Praia de Bote está com dificuldade de edição, por se encontrar em processo de mudança de computador, coisa que se resolverá em breves dias. Entretanto, aqui fica um trabalho nosso amigo Arsénio de Pina sobre uma das mais fascinantes figuras do Mindelo do século XX.
Arsénio de Pina |
Há anos seguidos que venho escrevinhando para os nossos jornais, publicando livros, com assuntos que presumo de interesse para a informação dos que ainda conservam o hábito da leitura e não perderam a faculdade da oponibilidade do polegar aos outros dedos, de propostas e críticas pertinentes da minha experiência e saber profissional, e ninguém tâ cdi. Como me parece que a maioria das pessoas das nossas bandas passou a apreciar mais a paródia, festas, fenhengas e festivais para apaziguar os ânimos eventualmente exaltados e as agruras da vida arquipelágica, irei fazer uma pausa no tratamento de assuntos sérios de interesse geral para me entreter e comungar com os leitores de “Praia de Bote”, com outros temas de índole jocosa, já que, como se costuma dizer, rir é o melhor remédio, e há que melhorar o animus e a qualidade de vida do ilhéu. Apresentarei também algumas peças de “Coisas do Djunga!...” retiradas do livro com o mesmo nome do nosso filósofo do povo, como lhe chamou o Mestre Roque Gonçalves, uma homenagem minha ao Djunga Fotógrafo, hipocorístico de João Cleofas Martins, que veiculou o seu pensamento, críticas fulgurantes e pertinentes encobertas da censura oficial com o manto diáfano do humor através de programas radiofónicos da Rádio Barlavento que deliciavam os ouvintes. As quatro primeiras anedotas não têm nada a ver com Djunga Fotógrafo.
Como os mais jovens pouco sabem do Djunga, talvez não seja descabido que diga que as peças do Djunga Roupa de Pipi e Bom Senso, Quel radiô de Praça Nova, Quel degrau de scada e tantas outras eram escutadas com enorme interesse pelo povo humilde, bem como por gente graúda e autoridades. Estas não se apercebiam do fundo das críticas e nem se sentiam visadas tal a habilidade do artista na sua sátira parodiante metafórica. Nem mesmo a Censura Colonial e a temível polícia política PIDE intervinham, completamente dominados pelo fascínio do humor, não se apercebendo (talvez apercebendo-se, mas tardiamente, quando a fama do homem já era tamanha que a sua prisão levaria o povo mindelense a manifestar-se) das críticas contundentes e mensagens subversivas veiculadas matreiramente dessa guisa. A pertinência e profundidade das suas reflexões, a sua coragem e a antevisão de acontecimentos ligados ao chamado ultramar português deixam-nos pasmados, sendo lícito atribuir-lhe uma inteligência fora de série.
1 - Discurso de casamento
O nosso grande vate Eugénio Tavares era tratado, na intimidade, na sua ilha Brava, por Tatá. Contou-nos o meu pai, que era cúmplice e amigo íntimo do poeta, na década de vinte do século passado, na Brava, que um compadre pediu ao poeta um discurso bonito a proferir numa cerimónia de casamento em que era padrinho. O poeta lá lhe compôs um discurso adequado á ocasião e à cultura minguada do amigo. Este, ambicionando prosa dilatada, pomposa e mais sentimental, agradeceu ao poeta, mas confessando-lhe: Nhô Tatá, discurso sta bonito, ma ´m creba um cusa que saí más dento de mi. Claro que Eugénio Tavares não apreciou o pedido do amigo, por ter tido muito trabalho para elaborar uma prosa adaptada ao nível cultural dele, e, então, aconselhou-o: di dento di bó …, bá la, bô da um renca de pede; discurso sta feto.
Li com gosto. Conheço o livro do Arsénio sobre nhô Djunga porque o li há uns 15 anos em S. Vicente. Foi leitura muito proveitosa.
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