e os desafios para Cabo Verde, mas, sobretudo quanto a mim, das oportunidades para o nosso país. 

Em jeito de antecipação de conclusão, permitam-me dizer que Cabo Verde nunca teve ao seu alcance tantas oportunidades, para se fazer um país desenvolvido, graças a este novo acelerador da história.

Dos riscos não vou falar. É tema que pertence a um outro encontro, que espero venha a acontecer, sobre as questões de defesa e segurança suscitadas pela atual situação que se vive no planeta.


Os desafios estão intimamente associados às oportunidades, de tal forma que quem ou, melhor, os países que não conseguem identificar e enfrentar com sucesso os desafios não conseguem tirar partido das oportunidades.

É relativamente fácil identificar os aceleradores na história da humanidade. Geralmente, no passado mais distante, estes aceleradores distavam períodos de tempo suficientemente longos, que permitiam a sua absorção, bem como a acumulação dos fatores que ditam a eclosão dos factos e conclusões que desencadeiam ou estimulam um novo acelerador.

Na nossa época e anterior a este acelerador em curso, há a considerar dois outros aceleradores: um no conjunto Grande Depressão, de 1929, e II Guerra Mundial, e outro, a Queda do Muro de Berlim.

Como justificar esta afirmação de que Cabo Verde dispõe de enormes oportunidades, com este acelerador, para se tornar um país desenvolvido?

Uma vez mais a vossa generosidade e aceitem a não justificação analítica desta conclusão.

Aceitem a minha conclusão como fruto da experiência de quem tem estado a «espreitar» ao longo de muitas décadas o mundo das oportunidades eventualmente direcionáveis para Cabo Verde e que nestes quase três anos de pandemia, recentemente associada à guerra na Europa, recolheu informações, disponibilidades e indicadores que o fazem acreditar nesta conclusão:

Cabo Verde dispõe atualmente das oportunidades para se fazer um país desenvolvido.

Aceitem como indicador relevante a assinatura, no passado dia 30 de setembro, de um protocolo, pelo Governo e uma instituição internacional, para a operacionalização da Plataforma Internacional de Saúde em Cabo Verde.

De uma nova Plataforma, além da já em curso, que eu designo de Plataforma Internacional de Lazer e de Eventos, e que integra o Turismo.

Cabo Verde tem todas as condições para se transformar num país-plataforma e, assim, tornar-se um país desenvolvido que não necessitará da ajuda internacional para sobreviver. Antes pelo contrário, poderá disponibilizar-se para ajudar outros países que ainda estejam na triste situação em que ainda se encontra, hoje, Cabo Verde.

Mas, e agora a grande pergunta, «como» faze-lo? 

Esta a grande questão: como fazer para se transformar num país desenvolvido, enquanto país-plataforma.

Que matriz de novas políticas sociais, institucionais e económicas adotar?

O Acelerador da História Grande Depressão, de 1929, e II Guerra Mundial 

A título comparativo e para ressaltar o papel da política económica (e das políticas sociais e institucionais), vejamos o enquadramento do acelerador Grande Depressão, de 1929, e segunda Guerra Mundial, para tentar responder ao «como».

Vou-me servir de um grande pensador da economia de mercado, ou seja, da nossa economia, John Maynard Keynes, para extrair os ensinamentos vertíveis para os desafios que Cabo Verde tem que enfrentar para ser um ganhador deste momento que o planeta atravessa, ou seja, para que se transforme num país desenvolvido.

John Keynes rompeu com o pensamento dominante na teoria económica da sua época e traçou um novo paradigma que garantiu a extraordinária expansão da economia mundial, a seguir à segunda guerra mundial, a aceleração da globalização, a grande revolução tecnológica que vivemos e a sua absorção em todos os aspetos da vida individual e coletiva, com destaque para a economia, a mobilidade e a comunicação, bem como o aparecimento de um novo conjunto de países desenvolvidos, especialmente na Ásia, infelizmente, com a exclusão dos países africanos.

John Keynes contrariou a ideia central dos clássicos do pensamento económico, segundo os quais a economia de mercado seria, pela sua natureza, autorregulada.

No seu livro A Teoria Geral do Emprego, dos Juros e da Moeda, editado em 1936, John Keynes rebate a tese central da autorregulação da teoria liberal da economia de mercado, nomeadamente da chamada lei de Say, segundo a qual «a economia de mercado garante, automaticamente,  a não escassez de poder de compra,   quer porque  o processo de produção capitalista é o processo de geração de rendimentos (salários, lucros, juros, etc.), capazes, por si só, de criar o financiamento  da procura, quer porque pela via dos mecanismos  automáticos dos mercados livres, os movimentos corretivos e espontâneos  de salários,  preços e juros garantiriam que os níveis de procura não ficassem permanentemente aquém dos níveis de produção de pleno emprego».

John Keynes demonstrou que a visão da Lei de Say não correspondia à economia de mercado e de forma «Geral», como sublinha o título da Teoria Geral, isto é, no hoje, no amanhã e no sempre do funcionamento da economia de mercado, e em qualquer país, incluindo em Cabo Verde e na economia global, isto é, no «Geral».

Em consequência, Keynes defende a necessidade de uma ação decisiva, reguladora e preventiva do Estado, o que, como sabemos só viria a ser adotado a seguir à II Guerra Mundial, em Bretton Woods.

As economias mais desenvolvidas antes da II Guerra Mundial encontravam-se numa situação catastrófica, com as minimalistas políticas económicas e sociais em profunda contradição (letal) com a natureza e as necessidades do funcionamento da economia de mercado.

Alguns dados ilustrativos da situação das economias dos países desenvolvidos nesse período:

Na década de 20, a economia inglesa atravessa sucessivas crises que culminam na grande Depressão. 

Em 1932, por exemplo, o desemprego atinge níveis impressionantes, com a quase total ausência de políticas sociais atenuadoras dos malefícios a ele ligados.

A produção industrial norte-americana correspondia, em 1932, a 58% da produção industrial de 1913, ou seja de imediatamente antes da I Guerra Mundial.

A produção industrial alemã, a 65% da produção industrial de 1913.

E sublinhe-se que o sector industrial era o dominante na altura.

A crise económica e social irá determinar a eclosão de movimentos populistas, fascistas, racistas e expansionistas, em termos territoriais, que assumirão o poder em diversos países europeus, incluindo pela via eleitoral, como foram os casos da Alemanha e de Itália.

Se as ideias de John Keynes tivessem sido adotadas em 1936, apesar do tardio, talvez tivesse sido possível evitar a guerra. 

As ideias de John Keynes serão adotadas pelos países mais desenvolvidos e passaram a nortear a análise da economia de mercado, a reconstrução das economias destruídas pela Segunda Guerra Mundial, o reforço da globalização e a criação de um clima ímpar para a inovação e a absorção da tecnologia na economia, tanto na indústria, quanto na agricultura e nos serviços, tornando-se estes últimos, isto é, os serviços, o sector-chave das economias, tanto do ponto de vista quantitativo quanto do ponto de vista qualitativo.

