Como se não bastasse a pobreza, a insegurança das pessoas tem vindo a ser um problema preocupante, por mais que as autoridades o queiram disfarçar. Ainda há poucos dias, realizou-se em S. Vicente uma conferência sobre a problemática da Justiça. O mau funcionamento da Justiça é a outra face do mesmo problema. Como recebi o texto da conferência, respondi assim:
"Muito bem, e o meu aplauso pela vossa militância cívica.
No entanto, e pelo texto que li, parece-me que a conferência se centrou quase exclusivamente na inacção ou desatenção do Ministério Público face aos problemas da cidade do Mindelo, quando, a meu ver, os sintomas do mau funcionamento da Justiça terão um espectro de incidência bem mais amplo e diversificado. Não é um problema de S. Vicente, mas de todo o país.
Com efeito, é possível que os problemas tenham a sua origem num sistema legislativo anacrónico ou não ajustado à realidade concreta do país e do homem cabo-verdiano. Isto porque enfermará do inconveniente de ser importado de modelos exteriores com que não nos identificamos inteiramente, a não ser no propósito de emulação de princípios e ideais civilizacionais. Se isto é louvável, contudo é falho de pragmatismo.
Pelo que amiúde se tem lido ou ouvido nos últimos anos, tudo leva a crer que a Justiça em Cabo Verde se encontra num estado pré-comatoso, dada a sua lentidão, inoperância e ineficácia, donde resulta que não garante a boa solução dos litígios aos cidadãos e a exequibilidade da garantia dos seus direitos em tempo útil. Até a resolução de problemas comezinhos como a liquidação de uma herança leva um tempo inacreditável, e disto falo porque conheço dois casos concretos.
Assim, há que ir ao fundo do problema, o que pode revelar-se penoso e mesmo ingrato, mas que é inadiável se se quiser que a Justiça seja, na verdade, o pilar que deve ser para o desenvolvimento e o progresso do país.
Por conseguinte, a verdadeira reforma legislativa tem de partir de opções de fundo e não limitar-se a uma parafernália de remendos que acabam por resultar em ainda mais confusão ao exercício dos direitos substantivos, em vez de uma simplificação que gere leis pautadas por pragmatismo, simplificação processual, clareza e ausência de ambiguidade.
Mais, em minha opinião, e com o devido respeito para os visados, a reforma em causa não pode ser confiada a jovens recém-licenciados porque ela requer, não apenas um manancial de conhecimentos teóricos, todo um saber de experiência feito baseado num conhecimento vasto e profundo da realidade social e da idiossincrasia do homem cabo-verdiano. O mesmo se diz relativamente ao processo de formação dos juízes, visto que, sendo julgadores de homens ou da acção humana, não chega a formação académica, é preciso ter um perfil adequado a cargo de tamanha responsabilidade e delicadeza; é imprescindível toda uma experiência de vida vivida, bom senso, sentido de equilíbrio e conhecimento apurado da natureza humana.
Os partidos têm de convencer-se de que o povo merece que metam ombros a esta ingente tarefa. E é bom que os mindelenses se manifestem, como está previsto, mas o mesmo devia acontecer simultaneamente em todas as ilhas, sob pena de os mindelenses voltarem a ser acusados de agir em causa própria ou artificialmente criada, como aconteceu com a regionalização."
Como se não bastasse a pobreza, a insegurança das pessoas tem vindo a ser um problema preocupante, por mais que as autoridades o queiram disfarçar.
ResponderEliminarAinda há poucos dias, realizou-se em S. Vicente uma conferência sobre a problemática da Justiça. O mau funcionamento da Justiça é a outra face do mesmo problema.
Como recebi o texto da conferência, respondi assim:
"Muito bem, e o meu aplauso pela vossa militância cívica.
No entanto, e pelo texto que li, parece-me que a conferência se centrou quase exclusivamente na inacção ou desatenção do Ministério Público face aos problemas da cidade do Mindelo, quando, a meu ver, os sintomas do mau funcionamento da Justiça terão um espectro de incidência bem mais amplo e diversificado. Não é um problema de S. Vicente, mas de todo o país.
Com efeito, é possível que os problemas tenham a sua origem num sistema legislativo anacrónico ou não ajustado à realidade concreta do país e do homem cabo-verdiano. Isto porque enfermará do inconveniente de ser importado de modelos exteriores com que não nos identificamos inteiramente, a não ser no propósito de emulação de princípios e ideais civilizacionais. Se isto é louvável, contudo é falho de pragmatismo.
Pelo que amiúde se tem lido ou ouvido nos últimos anos, tudo leva a crer que a Justiça em Cabo Verde se encontra num estado pré-comatoso, dada a sua lentidão, inoperância e ineficácia, donde resulta que não garante a boa solução dos litígios aos cidadãos e a exequibilidade da garantia dos seus direitos em tempo útil. Até a resolução de problemas comezinhos como a liquidação de uma herança leva um tempo inacreditável, e disto falo porque conheço dois casos concretos.
Assim, há que ir ao fundo do problema, o que pode revelar-se penoso e mesmo ingrato, mas que é inadiável se se quiser que a Justiça seja, na verdade, o pilar que deve ser para o desenvolvimento e o progresso do país.
Por conseguinte, a verdadeira reforma legislativa tem de partir de opções de fundo e não limitar-se a uma parafernália de remendos que acabam por resultar em ainda mais confusão ao exercício dos direitos substantivos, em vez de uma simplificação que gere leis pautadas por pragmatismo, simplificação processual, clareza e ausência de ambiguidade.
Mais, em minha opinião, e com o devido respeito para os visados, a reforma em causa não pode ser confiada a jovens recém-licenciados porque ela requer, não apenas um manancial de conhecimentos teóricos, todo um saber de experiência feito baseado num conhecimento vasto e profundo da realidade social e da idiossincrasia do homem cabo-verdiano. O mesmo se diz relativamente ao processo de formação dos juízes, visto que, sendo julgadores de homens ou da acção humana, não chega a formação académica, é preciso ter um perfil adequado a cargo de tamanha responsabilidade e delicadeza; é imprescindível toda uma experiência de vida vivida, bom senso, sentido de equilíbrio e conhecimento apurado da natureza humana.
Os partidos têm de convencer-se de que o povo merece que metam ombros a esta ingente tarefa. E é bom que os mindelenses se manifestem, como está previsto, mas o mesmo devia acontecer simultaneamente em todas as ilhas, sob pena de os mindelenses voltarem a ser acusados de agir em causa própria ou artificialmente criada, como aconteceu com a regionalização."
Excelente!
EliminarDjack