FUI FELIZ NO POEMA
(Saudade de meus pais)
Sinto-me triste
uma tristeza antiga
que me implora um poema
Vida
Poema alegre
de riso rosas e pétalas
A lua brincando-me na cintura
dita-me versos alegres
pintados de fresco
prata e azul do mar
da Fajã d’Água
das casas floridas
da Vila Nova Sintra
Ah! Os cardeais rubros
de minha mãe
e os bagos de café maduro
que deliciada meto na boca
Ternura da água no vazio da alma
Meu pai ri do gesto infantil
minha mãe afaga-me os cabelos
Bagos de café alegria antiga
na casa paternal da Vila Nova Sintra
Há café coado de fresco. Vem - diz minha mãe
Meu riso de bagos vermelhos cheira a café torrado
Veste o frok – arrefeceu
cuidados de mãe
Visto vaidosa meu frok da América
conforto macio ternura e alegria antigas
Carinho de mãe mimo de menina
É Janeiro ... faço anos
fazes-me meu bolo com creme de café
mamã?
Claro que faço, Lilica
Lilica meu nome de afecto que adoro
Lilica ...
Recordo minhas gargalhadas de júbilo
lambendo o dedo lambuzado de creme de café
Avisto uma luz sobre pétalas brancas
pétalas de veludo de rosas perfumadas
Luzes
As da infância
das macias manhãs solares
paraíso secreto que descobri sozinha
Luzes e sonhos
Sonho com o sol nos lábios
pintados a ouro
Acordo de costas para a lua de prata
riso na cintura acariciando
Sílaba a sílaba palavra a palavra
verso a verso
Eis o poema
de risos e rosas e de vozes familiares
Vozes
que em silêncio embalam a tristeza antiga
riso sol lua mar ou rio
bagos vermelhos de café maduro
Bago a bago
vermelho a vermelho
no Cerco à volta da
casa de meus pais
na Vila Nova Sintra
Sou feliz no poema
Encanto
Encanto de pássaros amando-se
silêncio e sonho
Silêncio no paraíso secreto
Silêncio
Silêncio penetrando
a respiração da ilha Brava
Música
Mornas de Eugénio
Brisa morna
entregando-se como lírios
pulsante vibrante
Som ritmo
Som a som ritmo a ritmo
pétala a pétala nas ondas
do mar da Furna
Devia haver um rio
nas minhas ilhas
Rio riso brisa ritmo
encanto pétalas música e rosas
Fui feliz no poema
Carlota de Barros
Lisboa, 15 de Outubro de 2018
(“Mulheres de Março”)
O leitor fica também feliz por partilhar este belo poema da Carlota. A felicidade pode ser um momento fugaz, mas a autora tem o talento de o prolongar indefinidamente com o recurso da poesia, mais a mais porque o seu repertório de memórias de infância é um jardim que rega, cultiva e mantém florido desafiando o tempo e as suas inclemências. Estes versos são pérolas da criação poética.
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