A influência do pensamento prévio na definição dos caminhos que a humanidade tende a seguir tem um ponto alto na relação entre a análise do processo económico de John Keynes e os acontecimentos económicos que marcam estes últimos cerca de oitenta anos da vida coletiva da nossa espécie. 

Com destaque na atualidade para o digital, a automação e a robótica, a biotecnologia, a mobilidade, a comunicação, a conquista do espaço e o Estado Social. 

Trago até vós as ideias-chave do pensamento de John M. Keynes com impacto no questionamento do processo atual de funcionamento das economias de mercado, incluindo a economia de Cabo Verde, ou, lato senso, da economia de mercado, como um todo, com a globalização.

Apresento uma pequena lista dos conceitos fundamentais do pensamento de John Keynes:

1. A eficiência marginal do capital 

2. A procura agregada. 

Permitam-me um parêntesis sobre este segundo conceito, o da procura agregada, e sublinho a importância de considerarmos a separação entre a procura agregada global, por um lado, e a nacional ou regional, por outro. 

Entendo que o tratamento em separado, apesar de intimamente ligados, da procura agregada global e da procura agregada regional ou nacional, por outro lado, é fundamental para a definição de políticas de desenvolvimento específicas para cada país africano, logo, para Cabo Verde.

Esta separação na análise permitirá, entre outros, sublinhar o papel fundamental do investimento feito pelos empresários nacionais, logo, da necessidade de programas de patriotismo económico em cada um e em todos os países africanos, incluindo em Cabo Verde. 

3. O papel central da taxa de juro, no funcionamento da economia de mercado.

4. A noção de propensão: de consumo, de poupança, de investimento.

Não irei maçar-vos com uma análise detalhada da economia cabo-verdiana com base nestes conceitos, nem com a análise dos erros, acertos e omissões da política económica em Cabo Verde, bem entendido, de acordo com o pensamento de John Keynes.

Apenas irei analisar a resposta ou ausência dela da política económica relativa à procura agregada em Cabo Verde, induzida pelo turismo, bem como, o papel da taxa de juro na eficiência marginal do capital, isto é, na variável que leva o investidor a decidir se investe ou não numa determinada economia, no caso, em Cabo Verde.

Segundo John Keynes é a procura agregada que define o nível de funcionamento da economia de mercado. Ou seja, quanto maior a procura agregada, maior o nível de atividade da economia de um determinado país, no caso, de Cabo Verde. 

Para utilizarmos uma variável bastante usada no nosso país, quanto maior a procura agregada, maior o PIB, ou seja, maior a taxa de crescimento do PIB.

A procura agregada é a soma da procura para o consumo e da procura para o investimento.

Começando do fim para o princípio, a procura agregada induzida pelo turismo é a soma dos consumos dos turistas e dos trabalhadores ligados ao setor, por um lado, e da procura ligada aos investimentos que permitem a prática do turismo (construção dos hotéis, etc.).

Como disse atrás, John Keynes não analisou a repartição da procura agregada entre a procura agregada global e a procura agregada de cada país, nomeadamente a dos países não desenvolvidos, como Cabo Verde, em confronto com a dos países desenvolvidos. O que era expectável, na época.

Em consequência e segundo o pensamento de John Keynes, a política económica tem um papel fundamental neste domínio nos países como Cabo Verde, nomeadamente na repartição da procura agregada, entre a que poderá fazer parte da procura agregada nacional e a que fará parte da procura agregada de países desenvolvidos a atuar no mercado cabo-verdiano. Tanto dos investimentos, quanto dos consumos, induzidos pelo turismo.

Da análise da política económica seguida em Cabo Verde, é fácil concluir que, no nosso país, não existe política económica que siga o pensamento de John Keynes.

Quer na procura induzida pelos investimentos, quer na procura induzida pelos consumos.

A título de exemplo, e cingindo-me ao turismo, a procura pelos operadores turísticos de produtos frescos da agricultura, satisfeita pela oferta da agricultura cabo-verdiana, é de apenas cinco por cento, num volume de negócio da ordem dos cem milhões de euros. Valor já com um nível suficiente para garantir a modernização da agricultura cabo-verdiana e significativa redução da pobreza, do êxodo rural e da emigração.

Quanto à Eficiência Marginal do Capital em Cabo Verde, irei analisar, ilustrando com um exemplo, este conceito decisivo no funcionamento não autorregulado da economia de mercado.

A Eficiência Marginal do Capital, segundo John Keynes, é a relação (dada pelo quociente) entre o fluxo dos rendimentos ou lucros futuros que o investidor acredita obter da venda dos produtos ou serviços do seu empreendimento (numerador) e o custo do bem de capital (denominador), entendido este como o custo previsto (ou seja, futuro) da encomenda de uma unidade idêntica às existentes no momento, custo também designado de reposição.

John Keynes mostrou que a Eficiência Marginal do Capital tende a diminuir, à medida que os investimentos para a produção de um determinado bem ou serviço aumentam, quer porque o lucro ou rendimento esperado terá a tendência para diminuir à medida que aumenta a oferta desse tipo de bem ou serviço, quer porque o preço dos bens de capital em causa (denominador) tenderá a aumentar com o aumento da sua procura pelos investidores.

Saltando considerações que não fazem sentido neste encontro, com a diminuição continuada da Eficiência Marginal do Capital num determinado tipo de investimento, este tende a diminuir, parando quando a relação, dada pela taxa determinada, for igual à taxa de juro dominante no mercado.

Isto é, não haverá mais investimentos quando a EMC for inferior à taxa de juro de mercado.

O que deve colocar a variável taxa de juro no centro de um conjunto articulado de medidas de política económica, supondo o seguimento do pensamento de John Keynes, o que se torna evidente não ser o caso do Estado cabo-verdiano.

Ora, segundo John Keynes, o Estado é fundamental para o funcionamento da economia de mercado, especialmente para corrigir a tendência para a queda da Eficiência Marginal do Capital, através das intervenções na economia a que se dá o nome de Políticas Económicas.

Claro, desde que os poderes do Estado concordem com as teses do pensamento de John Keynes e as adotem na definição das suas políticas económicas.

Ou seja, pelo que disse mais acima em relação ao outro conceito central do pensamento de John Keynes, isto é, da procura agregada ser o motor da atividade económica, e o que acabei de dizer em relação à EMC, concluo que as autoridades do Estado cabo-verdiano não são seguidoras do pensamento de John Keynes. 

Isto é, seguem outro pensamento na definição das políticas económicas do Estado, o que é criticável, para quem segue o pensamento de John Keynes nesta matéria, mas, que é obviamente legítimo, na medida em que Cabo Verde é um país independente e soberano. 

É claro que este pensamento alternativo é minoritário no mundo globalizado, o que implica riscos especiais para Cabo Verde.

Caras e caros,

Permitam-me interromper esta análise teórica e fazer um parêntesis acerca de uma matéria que, no momento, preocupa enormemente os empresários cabo-verdianos, em especial do setor do turismo e do setor dos transportes terrestres. 

