segunda-feira, 20 de março de 2017

[2902] Um banco de madeira no Largo do Corpo Santo, Lisboa, um erro, gravadores que gravam mal, fiscais que não fiscalizam e o esqueleto de Fernando Pessoa a saltar nos Jerónimos

Pela mão do Artur Mendes, a gralha do banco chega ao "Observador" a 21.3.2017
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O Praia de Bote é blogue marítimo e naval e quando se fala de oceano está sempre pronto para nele mergulhar. Por isso, esta conversa não cabo-verdiana fica aqui bem na mesma.


Sim, a coisa é grave. Os turistas que têm passado pelo claustro do Mosteiro dos Jerónimos nos últimos tempos têm ouvido ruídos estranhos, provenientes no túmulo do poeta da "Mensagem". Dão estes a impressão de choque de uma caveira contra tíbias, na companhia de húmeros e costelas, quiçá com a ajuda de seis ou sete vértebras e mais alguns tarsos e metatarsos. Ou seja, é um ruido similar ao de quem vê a sua obra enxovalhada... 

Vem isto a propósito do verso gravado num dos bancos de madeira que mobilam a renovada praça do Corpo Santo, em Lisboa, ali bem perto do Cais do Sodré, também ele novinho em folha, e do edifício dos Paços do Concelho da capital portuguesa.

Os bancos, de sólida madeira de peça única e suportes quase invisíveis de metal, agradáveis à vista e razoavelmente confortáveis, têm versos gravados (um em cada um deles). Enfim, isso não se percebe logo à primeira, pensa-se que são frases destrambelhadas, órfãs e solitárias, porque quem teve a ideia achou talvez que os ditos surgiram de geração expontânea, sem poema e sem autor, quiçá saídos de uma "Máquina Automática de Fazer Frases para Bancos"...

Ora no banco em que ontem à tarde me sentei e que depois fotografei está um verso do poema "D. Dinis" da "Mensagem" de Fernando Pessoa. Leiamo-lo, atentando no 7.º verso:

Na noite escreve um seu Cantar de Amigo
O plantador de naus a haver,
E ouve um silêncio múrmuro consigo:
É o rumor dos pinhais que, como um trigo
De Império, ondulam sem se poder ver.

Arroio, esse cantar, jovem e puro,
Busca o oceano por achar;
E a fala dos pinhais, marulho obscuro,
É o som presente desse mar futuro,
É a voz da terra ansiando pelo mar.


Pois houve alguém na CML que teve a ideia; houve alguém numa oficina que fez a gravação; houve alguém da oficina ou da CML que fez a colocação do equipamento de mobiliário urbano; e houve alguém na CML que deveria ter fiscalizado. Pois, NADA, NADA DE NADA. Ninguém viu, ninguém percebeu, ninguém entendeu, ninguém deu com o gato...

A asneira lá está e lá estará... até ao dia em que a ossada de Fernando Pessoa, desgastada de tanto saltitar na tumba, se transforme em pó e apenas faça fshhhhh, fshhhhh... Mas isso ainda vai demorar um tempo...

Ah! Quem escreveu este post não está imune ao erro... mas tenta sempre evitá-lo e olha, olha e reolha para o que escreve, tentando sempre apanhar o gato escondido. Por fim, a questão não é a existência da gralha mas sim o facto de ela ainda lá estar.

3 comentários:

  1. Caro Fernando Pessoa

    Pelo respeito e admiração que nos mereces, tomei a liberdade de informar em teu nome a vereadora da Cultura da CML Doutora Catarina Vaz Pinto ( para caso de quereres dedicar-lhe um poema) que leia o blogue Praia de Bote ...Espero que o patrono Sr Djack não se zangue!

    ...

    Digo eu: Mias um banco fali

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  2. Enfim, quando um olho é cego, nada como três olhos para denunciar o ultraje à obra do poeta. É o olho do fotógrafo, o do historiador e o do escritor, três olhos poderosos que, convergindo, a eles nada escapa. Bem, que a vereadora ouça o recado do Amendes.

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  3. O que interessa é que alguém dê as ordens para o banco ser desmontado, ser raspado, ser regravado e ser remontado. Isso é que interessa. E se isso acontecer ainda neste milénio, fotografarei de novo o banco e darei os parabéns a essa/s pessoa/s que resgataram o verso do Pessoa...

    Braça pessoana,
    Djack

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