Foto Bruno Portela |
[Litania em tempos de coronavírus]
Depois, sim, que agora
estamos vivos.
Depois — quando o espirro
expirar.
Depois — quando tiveres
pó na goela.
Não agora — que agora
estamos vivos.
Antes, sim, com os braços
portentosos.
Antes - sim – de a fraqueza
noivar com eles. Depois, sim,
porque há ar no ar
e a despedida é sem desculpa
e sem tristeza.
Antes não, que te falta
o assobio e a trela,
e a cara é sem rugas,
e a morte concorda contigo,
e tudo é mão de amigo
mesmo se te espreita
o tempo inimigo.
Depois sim, que estar vivo
é cedo encarquilhar-se;
não, não agora, porque estás
no impenetrável interior,
e desconheces o limite ulterior,
e não sabes pedir por favor
o socorro amplamente publicitado.
Agora sim,
que é antes de toda a dor,
ainda no corpo tens cor,
e sobe-te à boca
centos de sabores.
Mas ainda não ao grande sim,
porque maravilha-te estar aqui
(só mais um instantinho),
embora penses na mão da eternidade
ou como é doce o despenhamento.
Antes não
— porque há a verdade
que desconheces,
e porque realmente não sabes
tudo desejas devotamente.
Não ainda — que os teus ossos
não sabem a alcatrão,
nem depois — que o esqueleto
é pertença do patrão.
Não depois,
mas agora sim,
porque tens fogo nas ventas,
mascas pó e polenta,
e o tempo inimigo te diz
que tudo se há de compor.
É um poema que se presta mesmo a este momento. Obrigado, Joaquim.
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