Refiro-me ao fenómeno da emigração por encomenda, matéria que está intimamente ligada ao assunto que estou a abordar.

Emigração que faz parte da questão demográfica que, penso ser o maior desafio de Cabo Verde, se quiser tornar-se um país desenvolvido.

A emigração por encomenda de certo tipo de profissionais, atualmente, parece ameaçar um importante conjunto de setores da atividade económica em Cabo Verde.

Este fenómeno de emigração por encomenda resulta da convergência na Europa de diversas condicionantes, intensificadas pela aceleração da história.

A convergência entre o generalizado envelhecimento da população em todos os países europeus, a mobilidade de trabalhadores, sem restrições, na Europa, as diferenças substanciais entre os salários mínimos e entre os salários médios, nos diferentes países europeus, estas condicionantes, intensificaram este tipo de emigração.

Prevejo que a seguir a estes dois sectores, o turismo e os transportes terrestres, outros sectores de atividade em Cabo Verde, com níveis salariais mais elevados, irão ser igualmente alvo deste tipo de emigração.

Este fenómeno é um sinal do aprofundamento da globalização. 

A resposta positiva massiva por parte da nossa juventude a este novo episódio de emigração por encomenda é um indicador preocupante de como uma parte da nossa população vê e sente Cabo Verde, em termos de expectativa (baixa) e de confiança, igualmente baixa. 

Entre parêntesis, de notar que Cabo Verde tem sido ciclicamente alvo deste tipo de emigração.

Fazendo o apelo à história, avanço alguns exemplos:

1. Na década de 60 do século passado, emigração por encomenda e repentina de marítimos sem qualificação, para a Holanda.

2. Nos inícios da década de 70 do mesmo século, de emigrantes para a construção civil em Portugal, a chamada emigração «J. Pimenta», que viria a terminar com o 25 de abril de 1974.

3. Emigração por encomenda de marinheiros para a captura da baleia nos Estados Unidos da América.

4. Emigração por encomenda para São Tomé e Príncipe.

5. Internamente, movimentos de migração súbita, também por encomenda, para o começo da criação da cidade do Mindelo, em São Vicente, na década de 30 do século XIX, provenientes essencialmente de Santo Antão, São Nicolau e Santiago. 

6. Migração por encomenda e combinada com a espontânea das ilhas agrícolas para o Sal e a Boavista, para dar resposta à procura de mão-de-obra induzida pelo turismo.

7. De notar que todos os fenômenos de emigração ou de migração por encomenda do passado, provavelmente, tiveram os mesmos efeitos nas ilhas agrícolas emissoras. À semelhança do que está a ocorrer atualmente, com a emigração por encomenda, dirigida aos trabalhadores das ilhas do Sal, da Boavista, do Maio, de São Vicente e da cidade da Praia, em Santiago.

Caras amigas, caros amigos,

A questão demográfica é um grande desafio para o desenvolvimento de Cabo Verde, e em grande medida, é um desafio que faz parte da história de Cabo Verde, desde os seus primórdios.

A demografia cabo-verdiana é própria de um pequeno país subdesenvolvido, arquipelágico, sujeito a secas periódicas, relativamente distante de centros económicos polarizadores. 

Com permanente excedente de residentes, subemprego, desemprego crónico, e emprego precário e baixos salários. E com equilíbrios muito frágeis, que se rompem facilmente.

Contudo, e contraditoriamente, Cabo Verde é um país pouco povoado, a partir do momento em que se pensa o desenvolvimento ou, mesmo, em súbita necessidade de «muita mão-de-obra». 

Necessariamente a precisar, sempre e em qualquer caso e momento, de um substancial reforço de residentes se se quiser fazer o desenvolvimento do arquipélago.

Em jeito de conclusão, com a mobilidade praticamente sem restrições entre Cabo Verde e a Europa, o fenómeno da emigração por encomenda de Cabo Verde para a Europa, especialmente para Portugal, irá continuar, com consequências imprevisíveis para a economia e estabilidade do país. 

Assim sendo, fica a pergunta: não há solução para os riscos que este fenómeno arrasta para Cabo Verde?

Acredito que há solução e a ela voltaremos.

Uma vez mais, a vossa compreensão para o regresso a John Keynes e às políticas económicas em Cabo Verde.

O Nível das Taxas de Juro em Cabo Verde e a EMC

Voltarei agora à questão do nível das taxas de juro e a Eficiência Marginal do Capital.

Os sucessivos governos em Cabo Verde, incluindo o atual, têm feito uma grande aposta na infraestruturação do país, o que se compreende e, em princípio, é de enaltecer.

Contudo, a intervenção do Estado na economia não deve ser guiada apenas pelo voluntarismo de ver as nossas gentes, em todas as ilhas, deixarem de estar isoladas, ou pelo acreditar que fazendo as infraestruturas a que habitualmente estão associadas o desenvolvimento, o que falta «acontecerá».

Segundo John Keynes, as coisas não acontecem dessa forma tão simples.

Ou seja, sem um programa coerente de políticas económicas que, num país por desenvolver, devem constituir um sistema coerente de políticas de fomento empresarial, com o voluntarismo, o que falta «não acontecerá».

Isto é, um robusto programa de infraestruturas, por si só, ou acompanhado de um incipiente programa de fomento empresarial, que é o que acontece atualmente em Cabo Verde, não é suficiente para desencadear o desenvolvimento do país e, curiosamente, pode pôr em causa o processo de desenvolvimento.

O que explica John Keynes.

Vejamos como essa contradição entre o que se pretende e o que acontece se concretiza, segundo John Keynes. Socorrendo-nos do conceito de Eficiência Marginal do Capital e da sua relação com as taxas de juro.

Recordemos que segundo John Keynes, a EMC tende necessariamente a cair e que a taxa de juro é o limite a partir do qual o investimento em bens de capital deixa de acontecer.

Ora, o que acontece com os programas voluntariosos de infraestruturação, evidentemente com um substancial endividamento público e consequente aumento das taxas de juro?

Olhando para o caso de Cabo Verde, mesmo antes da pandemia e da guerra na Europa, o risco-país aumenta e as taxas de juro crescem para valores que se comportam negativamente com a inevitável queda da EMC.

E, em consequência, o país corre o risco de chegar ao ponto em que os novos empreendimentos não acontecem em quantidade e velocidade suficientes para pagar o serviço da dívida contraída para a construção das infraestruturas ou, sequer, para garantir a sua manutenção.

Pergunto, e se o país não tiver as condições ou oportunidades para gerar a riqueza, através de novos empreendimentos, para repor os equilíbrios que a economia de mercado exige?

A resposta é simples e óbvia: torna-se um país inviável, à espera de um tempo de mudança, sem calendário definido. Eternamente dependente da ajuda externa.

Como introduzir o otimismo no processo?

Felizmente, pela via do atual acelerador da história, Cabo Verde, como afirmei no início desta apresentação, tem à sua disposição «oportunidades como nunca teve».

Oportunidades para se transformar num «país-plataforma».

Do meu ponto de vista, e com toda a humildade, se Cabo Verde decidir seguir o pensamento de John Keynes.

