Arsénio de Pina |
Que se estude o nosso crioulo, ninguém pode nem deve estar contra. Sendo a sua matriz o português, o seu aperfeiçoamento com o estudo, a aquisição de vocábulos e o tempo, fá-lo-á aproximar-se cada vez mais do português, como todos os outros crioulos da respectiva matriz, confundindo-se com esta, o mesmo é dizer, a nossa navegação pelo mar do crioulo só poderá levar-nos, com o tempo, ao porto da Língua Portuguesa, à sua mátria, para utilizar um vocábulo do poeta e cantor Caetano Veloso. Eu próprio, que nem sou de Letras, apoio um amigo moçambicano que se apaixonou por Cabo Verde, dando o contributo possível ao estudo da origem do crioulo e da sua utilização em apoio das descobertas e colonização portuguesas. Afinal, nós, cabo-verdianos, fomos, involuntariamente, cúmplices de grande valia dos portugueses nas descobertas e colonização devido ao crioulo utilizado como veículo de comunicação entre os escravos, entre estes e os colonizadores portugueses e elo de ligação com os povos descobertos e subjugados, por termos sido a primeira colónia portuguesa, e onde houve uma miscigenação, mestiçagem, entre povos e raças em contacto nesse melting pot em Cabo Verde, de que nasceu o cabo-verdiano. Era em Cabo Verde que se fazia a substituição dos marinheiros falecidos por cabo-verdianos, dando-se preferência aos nossos por falarem crioulo e serem resultado de misturas com judeus portugueses que fugiram da Inquisição em Portugal e tinham uma cultura e conhecimentos invejáveis.
Luís de Camões |
As caravelas e naus portuguesas passaram, por essas virtudes, a levar cabo-verdianos para as sete partidas do mundo devido ao trunfo da língua e de conhecimentos que lhes permitiam contactos mais rápidos e fáceis com os povos, e ainda o ensino de técnicas do cultivo da cana sacarina e do fabrico do açúcar e da aguardente nos engenhos da época que já dominavam. Alguns desses cabo-verdianos ficaram nessas sete partidas do mundo, até porque muitos já eram utilizados como soldados na defesa de fortalezas. Reza a história que a fortaleza de Diu foi defendida por portugueses e cabo-verdianos. Não admira, pois, que encontremos o nosso crioulo no Sri Lanka, Malaca, Diu, várias Ilhas do Pacífico e Antilhas.
O amigo moçambicano, que foi colega do meu irmão Viriato no liceu de Lourenço Marques, publicará, brevemente, o resultado das suas pesquisas que irão dar pano para muitas mangas, incluindo a desmistificação de algumas ideias feitas sobre a origem do nosso crioulo e pertença ao Sahel.
Estas linhas vêm a propósito da comemoração dos oito séculos da Língua Portuguesa e das posições dos Drs. Ondina Ferreira e Manuel Veiga, apresentadas por Gisela Coelho no jornal A Nação e de artigos de Sara Almeida e José Almada Dias. “Da minha língua vê-se o mar”, escreveu um dia Virgílio Ferreira, esse mar que a nós, cabo-verdianos, envolve mais do que aos portugueses. O idioma de Camões, do Padre António Vieira, de Fernando Pessoa, de Machado de Assis, José Craveirinha, Luandino Vieira, Baltasar Lopes da Silva, Aurélio Gonçalves, entre outros, foi a melhor herança que nos deixou Portugal, como bem disse Amílcar Cabral.
Baltasar Lopes |
“Na era da globalização, falar português, uma das grandes línguas globais do planeta que partilha e põe em comum culturas da Europa, das Américas, da África e da Ásia e Oceânia com culturas de milhões de falantes em todos os continentes, é um imenso património e um veículo de união e progresso”, sustenta-se no manifesto subscrito por diferentes personalidades da cultura portuguesa. É a terceira língua europeia mais falada no mundo e o idioma mais usado no hemisfério sul. Subalternizar o português ao crioulo só por tentativa de parricídio fundamentalista, por a sua matriz ser o Português. Outrossim, a evolução do crioulo só poderá desembocar na sua aproximação do português, confundindo-se, por fim, com ele. Ensinar, simultaneamente, o português e o crioulo (qual variante?) também não me parece recomendável, porque todo o patrício, quando chega à escola, já domina o crioulo, e se se mete no Alupec para uma das variantes, nunca mais aprenderá a escrever o português em condições. Vem-me à memória a saída de uma mãe que foi protestar junto do Viriato, por lhe terem dito que se estava a ensinar crioulo ao filho: Criol el nascê prindid; m´pol na scola pal prendê purtuguês!
Como povo de emigração, manda o bom senso que se invista na Língua Portuguesa, e não no crioulo que de pouca valia poderá ter para o emigrante. Se se quiser adoptar outra língua de grande extensão, que seja o Inglês, sem abandonar, é bom de ver, o Crioulo, carinhosamente para uso caseiro.
