terça-feira, 23 de janeiro de 2024
segunda-feira, 22 de janeiro de 2024
domingo, 21 de janeiro de 2024
sábado, 20 de janeiro de 2024
sexta-feira, 19 de janeiro de 2024
[7592] Lembrar Amílcar Cabral em Lisboa (Associação Caboverdeana)
A ACV, tem o prazer dos vos convidar para Início das Comemorações do Centenário do Nascimento de Amílcar Cabral.
quarta-feira, 17 de janeiro de 2024
terça-feira, 16 de janeiro de 2024
segunda-feira, 15 de janeiro de 2024
sábado, 6 de janeiro de 2024
[7580] De Adriano Miranda Lima, um poema especial
EVOCAÇÃO DA PRAÇA ESTRELA
(Mindelo, S. Vicente de Cabo Verde)
Viajar à memória da antiga Praça estrela é varar o tempo
à procura de mantras que se dissolveram
mas que permanecem flutuando entre o vazio e o silêncio.
Oscilam entre a pulsão dos astros e os confins da mente,
representam épocas diferentes e exalam reminiscências
da salsugem proveniente do campo da antiga salina
onde se disputaram renhidos jogos de cricket entre
equipas de mindelenses e ingleses residentes.
Uma estrela deu-lhe o nome e quem sabe
o signo de libertar a alma do povo mindelense
e de vazar os desvarios ocasionais da gente anónima.
Bela no seu exotismo, tem a sedução da maresia,
o dilecto perfume que a brisa lhe esparge
sobre as palmeiras e acácias da sua vaidade.
Aqui chego precisamente à hora do sol poente,
quando o rebuliço da cidade começa a abrandar.
Os Sokols desfilaram há pouco nas imediações,
perfumando a cidade com a pompa dos seus ideais.
No ar paira ainda a estridência dos seus clarins
Que espalharam vibrações de alma
no deserto de fortuna onde florescem utopias.
A maré começara a vazar nas praias vizinhas
onde os botes repousam o seu cansaço
na ânsia de um chamamento longínquo.
O veludo da noite é cada vez mais espesso
e nele mergulham fundo os meus sentidos.
Sou refém de uma vertigem indecisa,
animado de urgência para sondar o invisível
e encontrar o veio de luz que tudo trespassa.
O rumor da cidade é um eco já em cadência esmorecida
que doravante só é audível no interior de búzios inertes
espalhados pela ourela do mar e suas proximidades.
Sinto palpitar ansiosamente o coração da noite,
que se predispõe a todas as fulgurações da fantasia.
Ouço a espaços gemidos de rabeca sulcando o ar,
que o vento sacode em perdulária diversão,
como que despeitado pelo virtuosismo alheio.
Há notícias de um baile do clube Amarante,
e para lá caminham raparigas de língua de prata
e saia plissada agitando-se ao sabor da brisa.
Nada surpreende ou frusta a expectativa
de quem percorre os meandros da noite.
Homem embriagado dialoga com a sua sombra
num esforço inútil para espantar a sua solidão.
Pouca atenção merece de dois namorados
colados à penumbra de um banco de jardim
sob o olhar cúmplice da lua feiticeira,
testemunha solitária das suas almas cativas.
Na Praça Estrela a noite adormece mas não dorme,
e nela há recantos para todos os devaneios.
Sabem-no os marinheiros que esperam pelas marés
em botequins forrados de recolhimento.
O grogue e a moreia frita estimulam o seu ânimo
e à luz mortiça as suas vozes diluem-se em burburinho.
Os seus pensamentos vogam na crista das ondas
em demanda de um porto feliz na terralonge.
Um galo da vizinhança acaba de cantar.
As pontas de cigarro começam a empalidecer
e já não são os minúsculos faróis das rotas vadias.
Os gongons da minha meninice esfumam-se
e são levados sorrateiramente pela brisa do mar
ficando-me o hálito frio e assustador da sua presença.
O apito de um vapor quebra bruscamente o meu pasmo
e a aurora exorciza finalmente o sortilégio da Praça.
Vultos difusos de trabalhadores do carvão
atravessam a agora a praça em movimento furtivo,
mal se distinguindo nas suas vestes enfarruscadas.
Nas suas marmitas é avaro o alimento do dia
mas é onde sobra o alento para outras madrugadas.
As estrelas começam a desmaiar no seu leito celestial
despedindo-se com promessa de voltar a incendiar
o silêncio e sondar os abismos da alma humana.
As sombras extinguiram-se aos primeiros alvores
e tudo em redor retoma o seu contorno real.
O que fora flutuação vaporosa diluída em meia-luz
transmuda-se agora em figura nítida
das cenas diurnas da hora solar.
Rumores vindos do porto e das ruas próximas
repercutem-se agora por inteiro no coração da praça
e engrossam a corrente viva do quotidiano.
É hora de me despedir. Faço-o com a nostalgia
do viajante que deixa o coração ancorado em cada lugar.
A Praça Estrela regurgitou a emoção da noite anterior
e está de regresso à sua perene realidade.
É seu destino ser palco de comédias e paixões,
nem que seja por um breve instante de devaneio.
Levo no íntimo a emoção da noite estonteante,
filha de uma estrela esculpida na alma do povo.