E quanto a mim, é a única forma de, entre outros, dar resposta ao desafio demográfico que estamos a enfrentar.

Com novas políticas económicas, com novos instrumentos, com vontade férrea de inovar e de fazer diferente.

Exemplificando:


A. Cabo Verde, país-plataforma:

Algumas Plataformas que importa clarificar e partilhar:

1. Plataforma de Segurança e Mediação Regional. 

2. Plataforma Internacional de Lazer e de Eventos, que começou pelo Turismo e que está a dar os primeiros passos, na ilha do Sal, para os casinos e o golfe. Integrados nesta plataforma, estão igualmente a despontar, em várias ilhas, a pesca desportiva, os desportos náuticos e a navegação internacional de lazer. 

3. Plataforma Internacional de Saúde. 

4. Plataforma Internacional de Ensino e de Formação Profissional. 

5. Plataforma industrial de assemblagem de equipamentos de alto valor e a sua manutenção. 

6. Plataforma comercial.

7. Plataformas diversas, de cariz eminentemente económico.

8. Plataforma digital.

De assinalar que, começado o processo, diversos novos segmentos serão «descobertos» e interligados às plataformas em funcionamento.

Sobre a Plataforma da Segurança e Mediação Regional, ela remete para o papel geoestratégico de Cabo Verde na nossa região e para a delicadeza e inteligência da sua definição e prática. Em grande medida, a sua configuração determinará a qualidade e profundidade de Cabo Verde enquanto país-plataforma.

Relativamente à Plataforma Internacional de Saúde, lembro que está um trabalho em curso, liderado por uma equipa multidisciplinar, há cerca de quatro anos e que no passado dia 30 de setembro foi assinado pelo Governo um protocolo de parceria com uma instituição internacional, para o começo da construção desta plataforma.

São os seguintes os subsectores que integram a Plataforma Internacional de Saúde: 

i. A Saúde para o Turista;

ii. O Turismo de Saúde;

iii. A Assemblagem de Equipamentos de Saúde e sua Manutenção;

iv. A Produção de Medicamentos e de Vacinas;

v. A criação de um Centro de Certificação de Medicamentos e de Procedimentos Médicos em Cabo Verde. 

Na definição desta configuração da Plataforma Internacional de Saúde estiveram envolvidas a Organização Mundial da Saúde e a África Healhcare Federation.

Ainda no que respeita à Plataforma Internacional de Saúde, é fundamental que a indispensável alteração da legislação da saúde em Cabo Verde seja um momento especial de viragem. 

Que a nova legislação seja transformada numa vantagem competitiva para Cabo Verde. A OMS e África Healthcare Federation já se disponibilizaram para apoiar tão importante momento da construção da Plataforma Internacional de Saúde em Cabo Verde.


B. O Banco de Fomento

A construção de um país-plataforma exige um enorme esforço de financiamento, como nunca aconteceu em Cabo Verde. Financiamento de micro, médios e grandes empreendimentos, em todos os sectores de atividade.

Nos sectores tradicionais da nossa economia, nos novos sectores hoje existentes, nas start ups que a nossa juventude começa hoje a criar, nas diversas plataformas a construir.

Tenho afirmado, em várias circunstâncias, que a nossa banca comercial é digna de elogios pelo trabalho que tem desenvolvido, quer em termos físicos de cobertura do território, quer em termos da qualidade e modernidade dos serviços que presta.

Contudo, não é o instrumento de financiamento de que o país-plataforma necessita.

Não vos vou maçar com os detalhes que já tive ocasião de referir em outros momentos, por isso limito-me a dizer uma vez mais, Cabo Verde país-plataforma necessita, o mais rapidamente possível, de um banco de fomento que financie, financie e financie a economia, que é de mercado.

Que, inclusive, possa servir, pela sua ação, como catalisador da reforma e modernização do conjunto do nosso sistema financeiro.

O banco de fomento deverá financiar a economia cabo-verdiana individualmente ou em consórcio com os bancos comerciais nacionais, com instituições financeiras internacionais, quer as que hoje se relacionam com Cabo Verde, quer com outras. 

O banco de fomento que poderá ter como acionistas também instituições financeiras internacionais, nomeadamente as que hoje mantêm relações privilegiadas com Cabo Verde. 


C. A Questão Demográfica

A questão demográfica é um dos grandes desafios que Cabo Verde tem que ser capaz de ultrapassar, enquanto condição para o desenvolvimento.

A demografia cabo-verdiana, neste momento, caracteriza-se por:

1. Preocupante diminuição da população residente, com a simultânea diminuição da população feminina residente. 

2. Um desordenado movimento de concentração de pessoas em duas ilhas e nos principais centros urbanos, com a desertificação humana nas restantes ilhas e no interior das ilhas agrícolas.

Face a estas características e ao que atrás disse sobre o surto de emigração por encomenda a que Cabo Verde está neste momento sujeito, é oportuno fazer a seguinte pergunta: Cabo Verde responde ao desafio da «dimensão mínima ótima», do ponto de vista da população que ocupa o território? 

Por outro lado, os eventuais desequilíbrios na ocupação do território estão contidos em limites que não põem em causa os equilíbrios de funcionamento das estratégias de desenvolvimento do país, no caso da construção articulada das plataformas internacionais?

A resposta a estas duas questões centrais na perspetiva demográfica atualmente em Cabo Verde é negativa e preocupante. 

A solução, quanto a mim, é óbvia: 

É preciso fazer crescer a população residente em Cabo Verde, rapidamente e em articulação com uma clara estratégia de desenvolvimento do país.

Tive ocasião de fazer esta proposta na reunião do Conselho de Concertação Social, no passado mês de setembro:

É urgente promover o crescimento da população residente em Cabo Verde, dos atuais menos de 500 mil pessoas, para 1 milhão de pessoas, no prazo de 20 anos, ou seja até 2042.

Com o recurso a dois programas, a serem trabalhados em concertação nacional:

1. Um programa de regresso organizado de cidadãos e cidadãs da Diáspora cabo-verdiana. Com a criação de programas de identificação de projetos empresariais em sectores eleitos como prioritários e mobilização de promotores e de quadros disponíveis para a sua implementação. 

2. Um programa de imigração, baseado, por exemplo, no programa de imigração do Luxemburgo

Caras e caros,

Uma nota final sobre a emigração por encomenda e o desenvolvimento.

O começo da construção de uma estratégia de desenvolvimento do país, que será, quanto a mim, a aposta de um Cabo Verde país-plataforma, acompanhado do programa de 1 milhão de residentes, terá o efeito de travagem de outras futuras respostas massivamente entusiásticas a iniciativas de emigração por encomenda, por duas razões.

Porque a partir do início da construção do processo de desenvolvimento do país, os salários reais irão crescer substancialmente, as oportunidades para todos irão acontecer e o nível da expetativa e da confiança dos cidadãos e cidadãs em Cabo Verde, nomeadamente da juventude, irá igualmente crescer.

