segunda-feira, 31 de julho de 2017

[3115] A arma...

Excerto de um romance famoso que esteve (quase, quase) para dar ao seu autor (muito conhecido na Rua de Praia e na/no Praia de Bote) o Prémio Nobel da literatura.

A FBP
(...) Por razões compreensíveis, dado que a Guiné em guerra ficava próxima e no Partido Africano para a Independência da Guiné e Cabo Verde (PAIGC), como o próprio nome indicava, militavam combatentes de ambas as colónias, havia relutância do comando em armar os cabo-verdianos. Algumas vezes o meu pai e restantes membros da guarnição continental foram à carreira de tiro, nas imediações do quartel, receber treino com velhas espingardas Mauser e também FBP [ver AQUI], as populares pistolas-metralhadoras das nossas tropas, que antecederam a G3 da guerra colonial. Segundo constava, a sua concepção não era perfeita e encravavam com imensa facilidade. Mas isso não impediu que no nosso guarda-fatos estivesse uma, novinha em folha, acompanhada de três carregadores. Foi o artilheiro Calças quem a distribuiu ao meu pai, tendo-se este encarregado da instrução familiar. Todos nós sabíamos disparar a maquineta, mas era eu quem mais se servia dela, em grandes tiroteios caseiros – a seco, claro, para grande pena minha – com difíceis fugas e rastejamentos por debaixo de camas e mesas, simulando desembarques de comandos que provocavam baixas proporcionais aos gritos e rá-tá-tás emitidos, sempre numerosos. Tirando o meu prazer pessoal, o objecto bélico foi inútil, pois nunca se vislumbrou o que quer que fosse de ataque ou sequer tentativa disso, relativamente a nós. E como teria sido tão fácil empreendê-lo, sobretudo de noite, desprotegidos que estávamos, num canto mal iluminado da cidade, pegado ao mar. (...)

Anexo da antiga Capitania dos Portos de São Vicente de Cabo Verde, hoje Museu do Mar (em edifício designado como Torre de Belém). A terceira janela a contar da direita (ou da esquerda) era a do quarto de dormir da residência do Patrão-Mor, onde estava guardada a FBP...

1 comentário:

  1. Curiosas lembranças, Djack, essas das tuas antigas guerrilhas nos teus aposentos da Capitania. A FBP era uma pistola-metralhadora (fabrico nacional) que de facto encravava com alguma frequência quando utilizada em tiro de rajada. Em tiro de repetição não tanto. No Ultramar predominava a UZI (de fabrico israelita), uma pistola-metralhadora muito mais perfeita, uma senhora arma. Nunca encravava. Mas em combate a arma comum a todos os combatentes, independentemente da graduação, era a espingarda G3, que substituiu a velha Mauser a partir de 1961. A Mauser era uma arma de repetição (modelo 937, ou seja, adoptada pelo nosso exército em 1937) mas nunca encravava. Muito resistente e fiável. A G3, mais adequada às circunstâncias por ser automática, tinha o inconveniente de se encravar se não estivesse convenientemente limpa. Como os soldados tinham consciência disso, tratavam a sua limpeza com um esmero que não precisava ser imposto pelos graduados. Pudera!

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