terça-feira, 19 de janeiro de 2016

[1819] Mané Jon sem sê góte mas c'dôs amigue

A morna de Sérgio Frusoni foi celebrizada por Bana e aqui está em baixo a letra completa da mesma. No entanto, não é ela que nos interessa desta vez, mas a expressão "góte de Mané Jom" no 4.º verso da 6.ª estrofe. Manuel João e o seu gato fazem parte da mitologia cabo-verdiana que a ambos se refere lembrando os bons (ou razoáveis) tempos do Mindelo em que havia fartura de dinheiro a correr, devido à frequente entrada de "vapor(es) na baía".

Demos com um postal onde o nosso homem surge, acompanhado de mais duas figuras típicas do Mindelo, Maria Guidinha e Paquete, não tão celebrizados como o companheiro. Mané Jon aparenta ter um problema no olho direito e talvez por isso não acerta no copo que Paquete lhe estende. Enfim, figuras típicas de um Mindelo que já cabá. Mas... e que é feito do gote que tava ta ingordá na gemáda? Cheira-nos que na hora da foto andava pelos botequins da Praia de Bote a ver se lhe davam um ovito...


TEMPE DE CANIQUINHA (versão que podemos ver no "Esquina do Tempo", AQUI)

Sanvecente um tempe era sabe
Sanvecente um tempe era ôte côsa
Cónde sês modjêr ta usába
Um lenço e um xales cor de rósa
Um blusa e um conta de coral

Cónde na sês bói nacional
Tá mornód tê manchê
Cónde sem confiança nem abuse
Tá servid quel cafê
Ma quel ratchinha de cúscús.

Cónde pa nôs Senhóra da Luz
Tinha um grande procisson
Cónde ta colóde Santa Cruz
Ta colóde pa San Jon
Lá na rebêra de Julion

Cónde ta cutchide na pilon
Tá cantá na porfia
Cónde ta tchuveba e na porte
Ta vivide que mas sôrte
E que mais aligria.

Povo ca ta andá moda agora
Na mei de miséria tcheu de fome
Ta embarcá ta bá  ‘mbóra
Sem um papel, sem um nome,
Moda um lingada de carvon.

Era colheita na tchôn
Era vapôr na bahia,
Oh Sanvecente daquês dia
Atê góte de Manê Jon
Tá ingordá na gemáda.

Lá pa quês rua de moráda
Era um data de strangêr
Era um vida folgáda
Ciçarône vida airáda
Ta nadába na dnhêr.

De nôte sentód na pracinha
M' ta partí gônhe assim…
Pa mim pa bô, pa mim,
Pa mim pa bô, pa mim
Era tempe de caniquinha…

12 comentários:

  1. Melodia lindíssima, versos primorosos. Considero-a das mornas mais geniais que possuímos no nosso acervo musical. Sérgio Frusoni, tal como Eugénio Tavares, B. Léza, Jotamont e alguns mais tiveram momentos de inspiração musical e poético fora de série!

    Tenho uma dúvida que gostaria que alguém sabedor me possa esclarecer. O último verso "Era tempe de canequinha" tem vindo a ser assim transcrito, mas ao que parece no original Foi: "Hoje é tempe de canequinha" Qual a explicação?
    Segundo percebi dos meus mais velhos, contemporâneos mindelenses de Frusoni, "canequinha" era a medida/ração de um tempo de carestia, de crise, de fome. "Caneca" no diminutivo o que torna ainda menor a quantidade de comida que não mata a fome. Ora Sérgio Frusoni, cantou São Vicente de um tempo de fartura já passado na sua narrativa poética. O que ele verseja num tempo de desencanto, é o contraste do Passado/presente. Nesse tempo (passado) farto e de muita "sabura" até o gato de Mané Jom...tava ingordá na gémada. Mas o tempo presente, no momento da feitura do poema, é um "tempe de canequinha." Será isso?

    Agradecimentos antecipados a quem me souber esclarecer.
    Abraços
    Ondina

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    1. Cara Ondina, não sou capaz de responder à sua pergunta. Acontece no entanto que ao longo do tempo este poema sofreu algumas malfeitorias que o descaracterizaram, tirando aqui, acrescentando ali (nomeadamente nas variantes cantadas). Esta versão publicada no "Esquina do Tempo" parece ser a mais fiel, pois tem o aval do Fernando Frusoni. Outra pessoa que sabe mais que eu acerca das andanças desta morna é o Valdemar. Seja como for, é de facto uma bela peça.