E porque a emigração é um grande sacrifício psicológico e espiritual, pessoal e familiar, e, de forma geral, as pessoas só a ela recorrem, quando não têm alternativa ou não acreditam no caminho seguido. Só quem não passou pela experiência da emigração, não sabe o doloroso que é a decisão e a sua execução. 


D. A governança partilhada 

Caras e caros,

Na referida reunião do Conselho de Concertação Social, do mês de setembro, tive ocasião de propor ao Senhor Primeiro-Ministro o substancial aumento da Governança Partilhada em Cabo Verde. 

Na altura, disse que é preciso envolver o todo nacional, aumentar a confiança e definir um rumo plausível e visível para o conjunto dos cabo-verdianos e das cabo-verdianas, especialmente para os jovens.

Criar uma expectativa positiva em cada um de nós, empresários, trabalhadores, pessoas da cultura, jovens e menos jovens, homens e mulheres.

Nomeadamente, 

Concluir o ciclo das eleições dos órgãos de poder do Estado, com a eleição dos órgãos inframunicipais, bem como das regiões. Ciclo iniciado e interrompido há cerca de 30 anos.

Reforçar do ponto de vista institucional o Conselho de Concertação Social e fazer a instalação das outras instituições de participação da sociedade civil previstas na Constituição da República, com um atraso de cerca de trinta anos, designadamente o Conselho Económico, Social e Ambiental, o Conselho das Comunidades e o Conselho para o Desenvolvimento Regional.

A título de exemplo desta premência de reforço da governança partilhada, nomeadamente na perspetiva do programa de envolvimento da Diáspora na construção de um país-plataforma, dificilmente se conseguirá conquistar a plena confiança da Diáspora cabo-verdiana, enquanto não se definir um cronograma de criação e instalação do Conselho das Comunidades.

E este propósito de reforço da governança partilhada deve ser entendido e enquadrado por um programa partilhado de aprofundamento da democracia em Cabo Verde.


E. De novo, John Keynes

Caras e caros,

Para terminar, permitam-me regressar de novo a John Keynes.

Em primeiro lugar, com uma breve referência, em termos de política económica, à poupança.

Por uma razão muito simples, porque tudo começa na poupança. Sem poupança não há investimento. Quer a poupança interna, quer o acesso inteligente à poupança externa.

Cuidar da poupança interna é, sobretudo, ter em conta que o ato de aplicar a poupança pelos cidadãos e empresas significa renunciar à liquidez o que supõe confiança e existência de produtos disponíveis e fiáveis no mercado. O que implica a necessidade do reforço da formalização da economia e o reforço do papel e visibilidade da nossa Bolsa de Valores.

Por outro lado, ter acesso à poupança externa, em processo de desenvolvimento, supõe, igualmente, um espírito de partilha entre o Estado, no sentido do Governo, e as instituições públicas e privadas, nomeadamente a Bolsa de Valores.

Ainda sobre John Keynes e sobre a contradição identificada pela via da Eficiência Marginal do Capital, entre as ações de investimento público, nomeadamente nos investimentos em infraestruturas e o aumento das taxas de juro, permitam-me, no tocante às políticas económicas, propor que se estabeleça a obrigação legal de calcular e tornar público a eficiência marginal de qualquer investimento em infraestruturas em Cabo Verde.

E que se construa obrigatoriamente uma estrela de atividade empresarial, em relação a qualquer projeto de infraestrutura, cujo centro seja o referido investimento na ou nas infraestruturas e as pontas da estrela sejam os empreendimentos já existentes e os projetos de fomento empresarial nas regiões circundantes. 

E que seja feito o confronto entre a eficiência marginal do investimento na ou nas infraestruturas, porventura negativa (relação entre a EMC e as taxas de juro), e a soma das eficiências marginais da aplicação de capital nos empreendimentos das pontas da estrela. 

Caras e caros, finalmente a conclusão da já extensa comunicação. As minhas sinceras desculpas pelo fato.

F. Uma visita à história de Cabo Verde

Permitam-me despedir desta magna assembleia trazendo até vós um pedaço da nossa história, do século XVIII, apenas para ilustrar o fato de Cabo Verde ser um país situado numa encruzilhada geográfica que teimará sempre em ditar a sua história, incluída a história presente e atual.

Em 1724, a ilha de Santo Antão foi arrendada pelo seu donatário a mercadores ingleses, por um período de 27 anos.

A Coroa portuguesa viria a denunciar o contrato assinado entre o donatário e os referidos mercadores por temer a ocupação da ilha, bem como da ilha vizinha de São Vicente, ainda não povoada, pelos ingleses.

Segundo relato do Cónego Figueira, que fez escala em Santo Antão, vindo de Lisboa, o mesmo fora informado pelo Capitão-Mor e Feitor português Manuel Loureiro Henriques de que, e cito, «os ingleses estavam com pretensão de fabricarem roupa de algodão de todo o género para na Costa da Guiné comprarem todos escravos que possível fosse para com melhor modo fabricarem muito açúcar, anil, panos de algodão e criarem todo o género de gado...»

E continuava, «o próprio feitor português tinha embarcado, por ordem do Marquês da Gouveia, donatário da ilha, 51 escravos e todas as peles de cabra, num navio inglês, com destino a Jamaica. Eram 100 os escravos, mas, os restantes conseguiram fugir.»

Fim de citação, e como sabem, de fato os ingleses foram expulsos, evitando-se a construção de uma possessão inglesa em Santo Antão e São Vicente. E, como seguramente igualmente sabem, a ilha de São Vicente só viria a ser massivamente povoada um século depois, por altura de 1836, com a construção da cidade do Mindelo, para servir de plataforma de serviços internacionais, curiosamente com o financiamento do Governador Honório Barreto, da Guiné-Bissau e uma parceria entre Lisboa e Londres.

E é o fim da minha apresentação.

Muito obrigado

[7200] Jovens de Leiria e Ourém (Portugal) ajudam a reconstruir casas em Santo Antão

Ver AQUI

Foto DR, "Jornal de Leiria" online


[7199] Germano Almeida, mais uma homenagem, em 2023. Desta feita, pela "Escritaria", festival literário de Penafiel (Portugal)

Ver AQUI

Foto Joaquim Saial


quarta-feira, 19 de outubro de 2022

[7198] Texto publicado em "A Nação" n.º 786 de 22.9.2022 e agora republicado no Pd'B, a pedido do autor

No centenário de Aguinaldo Fonseca, o Poeta da Africanidade

S. Vicente, 22 de Setembro de 1922 -  Lisboa, 25 de Janeiro de 2014


Por Jorge Morbey*

Aguinaldo Brito Fonseca, poeta cabo-verdiano da geração do “Suplemento Cultural”, com Gabriel Mariano, Ovídio Martins, Onésimo Silveira, Carlos Alberto Monteiro Leite,  faleceu na madrugada de sábado, 25 de Janeiro de 2014, em Lisboa. Tinha 92 anos e estava radicado em Portugal desde 1945. 

