Excerto de um romance famoso que esteve (quase, quase) para dar ao seu autor (muito conhecido na Rua de Praia e na/no Praia de Bote) o Prémio Nobel da literatura.
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A FBP |
(...) Por razões compreensíveis, dado que a Guiné em guerra ficava próxima e no Partido Africano para a Independência da Guiné e Cabo Verde (PAIGC), como o próprio nome indicava, militavam combatentes de ambas as colónias, havia relutância do comando em armar os cabo-verdianos. Algumas vezes o meu pai e restantes membros da guarnição continental foram à carreira de tiro, nas imediações do quartel, receber treino com velhas espingardas Mauser e também FBP [
ver AQUI], as populares pistolas-metralhadoras das nossas tropas, que antecederam a G3 da guerra colonial. Segundo constava, a sua concepção não era perfeita e encravavam com imensa facilidade. Mas isso não impediu que no nosso guarda-fatos estivesse uma, novinha em folha, acompanhada de três carregadores. Foi o artilheiro Calças quem a distribuiu ao meu pai, tendo-se este encarregado da instrução familiar. Todos nós sabíamos disparar a maquineta, mas era eu quem mais se servia dela, em grandes tiroteios caseiros – a seco, claro, para grande pena minha – com difíceis fugas e rastejamentos por debaixo de camas e mesas, simulando desembarques de comandos que provocavam baixas proporcionais aos gritos e rá-tá-tás emitidos, sempre numerosos. Tirando o meu prazer pessoal, o objecto bélico foi inútil, pois nunca se vislumbrou o que quer que fosse de ataque ou sequer tentativa disso, relativamente a nós. E como teria sido tão fácil empreendê-lo, sobretudo de noite, desprotegidos que estávamos, num canto mal iluminado da cidade, pegado ao mar. (...)
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Anexo da antiga Capitania dos Portos de São Vicente de Cabo Verde, hoje Museu do Mar (em edifício designado como Torre de Belém). A terceira janela a contar da direita (ou da esquerda) era a do quarto de dormir da residência do Patrão-Mor, onde estava guardada a FBP...
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Curiosas lembranças, Djack, essas das tuas antigas guerrilhas nos teus aposentos da Capitania. A FBP era uma pistola-metralhadora (fabrico nacional) que de facto encravava com alguma frequência quando utilizada em tiro de rajada. Em tiro de repetição não tanto. No Ultramar predominava a UZI (de fabrico israelita), uma pistola-metralhadora muito mais perfeita, uma senhora arma. Nunca encravava. Mas em combate a arma comum a todos os combatentes, independentemente da graduação, era a espingarda G3, que substituiu a velha Mauser a partir de 1961. A Mauser era uma arma de repetição (modelo 937, ou seja, adoptada pelo nosso exército em 1937) mas nunca encravava. Muito resistente e fiável. A G3, mais adequada às circunstâncias por ser automática, tinha o inconveniente de se encravar se não estivesse convenientemente limpa. Como os soldados tinham consciência disso, tratavam a sua limpeza com um esmero que não precisava ser imposto pelos graduados. Pudera!
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