EVOCAÇÃO DA PRAÇA ESTRELA
(Mindelo, S. Vicente de Cabo Verde)
Viajar à memória da antiga Praça estrela é varar o tempo
à procura de mantras que se dissolveram
mas que permanecem flutuando entre o vazio e o silêncio.
Oscilam entre a pulsão dos astros e os confins da mente,
representam épocas diferentes e exalam reminiscências
da salsugem proveniente do campo da antiga salina
onde se disputaram renhidos jogos de cricket entre
equipas de mindelenses e ingleses residentes.
Uma estrela deu-lhe o nome e quem sabe
o signo de libertar a alma do povo mindelense
e de vazar os desvarios ocasionais da gente anónima.
Bela no seu exotismo, tem a sedução da maresia,
o dilecto perfume que a brisa lhe esparge
sobre as palmeiras e acácias da sua vaidade.
Aqui chego precisamente à hora do sol poente,
quando o rebuliço da cidade começa a abrandar.
Os Sokols desfilaram há pouco nas imediações,
perfumando a cidade com a pompa dos seus ideais.
No ar paira ainda a estridência dos seus clarins
Que espalharam vibrações de alma
no deserto de fortuna onde florescem utopias.
A maré começara a vazar nas praias vizinhas
onde os botes repousam o seu cansaço
na ânsia de um chamamento longínquo.
O veludo da noite é cada vez mais espesso
e nele mergulham fundo os meus sentidos.
Sou refém de uma vertigem indecisa,
animado de urgência para sondar o invisível
e encontrar o veio de luz que tudo trespassa.
O rumor da cidade é um eco já em cadência esmorecida
que doravante só é audível no interior de búzios inertes
espalhados pela ourela do mar e suas proximidades.
Sinto palpitar ansiosamente o coração da noite,
que se predispõe a todas as fulgurações da fantasia.
Ouço a espaços gemidos de rabeca sulcando o ar,
que o vento sacode em perdulária diversão,
como que despeitado pelo virtuosismo alheio.
Há notícias de um baile do clube Amarante,
e para lá caminham raparigas de língua de prata
e saia plissada agitando-se ao sabor da brisa.
Nada surpreende ou frusta a expectativa
de quem percorre os meandros da noite.
Homem embriagado dialoga com a sua sombra
num esforço inútil para espantar a sua solidão.
Pouca atenção merece de dois namorados
colados à penumbra de um banco de jardim
sob o olhar cúmplice da lua feiticeira,
testemunha solitária das suas almas cativas.
Na Praça Estrela a noite adormece mas não dorme,
e nela há recantos para todos os devaneios.
Sabem-no os marinheiros que esperam pelas marés
em botequins forrados de recolhimento.
O grogue e a moreia frita estimulam o seu ânimo
e à luz mortiça as suas vozes diluem-se em burburinho.
Os seus pensamentos vogam na crista das ondas
em demanda de um porto feliz na terralonge.
Um galo da vizinhança acaba de cantar.
As pontas de cigarro começam a empalidecer
e já não são os minúsculos faróis das rotas vadias.
Os gongons da minha meninice esfumam-se
e são levados sorrateiramente pela brisa do mar
ficando-me o hálito frio e assustador da sua presença.
O apito de um vapor quebra bruscamente o meu pasmo
e a aurora exorciza finalmente o sortilégio da Praça.
Vultos difusos de trabalhadores do carvão
atravessam a agora a praça em movimento furtivo,
mal se distinguindo nas suas vestes enfarruscadas.
Nas suas marmitas é avaro o alimento do dia
mas é onde sobra o alento para outras madrugadas.
As estrelas começam a desmaiar no seu leito celestial
despedindo-se com promessa de voltar a incendiar
o silêncio e sondar os abismos da alma humana.
As sombras extinguiram-se aos primeiros alvores
e tudo em redor retoma o seu contorno real.
O que fora flutuação vaporosa diluída em meia-luz
transmuda-se agora em figura nítida
das cenas diurnas da hora solar.
Rumores vindos do porto e das ruas próximas
repercutem-se agora por inteiro no coração da praça
e engrossam a corrente viva do quotidiano.
É hora de me despedir. Faço-o com a nostalgia
do viajante que deixa o coração ancorado em cada lugar.
A Praça Estrela regurgitou a emoção da noite anterior
e está de regresso à sua perene realidade.
É seu destino ser palco de comédias e paixões,
nem que seja por um breve instante de devaneio.
Levo no íntimo a emoção da noite estonteante,
filha de uma estrela esculpida na alma do povo.
Bela e emotiva poesia...
ResponderEliminarSeja-me permitido descrever um pouco da historia da famosa P Esrela:
»... O primeiro nome do largo foi Salinas, isto porque um comandante militar quis lá fazer exploração de uma salina em toda a área..." Na década de cinquenta do século XIX funcionou como cemitério onde foram sepultadas as vitimas do surto de cólera que assolou a ilha, sendo uma delas o Consul Inglês, John Rendall, que faleceu a 30 de Novembro de 1854..."
"... Em 1880, por questão de saúde pública, foi exigido secar o pântano do subsolo e foi nesta altura que se transformou o local em Campo Desportivo..." Abandonado com a construção do Estadio de Futebol da Fontinha em 1929/30..
" ... Acabou por ganhar nova vida com o movimento SOCOL " ..Praça reconstruída
em 1940 com um coreto de musica e um obelisco em honra dos desporistas Mindelenses ...
..." Sendo o seu nome oficial Largo Almirante Reis, mas em 1975 passou a chamar-se " Praça da Independência"
Hoje. é um amplo mercado" ..."
Corrijo: " coreto" é de musica... meme!
ResponderEliminarAgradeço ao Artur Mendes a excelência do comentário. Há pormenores da sua descrição que eu não conhecia, como o do antigo cemitério. Penso que foi uma decisão lamentável a transformação da praça num espaço de mercado. Trocou-se uma memória por um prato de lentilhas. Que o Artur venha sempre ao PdB porque o valoriza com os seus comentários.
ResponderEliminarJá não me recordo se foi nos finais dos anos 70, ou início de 80, do século passado um recém-nomeado Delegado do Governo do PAIGC/PAICV teve a infeliz ideia de fazer um muro a volta da Praça Estrela como forma de fazer varias atividades recreativas e não só, com intuito de talvez gerar receitas ou, também "animar" a cidade.
ResponderEliminarEntretanto, numa das suas vindas que o já falecido Dr. Onésimo "Cuxim" fazia a São Vicente, deparou com tal aberração, revoltou-se de maneira que é o seu timbre, levando este delegado a mandar prender o "Cuxim", enviando-o para cadeia da Ribeirinha juntamento com outras pessoas cúmplices na manifestação.
Pouco tempo depois, veio ordens expressas da cidade da Praia para que o fosse urgentemente libertado, e na sequência o delegado não sei se demitiu, ou foi demitido do cargo.
E foi o emérito dr "Cuxim", que transformou a Praça de Estrela num grande mercado "de tude o que é vendável" .. tendo . para isso, contado com a ajuda de várias entidades internacionais para montar as barracas"
ResponderEliminarMercado - feira, de cariz internacional
ResponderEliminarInaugurado .24 Setembro 1999 --- Com as parcerias : Cooperação Suiça,Canadiana,Francesa, União Europeia, e das Camaras Municipais do Porto e Portimão( Portugal) !