segunda-feira, 17 de janeiro de 2022

[5883] Reflexões sobre Cabo Verde - Uma palestra de Eugénio Inocêncio, no passado dia 13 de Janeiro

Palestra sobre «Os Desafios do Desenvolvimento de Cabo Verde, por ocasião do 13 de Janeiro»

Por Eugénio Inocêncio


Prezado Presidente do MpD, Dr. Ulisses Correia e Silva, na ocorrência, igualmente Primeiro-Ministro de Cabo Verde.

Obrigado pelo amável convite, que muito me honra, para apresentar o tema «Os desafios do Desenvolvimento de Cabo Verde, por ocasião do 13 de janeiro».

Caro amigo Jacinto Santos, companheiro de tantas aventuras, sendo, sem dúvida, a maior de todas, a da Independência do nosso Cabo Verde e da experiência da construção do primeiro estado nacional.

Prezada Filomena Gonçalves, Presidente da Associação das Mulheres Democratas, campeã da defesa da igualdade do género e possuidora da visão particular trazida pela posição fundadora que as mulheres ocupam na sociedade

Caro Euclides Silva, Presidente da JpD, uma palavra especial, se me permite. Os jovens têm nesta circunstância da história de Cabo Verde um papel de grande relevo, para o enfrentamento coletivo das dificuldades e das oportunidades disponíveis. O que vos coloca perante o crucial desafio de fazer diferente, para que possam fazer a diferença na história do país e da humanidade. 

Caras e caros participantes neste importante evento de evocação.

O 13 de janeiro significou e, acredito, significa e significará sempre e acima de tudo, a liberdade para pensar e a liberdade para expressar o pensamento. 

Sobre estas duas liberdades assentam todas as outras liberdades, bem como todos os sonhos que comandam os indivíduos, as comunidades e a humanidade. 

Nomeadamente, o sonho do desenvolvimento. 

Fui desafiado pelo Presidente do MpD para falar sobre o sonho de Cabo Verde Desenvolvido, isto é, para pensar em voz alta o processo de desenvolvimento do nosso Cabo Verde. 

Os riscos e desafios para Cabo Verde, especialmente na atualidade, são enormes. Mas, igualmente as oportunidades ocupam um lugar especial no nosso horizonte coletivo.

Os tempos que vivemos são de elevado risco e, em simultâneo, de grandes desafios e enormes oportunidades. 

São tempos que funcionam como charneiras na história das nações, que ocorrem em ciclos de dezenas de anos e, em algumas circunstâncias, de centenas de anos. 

São tempos de partilha intensa e necessariamente abrangentes.

São os tempos em que se encaixam os desafios e a descoberta dos caminhos para o desenvolvimento de Cabo Verde.

De onde uma primeira conclusão, em jeito de sugestão:

A urgência do reforço institucional do Conselho de Concertação Social e, finalmente, a instalação das outras instituições de participação da sociedade civil previstas na Constituição da República, designadamente o Conselho Económico, Social e Ambiental, o Conselho das Comunidades e o Conselho para o Desenvolvimento Regional.

Caras e caros,

A pandemia evidenciou de forma extraordinária os riscos a que um pequeno país insular, de elevado valor geoestratégico, como Cabo Verde, está sujeito, mas, simultaneamente, clarificou os desafios e as oportunidades que se oferecem ao nosso país.

Ouso fazer esta afirmação, no que respeita às oportunidades: 

Cabo Verde é dos países a quem mais oportunidades se oferecem, com a saída da crise que se instalou com a Covid-19.

Nunca como neste momento estiveram tantas oportunidades disponíveis para Cabo Verde.

Mas, como sabemos, as oportunidades não são como a chuva que cai por si própria.

As oportunidades ou são trabalhadas e aproveitadas ou, assim como vêm, assim se vão embora, para outros poisos mais eloquentes. 

Falar sobre os desafios para o desenvolvimento de Cabo Verde pressupõe fazer a caraterização prévia da nossa economia.

De forma sintética, a economia de Cabo Verde apresenta as seguintes características:

O turismo é o único sector dinâmico da economia, representa cerca de 25 do PIB e é o maior empregador do país.

1. Este sector está basicamente concentrado em duas ilhas, Sal e Boavista, com mais de 80 por cento da entrada de turistas no país. Estas duas ilhas são de baixo povoamento, especialmente no momento de partida.

2. A oferta turística apoia-se no produto Sol e Mar.

3. A economia de Cabo Verde apresenta as características das economias a duas velocidades, com os sectores tradicionais, nomeadamente a agricultura, a pecuária, o artesanato e as pescas, a não tirarem o proveito devido da procura induzida pelo turismo.

