segunda-feira, 24 de fevereiro de 2020

[4493] Moacyr Rodrigues fala da descaracterização do Carnaval mindelense e da sua "domesticação"

Lusa/Correio  da Manhã

Centenas de foliões desfilam no Carnaval em Cabo Verde
Festividades marcadas pelo centenário do Carnaval de São Vicente.

Dezenas de grupos e centenas de foliões vão desfilar até terça-feira no Carnaval em Cabo Verde, numa edição marcada pelo centenário na ilha de São Vicente, o mais emblemático do país, a que assistem milhares de pessoas.

O Carnaval de São Vicente completa este ano 100 anos, facto que levou ao professor e investigador Moacyr Rodrigues a recordar que antes era espontâneo, antipoder, provocador do caos e carregava uma sátira, mas passou a ser "de um grupo domesticado".

Em entrevista à Inforpress, o cabo-verdiano disse que a "intromissão do poder local", a partir dos anos 1990, acabou por "domesticar e estragar" o Carnaval.

"Agora, o Carnaval tem de seguir as regras porque recebe subsídios. Isso acaba por cortar aquela questão do combate ao poder, das críticas", analisou Moacyr Rodrigues.

Em São Vicente, a animação acontece, como habitualmente, há várias semanas, com os desfiles dos mandingas todos os domingos à tarde, atraindo milhares de pessoas às ruas do Mindelo.

O sambódromo vai ser ainda invadido pelas escolas e jardins infantis, grupos de animação espontâneos, mandingas, e uma das atracções será na segunda-feira à noite, com o tradicional desfile do grupo Samba Tropical.

Segundo o presidente do grupo, David Leite, o Samba Tropical começou a desfilar em 1989 e este ano contará com um recorde de 23 alas e mais de 1.200 foliões, em que o objectivo é superar o desfile do ano passado.

Mas todas as atenções são guardadas para a terça-feira de Carnaval, com os desfiles oficiais de cinco grupos, Flores do Mindelo, Cruzeiros do Norte (actual vencedor), Monte Sossego, Vindos Oriente e Estrelas do Mar.

Os vencedores vão ser anunciados na quarta-feira, seguido da entrega dos prémios.

Outro Carnaval emblemático acontece na cidade da Ribeira Brava, ilha de São Nicolau, e que este ano contará com desfiles de três grupos oficiais: Copacabana, Estrela Azul e Brilho de Zona.

Na cidade da Praia, este ano há desfiles de sete grupos oficiais: Vindos d´África (pentacampeão), Maravilhas do Infinito, Sambajó, Vindo do Mar, Bloco Afro Abel Djassi, Estrelas da Marinha e Deusa do Amor.

Os desfiles oficiais na Praia têm previsão para arrancar às 16:30 locais (17:30 em Lisboa) e terminar mais de cinco horas depois, e os resultados serão conhecidos no dia seguinte.

Além desses três municípios, o Carnaval vai animar outros concelhos um pouco por todo o país, também envolvendo muitas pessoas e sempre com muita animação e folia.

Para o Carnaval deste ano, o Governo cabo-verdiano disponibilizou 108 mil euros a grupos de 12 municípios, em que a maior fatia foi para São Vicente e São Nicolau.

Enquanto São Vicente vai receber cinco milhões de escudos (45,3 mil euros), São Nicolau foi contemplado com 2,4 milhões de escudos (21,7 mil euros).

O Governo cabo-verdiano, através do Ministério da Cultura, disponibilizou ainda 3,2 milhões de escudos (29 mil euros) a mais nove municípios, que se candidataram ao incentivo.

O executivo cabo-verdiano considerou ser "crucial a consolidação deste incentivo", entendendo também que vai contribuir para a "transformação da Cultura em fonte de rendimento e factor de afirmação de Cabo Verde no mundo".

7 comentários:

  1. Gostava muito de saber onde se foi buscar essa ideia de que o Carnaval de São Vicente completa um século este ano... Para além de muitas outros dados que seria preciso fornecer, uma coisa é dizer que o carnaval teve início nessa ilha no ano de 1920 e outra coisa é dizer que foi na década de 1920... Mas claro, é preciso é criar efemérides. E apresentar fontes?
    Bom Carnaval Soncent!!!