Lisboa, Julho de 2014
Arsénio Fermino de Pina
Este artigo, pelo valor que tem, deve aparecer regularmente aqui e em outros lugares para acordar os distraidos e defrontar os teimosos auto proclamados especialistas mas, na realidade, responsàveis pelo descalabro linguistico nunca visto até agora em Cabo Verde.
ResponderEliminarHonra aos nossos Professores da Instrução Primària pela profissionalidade e pelo orgulho em formar a geração que agora os defende veementemente e que os agradece de todo o coração.
Doutor, estamos juntos.
Arsénio, este texto esteve na gaveta desde Julho do ano passado, rapaz? Mas porquê?
ResponderEliminarSoberbo, meu caro. Tem razão o Valdemar quando diz que este artigo tem de ser vertido em outros blogues e jornais, e reeditado as vezes necessárias, para que os fundamentalistas do crioulo fiquem com a lição “prindid”. E a respeito de “prindid”, transcrevo esta tão lúcida como curiosa afirmação da mãe do miúdo perante o teu mano Viriato: “ Criol el nascê prindid; m´pol na scola pal prendê purtuguês!”. Isto é o máximo, rapaz! Pergunto como uma cidadã comum, provavelmente de poucas letras, consegue ver mais longe que alguns nossos pseudo intelectuais.
Mas quando dizes no início do texto que, “sendo a matriz do crioulo o português, o seu aperfeiçoamento com o estudo, a aquisição de vocábulos e o tempo, fá-lo-á aproximar-se cada vez mais do português, como todos os outros crioulos da respectiva matriz, confundindo-se com esta…”, estás a cometer um verdadeiro sacrilégio aos olhos dos fundamentalistas, meu caro. E porquê? Porque o que eles querem é o contrário, que o crioulo se afaste cada vez mais da fonte poluidora, a sua língua-mãe, por incrível que pareça. Para eles, o leite materno traz um veneno qualquer que tem de ser depurado com todos os filtros possíveis, ou então traz no seu paladar indesejáveis reminiscências que têm de ser lavadas para sempre da memória colectiva. Inventaram o ALUPEC e não tardará que comecem a inventar vocábulos estapafurdiamente rebuscados numa matriz imaginária só visível aos olhos de lunáticos ou esquizofrénicos.
Eu nunca suporia possível semelhante miopia mental da parte de alguns nossos patrícios. Claro que eles têm direito a fazer os exercícios intelectuais que entendam, mas que o façam no solidão dos seus gabinetes e vedem as portas e as janelas.
Arsénio, foi um gosto ler este artigo. Oxalá a Dr.ª Ondina Ferreira intervenha e comente porque sabe muito mais desta matéria do que os navegantes deste blogue.
Da comemoração de oito séculos de língua portuguesa; um artigo a não deixar de ler, do amigo Arsénio de Pina em que analisa a relação entre o português e o crioulo sem demagogias nem o politicamente correcto do sistema. Como ele demonstra brilhantemente é tão evidente como água que estas duas línguas têm que ser preservadas e cultivadas em Cabo Verde: só se pode falar um bom crioulo se se aprender o português ou o francês ou o inglês, línguas matrizes, lexicalmente, gramaticalmente e estruturalmente. No meu entender de profano, os crioulos de todo o Mundo, sejam quais forem, não podem viver sem essas línguas matrizes Agora uns aprendizes de feiticeiro, ajudados por políticos incultos ou demagogos, acham o contrário que quanto mais fecharmos no crioulo e somente no crioulo melhor.Outros pedem urgentemente a implementação do crioulo, queimando etapas. Isto é não ver um palmo em frente do nariz. Eu sou da opinião que não há condições para substituir o português, o que constituiria na prática na sua erradicação em cabo Verde.
ResponderEliminarNão concordo bem contigo quando dizes, José, que “só se pode falar um bom crioulo se se aprender o português ou o francês ou o inglês, línguas matrizes…”. Prefiro apoiar a tese do Arsénio quando diz que o “seu aperfeiçoamento (do crioulo) com o estudo, a aquisição de vocábulos e o tempo, fá-lo-á aproximar-se cada vez mais do português”. Donde se infere que o aperfeiçoamento do crioulo levará à crescente minimização do que o separa do português. Convenço-me de que isso é muito susceptível de vir a acontecer num futuro qualquer por influência dos seguintes factores: a escolarização; a televisão (as telenovelas brasileiras e portuguesas); a mobilidade social e a forçosa comunicação com os povos dos PALOP.
ResponderEliminarDe resto, o que é isso de falar um “bom crioulo”? Acaso será o de S. Vicente? Ou o de Santiago? José, falar um bom crioulo é de definição impossível porque implica um critério gramatical e lexical e isso é onde reside o busílis da questão. Será que eu e tu falamos um melhor crioulo que um patrício menos escolarizado? Não creio, e a razão é que o crioulo é uma língua (ou dialecto?) que se define exactamente por uma certa ausência de regras, como se estivesse em contínua recriação. Mas não é uma recriação que intente uma padronização ou domesticação. O crioulo sente-se bem é na sua inteira liberdade ou, se se quiser, no seu estado selvagem, que é onde o Djosa de nha Bia encontra e tece o imaginário do seu quotidiano.