4. O país apresenta altos índices de pobreza e de pobreza extrema.

5. Igualmente, tem taxas de desemprego elevadas, de dois dígitos. A taxa de desemprego jovem é particularmente elevada. A taxa de desemprego dos jovens com formação superior é relativamente elevada.

6. O país tem uma taxa de emigração elevada, principalmente jovem e, nos últimos anos, feminina.

7. Cabo Verde é um arquipélago pouco povoado e com mais de metade da população a viver numa ilha, a ilha de Santiago.

8. O êxodo rural é persistente, especialmente para a capital e para as duas ilhas turísticas.

Saltando considerações e justificações, permitam-me uma afirmação norteadora do processo de desenvolvimento de Cabo Verde.

O turismo tem hoje e continuará a ter um papel da maior importância no desenvolvimento de Cabo Verde e a sua sustentabilidade coincide, em larga medida, com a necessidade da construção da sustentabilidade da economia do país, ou seja, com o processo e os caminhos do seu desenvolvimento.

Uma economia sustentável é necessariamente uma economia inclusiva.

Isto é, que beneficia a todos, em termos etários, de género, de estrato social e das regiões. Acontece proporcionando os seguintes equilíbrios:           

1. Equilíbrio Social;

2. Equilíbrio Ambiental;

3. Equilíbrio Económico;

4. Equilíbrio Demográfico.

De tal forma que os atuais cidadãos e cidadãs se sintam bem com a economia que acontece, com a garantia de que, com elevada probabilidade, o mesmo acontecerá com as gerações que se seguirão.

Estes equilíbrios não são espontâneos e supõem o planeamento do que se pode e do que não deve ser feito, bem como, em consequência, do que se pretende fazer.

O que envolve o bem-estar das famílias e das comunidades, a criação de emprego, a geração de oportunidades e a criação, prévia e em sequência, das condições que permitem aos nacionais e aos que vivem em cada região tirar partido dessas oportunidades: 

No emprego, nos negócios, na inovação.

Importa, pois, evitar a construção de uma economia não sustentável, que conduz à desestruturação social das regiões, com graves implicações ao nível do modo de vida, da preservação e reforço da cultura e do ambiente – e consequências gravosas ao nível da segurança/insegurança das populações.

A ocorrência de economias não sustentáveis tem conduzido, em diversas regiões do planeta, ao bloqueio e retrocesso de processos de desenvolvimento, numa primeira fase prometedores. 

E em muitos casos, esse retrocesso tem sido acompanhado de complexos movimentos demográficos, com híper concentração em algumas regiões e desertificação humana noutras, bem como de intensos processos migratórios.

A construção de uma Economia Sustentável deve ter em conta, entre outros:

1. A competitividade internacional.

2. O desenvolvimento do mercado Interno, como importante complemento das trocas internacionais. 

3. A urgência da construção de uma economia a uma «única velocidade», com o planeamento e execução de um programa de articulação entre sectores, económicos e sociais, e com um forte apelo ao ensino, à formação profissional, à segurança e à saúde.

4. O combate eficaz a uma economia de mono produto: ou seja, a diversificação da economia. 

5. Para um país como Cabo Verde, o reforço da qualidade e diversificação da oferta turística, nomeadamente com o aumento do peso da cultura, da história e da gastronomia. 

6. A questão demográfica deve ser uma das prioridades do planeamento de uma economia sustentável. Prevenindo ou corrigindo as movimentações internas desordenadas, bem como as externas igualmente desordenadas. O que supõe uma clara política de imigração e uma política integrada de combate ao êxodo rural.

7. A premente necessidade da combinação harmoniosa entre o programa de atração do Investimento Direto Externo e um programa de Patriotismo Económico. 

8. Finalmente e contemplando o que foi dito atrás, em jeito de coach e liderança, a necessidade do planeamento de novas políticas económicas e sociais, de novos instrumentos e de novos procedimentos. 

Mas,

Não basta conceber e planear, é preciso agir, de forma muito precisa e rapidamente.

A Associação de Turismo de Santiago (ATS) tem estado, desde antes da sua criação, em 2018, a trabalhar alguns aspetos concretos que se inscrevem tanto na perspetiva da sustentabilidade do turismo, quanto na do desenvolvimento da ilha de Santiago e do país.

Desde logo, na perspetiva de que é a procura que lidera o funcionamento do turismo mundial, e que, por isso deve necessariamente ser incluída na conceção e sistematização das medidas e instrumentos a serem criados.

A partir desta assunção da relação entre a Procura e a Oferta, na perspetiva da construção de um turismo inclusivo e sustentável, a Associação de Turismo de Santiago selecionou um conjunto de projetos e ideias, em forte parceria com o Ministério do Turismo, diversos departamentos do Estado e as nove Câmaras Municipais da ilha de Santiago.

