segunda-feira, 18 de setembro de 2023

[7518] Três poemas de Carlota de Barros, um deles recentíssimo


SILÊNCIO!

                    PESSOA QUER DORMIR



Encontrei na página de um 

Livro de poesias de Pessoa

A folha cor de vinho de recortes finíssimos

Que caíra a meus pés submissa e linda

Naquela tarde feliz de Outono 


Doce folha que de novo me revelaste

O poema de Pessoa que me 

Entrara na alma tão subtilmente!

[...]


“Cessa o teu canto!

Cessa, que enquanto

O ouvi ouvia

Uma outra voz

Como que vindo

Nos interstícios

Do brando encanto

Com que o teu canto

Vinha até nós”

[...]


Que canto seria este, Pessoa

Melodia que não havia 

E se a lembras te faz chorar?


Essa voz, Pessoa

Encantamento

Silêncio que há a seguir

Ao canto

Alheio a ti

E a quem canta?


Ah o encantamento 

Do canto que vem

A seguir a outro canto

Quem o cantou?

Quem te fez ouvir

Para além

Do que é o sentido

Que uma voz tem?


Vozes com sentidos opostos!

Ah! Minha folha cor de vinho

Talvez essa voz te tenha seguido

Até o Livro de Poesias

Nesta terra por onde 

A alma de Pessoa divaga

Sem saberes que o fazias


Será que também provocaste em mim

Esse encantamento do canto 

Que vem a seguir a outro?

Estou a ouvir esse canto

Para além do sentido

Que a voz tem!  


Mas quem a teria cantado?

Quem teria provocado em Pessoa 

Esse encantamento

Que a mim também encanta? 


Porém Pessoa queria 

O silêncio para dormir

E eu desejo tanto o silêncio

Para descansar! 


Cessa teu canto!

Cessa!

Vem minha folha

Marca este poema de Pessoa

Que hoje reencontrei!


Um dia quero ouvir de novo

Esse canto que vem a seguir

A outro canto e encanta

Agora, Silêncio! 

Pessoa quer dormir

E eu desejo tanto descansar ...

Carlota de Barros

Lisboa, 8 de Julho de 2022



UM VOO AO BELO



Continuo a pensar 

que a rosa mais bela

com paisagem ao fundo

merece um poema

mas quem o escreverá?

Lancei a ideia.


A paisagem ao fundo 

muda diariamente

hoje fascinou-me

a inquietude da natureza


Que visão tão bela

me deu hoje a beber!

Tanta beleza para apagar

os horrores da guerra

que diariamente nos entram 

pela casa dentro!


Posso repetir que foi um voo ao belo.


Contemplo das grandes janelas da sala

nuvens negras  coração de fogo anéis dourados

variando em segundos

como se sentisse o coração agitado do sol

pulsando afogueado antes de se despedir


Fevereiro chegando ardentemente ao fim

coroas de fogo  anéis de chumbo 

crescem a meus olhos deslumbrados

a liberdade das árvores saboreando eroticamente

os últimos raios de sol

o silêncio  a música  o fervor 

que vou bebendo até à última gota


A Casa Cor-de-Rosa  terna no seu mistério

rodeada de fogo  cinza  e beijos de mel e de azul

adormecerá no silêncio dos campos verdes

e do silenciar dos pássaros abrigados nas árvores

da escuridão e do frio da noite de Fevereiro prestes a cair


A Casa Cor-de-Rosa  onde outrora o fogo vivo

aqueceu as paredes cobertas de artísticos painéis

e que ainda resiste solitária e bela convidando 

à opulência  à alegria  ao calor  ao esplendor de outros tempos

 

o sol despedindo-se meiga e nostalgicamente 

dos meus olhos e do meu coração  

magoado com as saudades 

da nossa grande casa rodeada

de ternura de meus pais e meus sete irmãos

a emoção  o amor  a cumplicidade  o calor

que durará no meu ser enquanto eu viver ....


Que voo ao belo Deus me ofereceu hoje! 

Devo-Lhe eterna gratidão ...


Carlota de Barros

Lisboa, 24 de Fevereiro, de 2023


HOJE O MEU DESEJO 

 


Escuto a longínqua 

voz da infância chamar-me

e entro de novo

no quarto da poesia

 

Desejo a luz pura da infância

o canto das tardes transparentes

o esplendor do mar

barcos    cais    velas

murmúrio de búzios

 

Desejo o brilho das coisas

que via na minha infância

o brilho das maçãs e dos abacates

das flores e dos pinheiros

e também dos peixes azuis na lagoa

 

Desejo sentir aquela luz levíssima

sobre os meus ombros erguidos

música   alegria súbita

uma alegria vinda não sei de onde

a alma   leve e limpa   

os lábios   beijos em flor

 

Desejo acordar e levantar-me ligeira

alegremente de cabeça erguida

meu riso a brilhar sorrisos 

anunciando um novo dia

lírios a abrirem-se para a vida 

alegremente como eu

 

Hoje o meu desejo

 

Amanhece

reconheço o rumor da aurora

nos meus versos   murmúrio de orvalho

música   delírio   madrugada

o canto da infância   pueril doçura 

 

Hoje o meu desejo...

Carlota de Barros

Lisboa, 16 de Setembro, 2023

8 comentários:

  1. Praia de Bote o meu Blog preferido. Os poemas têm mais brilho. Muito bem ilustrados. Obrigada.

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    1. O comentário acima é meu, Cartota de Barros. Por esquecimento não me identifiquei. Peco desculpas.

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    2. Peço desculpas por não me ter identificado . O comentário é meu, Carlota de Barros

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  2. Procurei não encontrei. Farto de prucurar vim à Praia de Bote .
    Encontrei

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    Respostas
    1. Valdas não é o segundo anônimo

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    2. Aqui, não queremos anónimos. E Valdas é tudo menos anónimo!!! Bienvenue, monsieur, venez souvent!
      JS

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  3. Cara Carlota,
    Náo se preocupe, nós percebemos quem era. Está tudo bem. Sobretudo os belos poemas que nos ofereceu.
    Bracinha

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