Era natural da cidade do Mindelo, na Ilha de S. Vicente, onde nasceu a 22 de Setembro de 1922. Foi funcionário bancário e pastor nazareno.  Publicou um único livro de poesia, com o título “Linha do horizonte”, mas tem poemas de sua autoria em diversas publicações de língua portuguesa.

Além do Suplemento Cultural, publicou poemas na revista Claridade, no  Boletim Cabo Verde, entre outras revistas e publicações.  Os seus poemas fazem parte de várias antologias, uma delas “No Reino do Caliban”, organizada por Manuel Ferreira. A sua poesia está traduzida  em vários países.

Aguinaldo Fonseca relatou a Michel Laban, investigador argelino das literaturas lusófonas, que foi Amílcar Cabral, então estudante em Portugal e seu amigo, que lhe sugeriu o nome do livro “Linha do horizonte”, que viria a ser publicado pela Casa dos Estudantes do Império, em 1951. Aliás, um dos poemas desse livro, “Nova poesia”, é dedicado ao futuro líder africano.

Essa amizade e convivência com Amílcar Cabral não terão sido alheias à assunção de um fortíssimo sentimento de africanidade plasmado na sua poesia e que a liga à poesia da negritude. Aguinaldo Fonseca, é preciso reconhecê-lo,  foi o primeiro poeta cabo-verdiano  a colocar  África na essência da sua poesia.

Designado por “poeta esquecido”, pelo longo silêncio que sobre ele se abateu,  questionado por Michel Laban se deixara de acreditar no poder da poesia, Aguinaldo Fonseca respondeu: “para mim, poesia é vida”. E acrescentou que já não sentia  necessidade de publicar...

Para além de uma antologia breve da poesia de Aguinaldo Fonseca, para contextualizar essa mesma poesia na homenagem que aqui lhe prestamos, publicamos também um artigo de Amílcar Cabral intitulado “APONTAMENTOS SOBRE A POESIA CABOVERDIANA” (publicado no Boletim de Propaganda e Informação III, 28 (01/01/1952) e reproduzido em Obras Escolhidas de Amílcar Cabral, Vol. I: A Arma da Teoria – Unidade e Luta pela editora Seara Nova, 1976, p. 25-29) que termina invocando o último verso do poema “Sonho”, de Aguinaldo Fonseca: “Outra terra dentro da nossa terra”.
Mamã, peço-te perdão
Por todas as mentiras que contei.
Foi sem querer…
A culpa foi do porteiro da vida
Que me indicou uma porta
Que não era a porta da minha vida.


SONHO

Mamã,
Já não vou partir,
Vou ficar aqui.
Esta terra é pobre, mas é minha terra.
Mamã,
este sonho meu,
é de nova vida
é de outra terra dentro da nossa terra.
Meus sonhos
   de asas desfeitas pelo sol da vida
   deslocam-se como répteis sobre a areia quente
   e enroscam-se raivosos
   no cordame petrificado da fragata
   das mil partidas frustradas.
   Ah meu avô escravo
   como tu
   eu também estou encarcerado
   neste navio fantasma
   eternamente encalhado
   entre mar e céu.
   Como tu
   também tenho a esmola do luar
   e por amante
   essa mulher de bruma, universal, fugaz,
   que vai e vem
   passeando à beira-mar
   ou cavalgando sobre o dorso das borrascas
   chamando, chamando sempre,
   na voz do vento e das ondas.


MAGIA NEGRA

  Abro
  De par em par, a janela
  Ao convite da noite tropical.
  E a noite enche o meu quarto de estrelas vivas.
  Nesta hora morna e calma,
  Profunda e densa como um túnel,
  O rumorejar longínquo das palmeiras
  Varrendo o Céu
  É misteriosa voz do negro martirizado.
  Prendo os meus gestos e o meu grito abafo.
  Silêncio…
  No poço da paz nocturna
  Interceptada
  Pela orgia sincopada
  Das estrelas e dos grilos,
  Arrasta-se o vão lamento
  Da África dos meus Avós,
  Do coração desta noite,
  Feridos, sangrando ainda
  Entre suores e chicotes.
  E a Lua cheia veio
  À voz quente do batuque,
  Faz feitiço…
  E o negro dorme
  Ser santo um dia


 HERANÇA

            O meu avô escravo
            legou-me estas ilhas incompletas
            este mar e este céu.
            As ilhas
            por quererem ser navios
            ficaram naufragadas
            entre mar e céu.
            Agora
            aqui vivo eu
            e aqui hei-de morrer.


MÃE NEGRA

A mãe negra embala o filho.
Canta a remota canção
Que seus avós já cantavam
Em noites sem madrugada.
Canta, canta para o céu
Tão estrelado e festivo.
É para o céu que ela canta,
Que o céu
Às vezes também é negro.
No céu
Tão estrelado e festivo
Não há branco, não há preto,
Não há vermelho e amarelo.
—Todos são anjos e santos
Guardados por mãos divinas.
A mãe negra não tem casa
Nem carinhos de ninguém…
A mãe negra é triste, triste,
E tem um filho nos braços…
Mas olha o céu estrelado
E de repente sorri.
Parece-lhe que cada estrela
É uma mão acenando
Com simpatia e saudade…


CANÇÃO DOS RAPAZES DA ILHA

Eu sei que fico.
Mas o meu sonho irá
pelo vento, pelas nuvens, pelas asas.
Eu sei que fico
Mas o meu sonho irá …
Eu sei que fico
Mas o meu sonho irá
Nos frutos, nos colares
E nas fotografias da terra,
Comprados por turistas estrangeiros
Felizes e sorridentes.
Eu sei que fico mas o meu sonho irá …

Eu sei que fico
Mas o meu sonho irá
Metido na garrafa bem rolhada
Que um dia hei de atirar ao mar.
Eu sei que fico
Mas o meu sonho irá …
sei que fico
Mas o meu sonho irá
Nos veleiros que desenho na parede.


POVO

É sempre a mesma história repetida
É sempre o mesmo lado e a mesma fome
É sempre a mesma vida mal vivida
É sempre a mesma angústia desgrenhada
De quem naufraga em terra olhando o mar
O rubro desespero, a voz magoada
é o sonho bom desfeito ao acordar
É sempre esse horizonte de fuligem
É sempre esse arranhar em duro chão
Como fúria até ao centro da vertigem
Em busca da raiz da solução.


CÍRCULO

Nascemos, morremos,
Tornamos a nascer em cada sonho, cada ideia, cada gesto.
Cada dia que chega é flor que se abre ao sol
Com novo cheiro, nova cor, nova beleza.
Nossos desejos são asas que se elevam
Cruzando o céu da vida em voo largo
Mas nunca chega, nunca páram
Enquanto corre o sangue e a vida cresce e rola.
O fim de um sonho é o começo de outro
Cada horizonte outro horizonte aponta,
E uma esperança morta outra esperança aquece..
Há magoas, alegrias, desesperos
E a gente insatisfeita
Enquanto ri ou chora
Ou canta ou fica triste
Vai nascendo, morrendo e renascendo
Cada dia, cada hora, cada instante
Noutra vida, noutro sonho, noutra esperança


REVOLTA

Revolta dentro do peito
Por aquilo que não fiz
E que devia ter feito.
Revolta dentro de mim
Por tropeçar em mim mesmo,
Por não saber onde estou…
Por caminhar tanto a esmo
Que trago os passos perdidos
Nos próprios passos que dou.
Revolta desde menino
Por tantas horas perdidas
A procurar o destino
Nas sombras doutros destinos
Revolta crua e sem fim(…)
Tantos pedaços de mim
Que destrocei sem saber!…
Revolta crua e sem fim,
Revolta triste e infeliz,
Por trazer esta revolta
Fechada dentro de mim,
Num verso que nunca fiz.