Destacadamente:

1. A Central de Compras de Santa Cruz.

2. Os projetos-piloto, a começar, em termos de operacionalização, pelo Projeto-piloto de Babosa, no Município de São Salvador do Mundo (Picos).

3. A ideia da necessidade da construção de dois portos multiusos, um em Pedra Badejo, para fazer a ligação rápida e com qualidade com a ilha do Maio, e um porto idêntico na Ribeira da Barca, para fazer a ligação, com as mesmas características, com Mosteiros, na ilha do Fogo.

4. Como disse acima, a sustentabilidade do turismo está relacionada, igualmente, com a capacidade do país de diversificar a sua economia e de ter sucesso no desenvolvimento de outros sectores dinâmicos e criadores de oportunidades e de riqueza. 

5. A ATS tem participado na discussão nacional em torno da criação de condições para o arranque de novas atividades económicas, com destaque para as que se apresentam com uma relação direta com o Turismo. 

6. Nomeadamente, a criação de uma Plataforma Internacional de Saúde em Cabo Verde, a criação de uma Plataforma Internacional de Serviços Financeiros em Cabo Verde, o Reforço da Economia Marítima Nacional.

7. O debate em torno de um programa articulado de Fomento Empresarial tem sido um dos elementos-chave da atividade da ATS. Dois aspetos têm merecido destaque especial, neste domínio: o estabelecimento de um Programa de Patriotismo Económico que estimule e acompanhe o empresariado nacional; a criação de um Banco de Fomento que seja capaz de dinamizar o sistema de financiamento da atividade empresarial nacional. Por último, a questão do carácter cultural do desenvolvimento e o papel central da qualidade. 

A Central de Compras de Santa Cruz 

A Central de Compras de Santa Cruz é um projeto que procura dar um contributo à luta contra a economia a duas velocidades, criando as condições para que os setores tradicionais, nomeadamente a agricultura, a pecuária, o artesanato e as pescas tenham acesso à procura induzida pelo turismo, em condições de sustentabilidade.

A Central de Compras dispõe já do primeiro estudo elaborado pela SIMAB, prestigiada instituição portuguesa que lidera os Mercados Abastecedores em Portugal.

O projeto da Central de Compras de Santa Cruz contempla três unidades a serem construídas na Achada Igreja, inicialmente ocupando um espaço de 14 hectares: um Mercado Abastecedor, um Parque Industrial e uma Feira da Banana. 

Diversos contatos foram já estabelecidos com parceiros internacionais, de vários países, disponíveis para se associarem ao projeto.

Em relação à Feira da Banana, destaque-se a instituição similar que na ilha da Madeira, há 25 anos, desenvolve um projeto semelhante e que promove a banana, para o mercado interno e o externo, e que associa mais de cinco mil agricultores. De notar que 15 por cento da banana madeirense é consumida internamente, com relevo para os turistas, e 85 por cento é exportada.

Por iniciativa do Senhor Ministro do Turismo e dos Transportes, foram retomadas as reuniões com a SIMAB.

O Projeto-piloto da Babosa

O Projeto-piloto da Babosa, na região de Picos, tem como ponto de referência especial o espetacular Pico d’Antónia.

Abrange uma comunidade rural com cerca de 850 pessoas e cerca de 180 famílias.

Apoia-se na ideia do turismo inclusivo e tem estado a ser trabalhado por uma equipa, de que a ATS faz parte, e que integra a Câmara Municipal, O Ministério do Turismo, diversos departamentos públicos e a empresa local que irá funcionar como coach do projeto, a Quinta da Vovó Joana.

A ideia básica do projeto é a identificação e o apoio sistémico a diversos micro projetos, um para cada uma das famílias, em áreas as mais diversas e adequadas, incluindo o turismo, e fazê-las funcionar em rede, local e global, com a prestação de serviço da Quinta da Vovó Joana (coach) e da Central de Compras de Santa Cruz.

Com os trabalhos já iniciados, a Associação de Turismo de Santiago foi já contatada por promotores de outros municípios, para a criação de outros projetos-piloto.

São os casos da Serra da Malagueta, que envolve o território e populações dos municípios de Santa Catarina, São Miguel e Tarrafal, da Achada Leite e da Ribeira da Barca, do Município de Santa Catarina. Diversos outros projetos-piloto, em todos os municípios, têm estado a ser discutidos com empresários locais e com representantes das Câmaras Municipais.