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  2. Penso que a Carmo devia ter sido um poucochinho mais explícita a respeito da data, porque desconfio que o Canaval de S. Vicente é ainda mais antigo.
    Por outro lado, e que eu saiba, o único Carnaval que havia em Cabo Verde era o de S. Vicente, onde nasceu de forma espontânea e natural por iniciativa popular e sem apoios e subídios das autoridades públicas. O Carnaval que nos últimos anos surgiu de supetão em algumas ilhas não me parece merecer qualquer interesse do ponto de vista sociológico porque é artificial e busca apenas a emulação.
    Tanto mais que, como denuncia o Moacyr, é Carnaval descaracterizado porque se limita praticamente a aplicar a receita brasileira, ou seja, do Rio de Janeiro. Até mesmo o de S.Vicente, que outrora primava pelo seus usos e costumes prórios. Não gosto de ver o Carnaval cabo-verdiano reduzido ao samba brasileiro. Ainda assim, a desconformidade é ainda maior em Portugal, onde o samba não conta com os ares tropicais que facilitam o desnudar dos corpos.
    Que saudades do "Dó di dó dó di quá"! Mas, vá lá, os Mandingas estão aí em força crescente.

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    1. A memória que tenho dos meus carnavais de 1963, 64 e 65 é de algo muito genuíno, muito da ilha, muito especial, embora houvesse grupos parecidos com os do Brasil (cujos ecos eu via na Manchete e no Cruzeiro, chegados nos Lloyd brasileiros ao Porto Grande) e até um ou outro grupo levasse um samba como música de apoio, (samba batucada como os do Adriano Delgado, por exemplo) ou marchas como as do Adriano Delgado e do Frank Cavaquim, entre outros.

      Agora, está tudo domesticado e do que me chega não vejo diferença entre o Carnaval do Mindelo e o do Brasil, o que, obviamente, não interessa. Tudo muito bonito mas pouco genuíno, muito domesticado, muito para turista.

      Posso estar enganado, estou a falar de fora, mas é o que sinto. Se não for assim, se não tiver razão, tanto melhor. Mas, tal como o Adriano, tenho mais esperança nos mandingas, esses sim, bem populares.

      Braça com farinha e apitos,
      Djack

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  3. Todos os observadores têm apontado o dedo nesta deriva do nosso Carnaval. que já é mais um negócio do que uma festa. Sinceramente tenho vergonha de ver aquelas manifestações de carnaval já totalmente abrasileiradas que nos ridiculirizam. A CMSV tem tido um papel neste fenómeno, através das iniciativas pouco suadáveis . Toma o Carnaval do Brasil como referência quando o Carnaval de SVicente 'bon enfant' genuino era muito bom à nossa escala e só precisava de mais meios e organização para ser ótimo. O governo também não é alheio a este fenómeno já que viu aí um ferramenta de manipulação.

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  4. Concordo com o meu amigo Moacyr. A autarquia meteu-se em muitas tradições que eram populares e espontâneas e acabou por "estragá-las". Dou como exemplo paradigmático, a Bandeira de São Filipe na ilha do Fogo.
    Apenas um pequeno reparo, se quisermos ser justos teremos de ir para aquém de 1990 e chegar ao antes da independência. Recordo-me miúda ainda, no Carnaval em São Vicente, as aparições rápidas e quase em passo de corrida de máscaras espontâneas coreografando pessoas e factos notáveis à época. As figuras notáveis da cidade eram quase todas gozadas com humorístico sentido crítico.
    Tudo isso desapareceu com a independência a partir de 1975. Sim, quem se atreveria a satirizar carnavalescamente brincando, parodiando as "vacas sagradas" da independência? a sacrossanta unidade Guiné-Cabo Verde, as mílicias populares ou qualquer figura grada do regime? Não. a sermos justo, nesta "domesticação" tão negativa para o espírito das festas do rei Momo teremos de ir ao antes da independência.
    Abraços
    Ondina

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  5. Correcção: Onde está: "para sermos justos, nesta "domesticação" tão negativa para o espírito das festas do rei Momo teremos de ir ao antes da independência teremos de ir ao antes da independência".
    Queria dizer: ....que teremos de recuar à data da independência.
    Ondina

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  6. As vezes tenho tido a oportunidade de conhecer por dentro alguns recantos desse nosso País, e a sensação que fico, é que esses lugares "Pararam no Tempo"; Me fazem lembrar a minha infância no lugar onde nasci, e olhem que já caminho para a terceira idade.
    Isto para dizer que, com o devido respeito pela opinião contraria, não se esta a ser justo com o nosso Carnaval.
    O Carnaval do Mindelo tem tudo do antigamente só que hoje estamos na era digital e das novas tecnologias. Senão vejamos.
    Os Mandigas lá estão e em força; As críticas sociais também estão através dos chamados grupos espontâneos com o prémio Cakoy. Hoje os grupos dão-se ao luxo de incluir robôs nos seus andores; Dá um grade contributo a economia da Ilha? Ou não!
    Podia citar muitos exemplos. Agora que me desculpem, mas não desejo que o nosso Carnaval fique "Parado no Tempo"

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