Adriano aqui está o busílis da questão. Ao querer ir tão longe oficializar e adaptar o crioulo no ensino, até universitário, não há outra solução senão aprender aprofundar as línguas matrizes.
ResponderEliminarAgora eu partilho a mesma opinião :o crioulo sente-se bem é na sua inteira liberdade ou, se se quiser, no seu estado selvagem, que é onde o Djosa de nha Bia encontra e tece o imaginário do seu quotidiano.
Mas não é o que os políticos aliados aos fundamentalistas decidiram
Mas Adriano ”. Prefiro apoiar a tese do Arsénio quando diz que o “seu aperfeiçoamento (do crioulo) com o estudo, a aquisição de vocábulos e o tempo, fá-lo-á aproximar-se cada vez mais do português”. Donde se infere que o aperfeiçoamento do crioulo levará à crescente minimização do que o separa do português.
ResponderEliminarSe partirmos para aperfeiçoamento (do crioulo) com o estudo, a aquisição de vocábulos isso só pode ser feito com base nas línguas Matrizes o que pressupõe domina-las. É a quadratura do círculo em que os fundamentalistas metem o crioulo.
Adé, bsot ptá bóca prá lá ! Mim un c’ta pricisá de gramátca pa falá criol e un c’ta gostá de gramátca desd que professor Alfredo Brito, que Deuzaja, intcha'm mom c’palmatora. Ma mim un ta bastá bibê um grog ou dôs pa falá português moda Dr. Baltasar.
ResponderEliminarUn enganá na nom. Mim ê Djosa e non Djoa.
ResponderEliminarÓ Djosa, tu diz-me cá: quem é que te deu autorização para andares aqui nos blogues, em especial no Praia de Bote? Tu vai mas é já para a nossa delegação na rua de Coco que é onde trabalhas (e para isso a gente te paga 1000$00 cabo-verdianos) e trata mas é de ires despejar os cestos dos papéis e os cinzeiros e limpar as casas de banho. Ai de ti que eu chegue lá amanhã e não esteja tudo num brinquinho. És logo despedido e acaba-se o pilim para o grogue no Boca. Ai de ti!!!
EliminarPronto, José, então estamos a dizer mais ou menos o mesmo por palavras diferentes. Mas olha que, quando o português for dominado por toda a gente, o crioulo será uma reminiscência das peripécias e pirraças do Djosa de nha Bia, do Escacareques, do Pedro Comparaçon, do Dufega e outros de saudosa e divertida memória.
ResponderEliminarDajck de Cuptania, bô c'ta mandá na mim, bô c'ta mandá na mim!!! Un c'ta precisá de bô dnher pa nada. Nhô Firrim arranjá'm un djob na n'sê vupurim d'aga.
ResponderEliminarAi sim? Então amanhã nem precisas de ir para a delegação do Praia de Bote na Rua de Coco. Estás despedido e agora a gente nem te quer para despejar a lata das 9 horas. Estou para ver como vais arranjar dinheiro para o grog. E nhô Firrim dzême que djob é pa despejá lota d'aga de porom lá na Mar de Canal em dia de temporal. Ó Djosa, bô ta guentá um cosa desse? M'ca ta criditá, ahahaha, bô ta fcá marióde em 5 minute.
EliminarDajck, mim ê mnin niscid e criod na praia de bot, bituód t'andá d'cima dága mar, mar de canal incluíd,.E fcá ta sabê q'un ta fca ta trazê uns grrafinha de grog de Tarrafal de Monte Trigo e un ca pricisá de Boca de Tubarão pa nada, coza nenhum. Se un crê tma nha grog bastá sentá na paridinha da Praia de Bot e lançá mon de nha grrafinha. Ora, tmá e embrulhá!!!!
ResponderEliminarMuito bom artigo. Escorreito e assertivo. A História da Língua e a dos seus falantes são auxiliares seguros para sobre o tema discorrer.No caso em apreço,permite compreender o tempo, as vicissitudes e a importância que a hoje chamada língua segunda do cabo-verdiano, teve e tem tido na formação do habitante destas ilhas, e no desenvolvimento do arquipélago/país.
ResponderEliminarInfelizmente,parece-me que alguns teimam numa metodologia errada, ainda por cima como foros e ares de decretos e de "magister dixit"... Primeiro, fazer vingar o crioulo à custa do mau-trato da língua portuguesa. Segundo, substituir tudo o que entrava o português, como língua veicular, pelo crioulo, abafando o primeiro, como se de nossa língua não se tratasse!
Enfim, o articulista mostrou que tal estratégia, se é que disso se trata, está completamente errada. E que se logra com isso algum intento, será o de atrasar o percurso normal do desenvolvimento de Cabo Verde.
Vamos nos manter nesta luta..."água mole em pedra dura...
Abraços
Ondina