Uma Plataforma Internacional de Saúde em Cabo Verde

O desenvolvimento de uma Plataforma Internacional de Saúde está a ser trabalhado por uma equipa criada pelo Governo, no âmbito do programa Ambição 2030, e apresenta já resultados concretos, ao nível de identificação de iniciativas empresarias internacionais que se mostram disponíveis para «estudarem a hipótese de investir em Cabo Verde»

São três os eixos estratégicos da construção da Plataforma Internacional de Saúde em Cabo Verde:

1. Primeiro eixo: A nossa capacidade interna para construir os serviços de elevada qualidade que a prestação de cuidados de saúde pressupõe. O sucesso do combate à Covid-19 prova esta capacidade.

2. Segundo eixo: O reconhecimento e aceitação por parte dos países africanos de que esta Plataforma Internacional de Saúde em Cabo Verde é possível e desejada.

O pano de fundo deste indispensável reconhecimento foi construído ao longo dos anos. Existe e é sólido. 

A construção de uma Plataforma Internacional de Saúde terá um efeito indutor a vários níveis sobre Cabo Verde, do ponto de vista social, de bem-estar nas nossas ilhas, do ponto de vista económico e de atração de investimento para todos os sectores de atividade, desde o turismo ao sector financeiro, passando pela agricultura. 

E com uma influência marcante na modernização do ensino e da formação profissional.

3. O terceiro eixo: A organização de parcerias empresariais internacionais para garantir a oferta dos diversos serviços que integram a Plataforma. 

Relembro os subsectores que integram a Plataforma Internacional de Saúde: 

1. A Saúde para o Turista. 

2. O Turismo de Saúde. 

3. A Assemblagem de Equipamentos de Saúde e sua Manutenção. 

4. A Produção de Medicamentos e de Vacinas. 

5. A criação de um Centro de Certificação de Medicamentos e de Procedimentos Médicos em Cabo Verde. 

Na estruturação destas parcerias, a assinatura de um protocolo com a OMS é fundamental e a equipa criada para o efeito está a trabalhar nesse sentido.

Em relação aos países origem do investimento empresarial para a organização da oferta, diligências estão em curso, nomeadamente com os EUA, a China, Portugal, Israel e o Brasil.

Programa de Patriotismo Económico

Para restabelecer o equilíbrio entre o investidor nacional e o investidor externo é crucial que o Estado, em articulação com as associações empresariais, a par do Programa de atração do Investimento Direto Externo, conceba e ponha em prática um Programa de Patriotismo Económico.

Estes dois programas são fundamentais para o desenvolvimento do país. Devem ser encarados como as duas faces da mesma moeda, que devem andar a par.

O Programa de Patriotismo Económico deve assentar em dois tópicos principais:

A. Programa de Estímulo à Cooperação Empresarial nacional.

B. Programa de Apoio ao Equilíbrio entre o Investidor Externo e o Investidor Nacional.

O Banco de Fomento

O nosso sistema bancário é insuficiente para os desafios de desenvolvimento que se colocam ao país.

Os empresários nacionais sentem e sofrem essa insuficiência, todos os dias, e os empresários internacionais, que aceitaram o desafio de acreditar em Cabo Verde, também o sentem, todos os dias.

Sublinhe-se que a nossa banca comercial é competente, presta um serviço de qualidade e criou uma cobertura do território nacional digna de elogios.

A necessidade de criação de um Banco de Fomento diz respeito à natureza dos instrumentos e à premência da sua adequação aos efeitos pretendidos.

Do ponto de vista da preparação dos recursos humanos para a gestão do futuro Banco de Fomento, a acumulação de conhecimento e prática pelo grupo Pró Empresa é um ativo da maior importância e que dá confiança.

Estou convicto que a existência do Banco de Fomento e a sua ação de liderança no tocante ao financiamento das inúmeras oportunidades para um país plataforma, como é, de vocação, Cabo Verde, vai fazer melhorar o desempenho de todos o sistema financeiro nacional e, quiçá, induzir o processo de criação da tão desejada praça financeira no país.

Finalmente,

Cabo Verde dispõe de todas as condições objetivas internas e externas para construir o seu desenvolvimento, em especial com a reestruturação em curso da economia global, provocada pela pandemia da Covid-19. 

O desenvolvimento é um ato de paixão coletiva. É um ato de cultura. 

O desenvolvimento não é uma solução técnica a problemas como o desemprego, a pobreza ou as dificuldades de transporte, nem é um somatório de sucessos localizados em sectores de atividade ou regiões. 

O desenvolvimento é uma integração de ações concertadas e articuladas, que fazem convergir as expectativas com as realizações.

É uma mobilização geral das forças da nação. Que utiliza os conhecimentos e serviços da técnica e da tecnocracia, como utiliza os serviços de outros prestadores de serviço.

Muito obrigado.

Eugénio Inocêncio

Cidade da Praia, 13 de janeiro de 2022

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