      Braça com gato, com gemada e sobretudo com o Mané Jon
      Djack

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    2. Peço desculpa por chegar atrasado a este debate. Compromissos familiares.
      Ondina, sempre que, nos meus tempos de menino e moço, ouvia essa morna associava o termo “caniquinha” a um significado diferente. Não de medida padrão de carestia, mas de fartura, tanto quanto se pode falar de fartura na nossa terra, mesmo quando havia trabalho para todos na descarga de carvão. Ainda recentemente, reli o livro de Teixeira de Sousa “Capitão de Mar e Terra”, em que ele diz que os trabalhadores da descarga de carvão ganhavam uma miséria, mesmo nos tempos áureos da actividade do Porto. Certamente, isso já seria significativo num arquipélago devastado pelas secas e pela pobreza endémica.
      Portanto, a palavra caniquinha sempre a intuí como fartura, ou seja, uma caneca a transbordar de algo, milho, feijão ou mesmo grogue. Aliás, a conversa com os meus pais e pessoas mais velhas induzia-me a esse significado.
      É que se não for assim, então temos de concluir que há uma imprecisão, se não erro, no uso do tempo verbal na construção dessa última estrofe.

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  2. Acho que concordo com Dona Ondina...A lógica dos tempos aconselha o "Hoje" e não o "Era"...De resto, lembro-me bem de, no tempo a que aquele "Hoje" se referiria, ouvir falar em "banho de caneca" o que me parece significativo.
    Braça com pouca água,
    Zito

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  3. Bem, espero vivamente que alguém fale do Mané Jon e do seu gato... até o Djosa de nha Bia já me perguntou por que motivo ninguém ainda se referiu ao rapaz...

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  4. Vou responder à D. Ondina.
    Pelos vistos, não leu o modesto livro "O teatro é uma paixão, a vida é uma emoção" onde està uma côpia que me foi cedida pelo autor. Aliàs, isso jà mereceu muita (e justa) conversa pois, eu como responsàvel pela divulgação em seu tempo e o Fernando Frusoni, filho do autor/ compositor, andamos tentando repor a verdade.
    Infelizmente, cada um "corta" (ou muda) um pedacinho conforme o gosto mas o Praia de Bote dà a possibilidade (no Aqui, acima) de visitar algum escrito.
    Com prazer e... admiração

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  5. Que desespero!!! Ninguém fala do Mané Jon nem do seu gato gordo e diabético. O post era sobre eles e não sobre o Frusoni. Pleasssssssseeeeeeeeeeeeeeee, alguém fale sobre os heróis do post. Memórias de família, etc. Mané jon, ês ca ta lembrá de bô, desgraçóde!!!

    Braça com ovos por todo o lado,
    Djack

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    1. Oh Cumpade Juquim:
      Mné Jom tava bibê grog e ess flone, de samatà, ti ta bob$e cerveja.
      Gente ca podia cendê um pau de foche diante daquele home pa ca provocà um xplosão

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    2. Djack, esse Mané Jon da foto não é o do Frusoni. Esse Mané Jon não tem ar de quem respira "fartura". Até parece ter um aspecto alquebrado, sendo que o copo e a cerveja devem ter feito parte do cenário criado pelo fotógrafo ao querer captar um quadro típico do meio. As 3 pessoas têm todo o aspecto de serem recém-chegados de S. Antão, ainda sem aquelas camadas de pó de carvão na alma. Em suma, ainda não eram bem mindelenses.
      Quanto ao gato, ele nem com o rabo de fora aparece escondido.

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  6. Obrigada, queridos amigos do PdB! Valdemar, irei à procura do Livro indicado. Do Mané Jom, faltam-me dados mas de Sérgio Frusoni (Mindelo,1901 Lisboa 1975) podemos falar ainda que sucintamente. Sabemo-lo italiano de pai e mãe. Nascido em Mindelo. Da sua infância dá-nos conta o seu poema, na variante do crioulo de S. Vicente, "Têmpe Feliz!". Uma bela recordação dos tempos de menino, alegre em «Montóna» «Funde de Nhô Môque» «Móte Inglês» e outros recantos. Fez o serviço militar na terra de origem. Grande poeta e compositor cabo-verdiano foi Sérgio Frusoni. A sua profunda crioulidade e o seu desmesurado amor a S. Vicente ficaram registados. A propósito, Mesquitela Lima, fez uma leitura antropológica da poética de Frusoni, num dos livros publicados sobre o poeta. Poeta bilingue, se não trilingue, Crioulo, português e italiano (em versão italiana não conheço qualquer poema) mas possivelmente terá escrito na língua materna. Quem lê Sérgio Frusoni, apercebe-se de que ele tem um domínio, quase materno, do crioulo. Vale aqui mencionar a espantosa tradução para o crioulo feita por Sérgio Frusoni da Bíblia, na versão: «Vangêle contód D'nós Moda». Dos seus poemas, ressalto a ternura e a fraternidade com que trata algumas figuras pícaras e meio marginais, daquele tempo de Mindelo. A leitura do poema: "Na Tribunal" é disso paradigmático, este e muitos mais... Vale a pena revisitar Sérgio Frusoni.
    Conhecido e apreciado por todos nós, eu sei, mas nunca é de mais recordá-lo.

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  7. Respondi, embora com relativo atraso, às dúvidas da Ondina e à indicação do Djack, mas parece que a coisa ficou por aí, sem mais réplicas.

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