segunda-feira, 27 de setembro de 2021

[5450] Nos 120 anos de nascimento de Nhô Roque, um oportuno texto de Manuel Brito-Semedo

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2 comentários:

  1. Nhô Roque diz-me muito porque é dos professores que mais me marcaram no ensino das disciplinas de História e Filosofia.
    Comemora-se o 120º aniversário e parece-me surreal que tanto tempo tenha decorrido desde que assisti àquela aula de História sobre o Império Bizantino que me foi ministrada por ele, já lá vão cerca de 61 anos. Era uma dessas tardes ventosas do Mindelo e ouvia-se ranger as frinchas das janelas da sala de aula. Não me esqueço deste pormenor. Naquele tempo não havia powerpoint ou projecção de imagens e esquemas num écran para servirem de suporte ou auxiliar de memória para o professor. O professor tinha toda a matéria dentro de si, não necessitando de mnemónica ou esquemas inscritos num apontamento. Guardo na memória o semblante e a pose de nhô Roque a andar vagarosamente entre as carteiras e em discurso pausado e sereno a explicar-nos as tramas políticas que aconteciam em Constantinopla e as guerras civis que levariam ao colapso do Império e à sua queda.
    Mais tarde, outro acontecimento deixar-me-ia completamente intrigado mas com razões para nutrir o maior carinho pelo nhô Roque como professor. Foi na prova escrita de Filosofia, no 7º ano, o antigo, claro. Na prova foram colocadas questões que o aluno tinha de desenvolver. Ainda hoje nem sei o que escrevi, tal o conteúdo nem sempre muito claro ou discernível das questões filosóficas. Só sei que deixei correr a pena livremente e ao sabor do que me ocorria dissertar sobre o tema. Mais tarde, expostas as pautas, tive nota alta e fiquei dispensado da oral, o que naquele tempo era um alívio, tal a natureza ingrata das provas orais de Filosofia. Fui o único aluno da frequência normal do ensino liceal que conseguiu essa proeza. Outro houve mas era aluno adulto, ex-seminarista, que foi ao exame, e que teria atributos de maturidade intelectual e de experiência que os jovens adolescentes naturalmente ainda não possuíam. Os meus colegas ficaram admirados com a minha dispensa à oral e se calhar interrogavam-se sobre as razões secretas que o determinaram. Eu é que ainda hoje não consigo explicar como nhô Roque me atribuiu semelhante classificação, tendo até admitido a eventualidade de um engano na classificação. O que digo é sem qualquer alarde ou falsa modéstia, aconteceu simplesmente. Mas foi o bastante para eu guardar uma razão bem pessoal para acarinhar o professor.
    Os livros dele li-os todos, mas Terra da Promissão não tenho bem a certeza. O livro Noite de Vento já o li vezes sem conta.
    Santo Agostino, um dos maiores filósofos cristãos de todos os tempos, disse que “o tempo é uma distensão da nossa alma, o passado é o presente das coisas em nossa memória, o presente é o presente das coisas em nossa atenção e o futuro é o presente na expectativa das coisas que virão”. A recordação que guardo de nhô Roque é um perfeito exemplo do que diz Santo Agostinho.

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    1. Texto brilhante e história que, embora pessoal, é interessante de todos os pontos de vista.

      Um "ubrigadim",
      Djack

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