quinta-feira, 5 de agosto de 2021

[5115] Um divertido texto de Arsénio de Pina sobre uma das figuras mais carismáticas do Mindelo, o sr. Damatinha

Este texto foi publicado em 26 de Janeiro de 2014, com maior desenvolvimento, no blogue "Esquina do Tempo", do nosso amigo Manuel Brito-Semedo. Agora mais sintetizado (mas ainda bem sugestivo), relembra uma das figuras marcantes da história da cidade do Mindelo.

UM DOS TIPOS MINDELENSES INESQUECÍVEIS

Arsénio de Pina - Foto Joaquim Saial
Quando desempenhei os cargos de guarda-mor de saúde e delegado de saúde em S. Vicente, em 1970, houve uma epidemia de cólera, em vários países, a que tive de fazer face para evitar que a doença entrasse em S. Vicente através da Baía do Porto Grande. A acção principal era vacinar contra a cólera todas as pessoas que iam a bordo dos barcos demandando o Porto Grande.

Ao cabo de algum tempo perguntei ao agente de sanidade marítima (Centeio) encarregado do controlo da situação, como ia a vacinação dos agentes marítimos. A lista dos vacinados estava quase completa, exceptuando um único elemento, o senhor Damatinha (João da Mata), que se recusava terminantemente a ser vacinado.

Conhecia o senhor Damatinha de fama, do manancial das histórias e anedotas que lhe atribuíam, e, a partir de 1970, encontrava-me com ele, com certa frequência, no Café Rêgo, no nosso café matinal, em que sempre bebia o seu galão com um bolo de arroz e me cumprimentava com um bom aperto de mão que mais parecia de tenaz.

 Convoquei-o, devido à recusa, à Sanidade Marítima.

João da Mata "Damatinha"
Foto blogue "Esquina do Tempo"
Apareceu e mandei-o entrar, perguntando-lhe a razão por que não aceitava ser vacinado.

- Porque nunca tomei uma injecção na minha vida e já vou perto dos oitenta. Há anos, quando o seu pai foi guarda-mor de saúde neste Porto Grande – não sei o senhor doutor já teria nascido – houve uma bruta epidemia de febre amarela e não fui vacinado. Fez uma pausa e continuou: falei há dias com o Djô Figueira, que é lido nesses assuntos e ouve a BBC, que me informou que esta vacina só protege 60% dos vacinados

É verdade, caro amigo, mas já é uma protecção respeitável. Se for vacinado – e seria eu a fazê-lo – garantiria a continuação da sua boa saúde, e a mim dava um estatuto especial, de ter sido o primeiro médico a aplicar-lhe uma vacina. Não seria, caro amigo, uma beleza?

- Lá beleza seria, resmungou, olhando para o chão – e eu já estava convencido de que tinha tocado a corda sensível dos sentimentos do amigo e iria vaciná-lo – quando, como se fosse impulsionado por uma mola, se levantou da cadeira e me atirou: – mas no meu cú não mete agulha.

Não pude esconder um sorriso e chegámos a um acordo: como não tinha necessidade de subir a bordo para fazer o seu negócio, por o poder fazer do seu bote, não haveria grande perigo, pelo que condescendi em deixá-lo sem vacinação. 

1 comentário:

  1. Esta é mais uma história do Damatinha, um mindelense do mais típico que se possa imaginar. Não vou dizer que o conheci mas obviamente que ouvia falar dele. Ele era um muito ferrenho adepto do clube Mindelense. Por acaso, conheci uma filha dele na Associação de Estudantes do antigo Gil Eanes, em Lisboa, quando fui apresentar o livro sobre o Dr. Baptista de Sousa. Ela é cara do pai.

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