“APONTAMENTOS SOBRE A POESIA CABOVERDIANA”
 Amílcar Cabral
                          “Não me doi meu particular.
                          Peno cilícios da comunidade.
                          Água dum rio doce, entrei no mar
                          (Miguel Torga, “Cântico do homem”)      


I

Quando se debruça sobre o conteúdo da poesia caboverdiana, em busca do seu valor real, duas fases, nitidamente distintas, se mostram evidentes: a anterior ao aparecimento da revista Claridade, e a que começa com este acontecimento literário. Tão distintas são essas duas fases, que Osório de Oliveira não hesita em afirmar: “só agora (isto é, com Claridade) se pode falar da Literatura Cabo-verdiana”.

Significará isso que tudo quanto foi escrito antes das produções dos colaboradores da “Claridade” não tem valor literário? Que só merece ser considerado como Poesia, na verdadeira acepção do termo, o que escreveram os poetas da “Claridade” e os que se lhes seguiram?

Postas estas interrogações, está-se, necessariamente, perante o discutidíssimo problema da definição de Poesia, como expressão artística. Não constitui objeto deste apontamento abordar tal problema. Todavia, impõe-se uma tomada de posição, para que, quando menos, se possa ser coerente nas afirmações que tiverem de ser feitas.

A poesia, como qualquer manifestação artística e apesar de toda a característica individual, emanente da personalidade do Poeta, é necessariamente um produto do meio em que tem expressão. Quer dizer: por maior que seja a influência do próprio indivíduo sobre a obra que produz, esta é sempre, em última análise, um produto do complexo social em que foi gerada. Aliás, esta afirmação não passa dum lugar comum em todas as controvérsias referentes aos problemas da Arte, na actualidade.

Ao falar de controvérsias, não se esquece que não rareiam as vozes discordantes que se levantam para defender a exclusiva influência do complexo individual na manifestação artística. Ao referir este facto, está-se implicitamente perante a não menos discutida questão de se saber se a arte deve ser “dependente” ou “independente”, isto é, presente ou alheia aos problemas sociais do meio em que é produzida; ou, noutras palavras muito vulgarizadas actualmente: se a arte deve ser “interessada” ou “desinteressada”.

Assim, enquanto vai crescendo, dia a dia, o conjunto daqueles que pretendem ou querem uma arte com função social, cerram-se as fileiras daqueles que, teimosamente, arvoram a esfarrapada bandeira duma arte absolutamente independente, da chamada “arte pela arte”. E, ao qualificar-se de esfarrapada a bandeira dos que defendem uma arte “desinteressada”, está-se, ainda que de maneira implícita, tomando posição.

É que, na realidade, parece – e com este ponto de vista não se está metendo nenhuma lança em África – que, a qualquer das questões postas atrás: arte função do meio? arte com função social? – só pode ser dada uma resposta afirmativa. Não é possível considerar a arte (a Poesia, no caso presente) independentemente do homem-ser-social. A arte é e tem de ser, para que mereça tal designação, um produto do homem para homens.

A Poesia tem as suas raízes (passe o termo) mergulhadas nas condições socioeconômicas em que é criada. Note-se que não se afirma ser ela uma função exclusiva dessas condições. Não é, nem poderia ser, alheia a influência de outra origem, como a moral, a religião, as ciências, a filosofia, etc…

Quanto à sua função social, parece que o que se poderá discutir é qual a natureza da função social de determinada obra poética e, não, se essa função existe. Quer dizer: há uma acção recíproca entre o complexo social e a obra poética, admitindo que esta tenha algum mérito. O que interessa determinar é se tal obra constitui um bem ou um mal para aquele complexo, isto é, se o serve ou se o trai.

A evolução das sociedades humanas está na base de toda a evolução literária. Mesmo quando estes dois fenómenos se apresentam desarmónicos ou antagónicos, isto significa apenas que não se desenvolvem concomitantemente. A evolução das sociedades humanas é, por sua vez, uma função dos factores determinantes da estructura económica em que aquelas assentam.


II

A Poesia Cabo-Verdiana, como qualquer outra, só poderá ser compreendida se considerada em relação ao ambiente material e humano vivido pelo Poeta. Assim, seria conveniente determinar quais as características do meio cabo-verdiano que estiveram na base das manifestações das duas poesias atrás referidas: a anterior à “Claridade” e a que começa com esta revista.

A primeira, representada por Eugénio Tavares, José Lopes, Pedro Cardoso, Januário Leite, etc., caracteriza-se por um desprendimento quase total do ambiente, sublimando-se numa expressão poética que, excepção feita a algumas obras de E. Tavares e P. Cardoso, nada tem de comum com a terra e o povo do Arquipélago. Enquanto a poesia de J. Leite, por exemplo, oferece, nos seus sonetos, a expressão da reacção puramente sentimental, do Poeta, perante fenómenos que a ele e só a ele interessam, a de José Lopes traduz, mais do que qualquer outra, o cunho de cultura clássica, desligado do meio, que caracteriza a formação ideológica dos Poetas anteriores à “Claridade”.

Aliás, é precisamente nesse formação, adquirida principalmente no Seminário de S. Nicolau, como o faz notar Osório de Oliveira, ou por um louvável esforço pessoal, que reside a razão de ser das características da Poesia anterior à “Claridade”. Possuidores de uma cultura clássica, que em alguns atinge um grau verdadeiramente elevado, os Poetas da geração em referência esquecem a terra e o povo. De olhos fixos no que aprenderam nos livros e que talvez suponham insuperável, pouco mais conseguem do que imitar os autores seus conhecidos, produzindo uma Poesia em que o amor, o sofrimento pessoalíssimo, a exaltação patriótica e o saudosismo, são traços comuns.

Não se nega o mérito dalgumas das suas obras. Alguns sonetos de Januário Leite, composições de E. Tavares, esta ou aquela obra de J. Lopes e P. Cardoso, são – há que reconhecê-lo – de valor incontestável. Pode-se mesmo afirmar que em E. Tavares (ao cantar o ambiente bravense) e P. Cardoso (ao traduzir, do crioulo, quadras populares do Fogo) encontra-se já algo do que, mais tarde, se tornaria realidade nos Poetas da nova geração: uma comunhão íntima entre o Poeta e o seu mundo.

É ainda a influência da cultura clássica que caracteriza o aspecto formal da Poesia em referência: o respeito sagrado à métrica, a confrangedora submissão às algemas da rima.

