Adriano Miranda Lima |
Os que de fora nos visitam têm idêntica opinião. Por exemplo, um amigo meu português, que amiúde vai de férias às nossas ilhas, por gostar da nossa gente, regressou há dias da Boavista e confessou-me que não compreende por que em Cabo Verde cada um constrói a seu bel-prazer, sem regra e sem respeito por uma ideia de integração num conjunto.
O que tudo isto tem de verdade no Mindelo, será porventura ainda mais gravoso noutras cidades, como a Praia. Com efeito, estamos perante falhas clamorosas ao nível da arquitectura paisagística, no Mindelo como em outras cidades cabo-verdianas que cresceram à margem de regras que são imperativas numa cidade que se preze. A arquitectura das cidades, por princípio, deve integrar as artes criativas, as ciências naturais e as ciências sociais, e da sua conjugação resultam soluções que sempre têm de se coadunar com a história, a cultura e a traça dominante herdada do passado. Nada disto se verifica na nossa terra e a pergunta que se põe é se tudo se deve à impreparação ou incompetência dos arquitectos. Direi que não porque os nossos arquitectos têm a ciência necessária para conceber qualquer tipo de projecto.
O que sucede na nossa terra é que não há nem nunca houve rei nem roque nesta matéria, desde a independência, sobretudo a partir de 1990. Cada um faz o que lhe apetece e sempre em obediência ao seu gosto ou interesse pessoal, marimbando-se para o colectivo. Por isso, razão tem a pessoa que considera Mindelo uma vasta favela e não uma cidade que devia primar por um mínimo de bom gosto, decência e funcionalidade. E, cereja amarga em cima do bolo azedo, é essa ausência de acabamento exterior em grande parte das construções, pelo que resulta da amálgama de casas sem estética uma paisagem feia, sem graça, incaracterística, além do grave problema de se inscreverem em ruas mal traçadas, desconexas, anquilosadas, sem espaço sequer, em inúmeros casos, para fins utilitários e públicos, como acesso a ambulâncias, viaturas de bombeiros, etc.
Então, se não é uma questão de falta de arquitectos capazes, o mal só pode ser atribuível a corrupção ou demissão de responsabilidades ao nível das autarquias. A começar, pois, pelas autoridades, que não agem ou hesitam em agir de acordo com as suas competências e responsabilidades, ou que, mais grave ainda, não estabelecem baias intransponíveis entre o interesse público e o privado, dando azo a situações de duvidosa legitimidade, ou mesmo de flagrante transgressão, isto para ser mais eufemístico do que assertivo nas minhas palavras.
Foto José Carlos Marques, 2013 |
No fundo, o mal está na comunidade como um todo, na sua mentalidade de conformismo e permissividade, que é sintomática de uma insuficiente consciência cívica e identitária. A simples constatação da proliferação desses inúmeros caixotes de maior ou menor tamanho em detrimento da bonita traça colonial de muitas construções que herdámos, diz-nos de uma realidade que não podemos ignorar e temos de lastimar e condenar. Aos poucos, se não houver contenção e travão aos desmandos, as nossas cidades vão-se assemelhando a muitas grandes favelas de qualquer outra cidade africana sem história e sem passado digno de registo.
Contudo, penso que aos nossos arquitectos cabe uma particular e intransmissível responsabilidade. Pela sua formação académica, deviam ser os primeiros a agir em defesa do nosso legado patrimonial, em vez de caucionarem, activa ou passivamente, as transgressões sucessivas que nos conduziram à situação que várias fotografias do Mindelo e outras cidades vêm reportando.
É preciso ver que a oferta turística das nossas ilhas tem muito a ver com a singularidade arquitectónica das suas urbes. Podem ser pequenas e pobres, mas se se lhes tira a alma, tudo se perde. Será um erro imperdoável importar o que de pior existe lá fora, mais ainda se forem imitações grosseiras e em desconexão com a nossa realidade cultural.
Mais um artigo de grande interesse do Ilustre Cabo-Verdeano, Mindelense, que não esquece a sua terra Cabo Verde, como sucede com os que o acompanham de perto.
ResponderEliminarComo o Adriano, muitos outros - dentro e fora - têm a mesma opinião mas preferem "sofrê calod", o que é uma làstima e um convite à demolição do nosso patrimônio.
Obrigado, Amigo,
Obrigado, Praia de Bote,
Obrigado, Mnine d'Cuptania
Muito bem Adriano
ResponderEliminarTocaste numa boa tecla.
O caos urbano é um retrato da mentalidade novo-rica reinante e da incompetência das câmaras.
è o retrato da falência da alma caboverdiana e do sistema no seu todo
Merece leitura pelos responsáveis do descalabro urbano, uma componente dos vários problemas, que um sociólogo ou um psicólogo social daria um sentido sociopolitico mais preciso e mais lato.
ResponderEliminarAdriano Já é tempo dos políticos mindelense, penso aos nossos amigos de estimação, nos atribuir um doutoramento em Honoris Causa, pelas dores de cabeça que lhes temos causado em prol de SV e CV. Bolas são tantos temas tantas preocupações que aquela terrinha tem-nos suscitado
Os seguintes candidatos à liça Adriano Miranda Lima, José F Lopes, Arsenio de Pina, Luiz Silva, Valdemar Pereira. O Zizim e o Zito com direitos póstumos. Não me esqueci-me de mais nomes, mas há..
Um prémio destes espicaçava muitos outros a terem mais intervenção pública contribuir para melhorar, e sobretudo sabermos quem é quem, o que pensam do cidade, do país e do Mundo.
Temos o amigo Djack Saial com o seu incansável blogue que convido a todos uma passagem pois há assuntos muito interessantes sobre a H de CV.