Mas, como descortinar a influência do meio socioeconómico sobre estes artistas? Atente-se nas seguintes condições:

O povo, em geral, vive alheio à cultura e às manifestações artísticas. O Seminário, em S. Nicolau, por poucos pode ser frequentado. Ministra-se nele uma cultura clássica, à qual se ligam fortemente os que tiveram a felicidade de recebê-la. Tão forte é o elo, que os seminaristas (ou os autodidactas) de talento, encontrando abertas as portas duma vida onde podem desfrutar de posições de relevo, ignoram ou esquecem as realidades que os cercam. Opera-se neles a supremacia de tudo quanto é meramente filosófico, religioso ou moral, sobre o económico.

Melhor: é a própria condição económica em que vivem que facilita aquele alheamento das realidades cabo-verdianas. A terra e o povo estão distantes. Este, nas letras da Morna, canta os seus sofrimentos e amores, enquanto os poetas compõem sonetos perfeitos para exaltar um sentimento qualquer, as tranças e os olhos da hegéria, as belezas da Grécia ou uma data célebre da História.


III

Bruscamente, porém, opera-se a transformação. A Poesia Cabo-Verdiana abre os olhos, descobre-se a si própria, – e é o romper duma nova aurora. É a claridade que surge, dando forma às coisas reais, apontando o mar, as rochas escalvadas, o povo a debater-se nas crises, a luta do cabo-verdiano “anónimo”, enfim, a terra e o povo de Cabo Verde. Por isso, o caracter intencional – e felizmente intencional – do nome da revista que revela essa profunda modificação na Poesia Cabo-Verdiana: Claridade.

Aliás Jorge Barbosa, Oswaldo Alcântara (Baltazar Lopes), Corsino de Azevedo, Manuel Lopes, Teixeira de Sousa, Jaime de Figueiredo, etc. são os pioneiros do acontecimento.

Os poetas, agora, são homens-comuns que caminham de mãos dadas com o povo, e de pés fincados na terra. Cabo Verde não é o sonhado jardim hesperitano, mas, sim, o “Arquipélago” e o “Ambiente”, onde as árvores morrem de sede, os homens de fome – e a esperança nunca morre. O mar já não tem sereias e as ondas não beijam a praia. O mar é a estrada da libertação e da saudade, e o marulhar das vagas é a tentação constante, a lembrança permanente do “desespero de querer partir e de ter de ficar”. Até o caminho qualquer, “amassado pelo gado que a seca matou”, tem vida, assim como “os coqueiros esguios” e o “céu azul e ardente que não promete chuva”.

A terra, “a terra mártir” – é a Mamã que “alimenta” os filhos “com a ternura das suas entranhas”; que não morreu, mas jaz adormecida “numa migalha de terra no meio do mar”.

A voz do Poeta, agora, é a voz da própria terra, do próprio povo, da própria realidade cabo-verdiana.
Como se operou tão profunda transformação na Poesia de Cabo Verde? Tal modificação corresponderá a uma evolução do complexo económico-social? Atente-se nas seguintes condições:

O povo, na generalidade, continua alheio a toda a manifestação artística e cultural. A cultura é ainda o apanágio dum sector restrito da sociedade cabo-verdiana. Mas é precisamente neste sector que se operou uma modificação.

O Liceu, com a democratização do ensino, independente da religião, trouxe maiores facilidades de acesso à Cultura. Aumentou, na fileira dos intelectuais, o número de elementos provenientes da chamada “gente humilde”. Além disso, o fulcro da intelectualidade cabo-verdiana, passando de S. Nicolau para a cidade do Mindelo, à beira do Porto Grande, encontrou-se em contacto mais amplo com o Mundo, onde se operava, dia a dia, a evolução da mentalidade humana, concretizando-se as aspirações do homem.

É de admitir-se que tal transformação resultou principalmente desse contacto, em essencial com a literatura metropolitana e brasileira. Na realidade, as primeiras produções da Claridade, manifestam uma certa influência da corrente literária que caracterizou o Presencismo e da poesia brasileira de então. Influência que se limitou a mudar as directrizes da poesia cabo-verdiana. O Poeta, em vez de olhar para as nuvens, devia buscar o sentido da sua poesia na realidade em que vive.

Infelizmente, a primeira fase da Claridade foi um relâmpago. Mas foi o suficiente para a nova geração de Poetas cabo-verdianos poder ver claro, e compreender que a Poesia de Cabo Verde só poderia ter personalidade, possuir um real valor, se, sem intenção premeditada, fosse “os olhos e a boca” do Arquipélago das secas.

Anos volvidos, aparece a “Certeza”, folha infelizmente efémera, fundada por estudantes do Liceu. Nela, Arnaldo França, Nuno Miranda, Tomaz Martins, G. Rocheteau e outros jovens, ensaiam uma nova mensagem e mostram que compreenderam a dos Poetas da Claridade. Mas a “Certeza” não é apenas uma compreensão da Claridade.

O seus Poetas – o contacto com o Mundo é cada vez maior – sentem e sabem que, para além da realidade cabo-verdiana, existe uma realidade humana, de que não podem alhear-se. Sentem e sabem que não é apenas em Cabo Verde que “há gritos lancinantes pela noite silenciosa” e “homens vagabundos” que “fitam estrelas que a madrugada esculpiu”. E dizem, querem dizer “um canto… que cruze nos mares mais distantes e entre nos corações dos homens… um canto com contornos de paz e relevos de esperança”. De esperança.


IV

Mas a evolução da Poesia Cabo-Verdiana não pode parar. Ela tem de transcender a “resignação” e a “esperança”. A “insularidade total” e as secas não bastam para justificar uma estagnação perene.

As mensagens da Claridade e da Certeza têm de ser transcendidas. O sonho de evasão, o desejo de “querer partir”, não pode eternizar-se. O sonho tem de ser outro, e aos Poetas – os que continuam de mãos dadas com o povo, de pés fincados na terra e participando no drama comum – compete cantá-lo. O cabo-verdiano, de olhos bem abertos, compreenderá o seu próprio sonho, descobrirá a sua própria voz, na mensagem dos Poetas.

Parece que António Nunes e Aguinaldo Fonseca estão na vanguarda dessa nova Poesia. Não se conformam com a estagnação. A prisão não está no Mar.

O primeiro, auscultando a terra e o povo, sonha com um “Amanhã” diferente, que antevê possível. E descreve a alteração que há de operar-se: “Em vez dos campos sem nada…” E profetiza, para a terra cabo-verdiana, a “vivificação da Vida”.

O segundo exprime, em toda a sua grandeza, o “naufrágio em terra” do povo a que pertence. Retrata os “homens calados” sofrendo a “dor da Terra-Mãe…num abandono de não ter remédio”. Dos homens, “presos na cadeia da desesperança”. E o seu sonho, não é de “querer partir”: é de “Outra terra dentro da nossa terra”.

* Cabo-verdiano radicado em Macau, onde foi Presidente do Instituto Cultural e Professor na Universidade de Ciência e Tecnologia.