sexta-feira, 10 de junho de 2011

[0066] Porto Grande: 50 anos de cais acostável

(clique na imagem)
Comemoram-se este ano os 50 anos do cais acostável do Porto Grande de S. Vicente. Data bonita e de facto assinalável, dado o significado daquele F virado ao contrário fronteiro ao Monte Cara…

Palmilhei-o vezes sem fim, de dia e à noite (a pé ou no velho Ford Anglia de família), só por mero prazer de pisar o seu solo de betão e apanhar a brisa marinha no rosto ou devido à chegada ou partida de palhabotes, paquetes e barcos de guerra. Ali entrei no navio-escola “Sagres”, em passagens pelo porto, no contratorpedeiro “Lima”, nos navios hidrográficos “Almeida Carvalho” e “Pedro Nunes”, que no local se quedavam (o último menos, que a Guiné era dele mais frequente poiso), e em quase todos os navios de cabotagem a que o meu pai ia, por dever de serviço. Para além de muitos navios-patrulha (melhor dizendo, Lanchas de Fiscalização Grandes) e lanchas de desembarque que do Continente iam para a guerra na Guiné e no Porto Grande faziam escala: "Argos", "Cassiopeia", "Centauro", "Dragão", "Escorpião", "Hidra", "Lira", "Orion", "Pégaso", "Sagitário", "Alfange", "Cimitarra", "Aríete" e "Montante", todos observei à chegada às águas de Cabo Verde. E ali vi, por alturas de 1963, o gigantesco “Mauretania” (perto do seu abate, em 1965), de tal modo grande que teve de atracar do lado de fora do cais acostável, virado para o Djéu dos Passo (ilhéu dos Pássaros). Não esquecendo os japoneses Maru, da pesca do atum com aqueles homens pequeninos e silenciosos, calçados com botas de borracha ou chinelos de sola de pau forrados a palha… e o “Manuel Alfredo” e o “Alfredo da Silva”, da Sociedade Geral, ambos de também saudosa memória e muitos outros…

E ali pesquei (pouco, que nunca tive grande habilidade para tal), corri, saltei por cima de sacos de pozolana vindos de Santo Antão e roubei bananas de cachos destinados à Europa. Sempre com o meu cão e amigos do peito, como o Alexandre Bintim ou o Pikau. Grandes e inesquecíveis tempos, portanto.

Uma figura que não posso deixar de evocar e que teve importância crucial na feitura deste cais e na do do Porto Novo foi o encarregado senhor José Maria Marques (já falecido), nosso amigo para sempre, bem como a esposa D. Noémia e os dois filhos, o José Carlos (meu colega de escola no Lombo e no Liceu Gil Eanes) e o João, de quem ainda sou amigo e que visito e me visitam. Moravam numa ruazinha perpendicular à actual Rua Franz Fanon, segunda a contar da Rua Machado (hoje Av. Baltasar Lopes da Silva). Funcionário estimado e altamente responsável da Empresa Construções Técnicas (já desmantelada, que tinha sede na Av. 24 de Julho, Lisboa), dele há muito suor, preocupações e empenho naquela obra que honra o Mindelo e dele faz hoje parte integrante.

Esq. p/ Dt.ª - José Maria e Noémia Marques e meus pais, Maria Teresa e Narciso. Em baixo, junto a uma bóia/pneu, eu (o mais alto)e o João Marques - 1.11.1963, praia da Baía das Gatas (clique na imagem)
































Troquei em tempos recentes correspondência com o administrador do Porto Grande, Jorge Pimenta Maurício de quem agora sou amigo e que me fez o favor de me enviar o logótipo destes 50 anos que durante 2011 se comemoram. Como ele me disse, «o dia do aniversário comemorou-se apenas internamente e com todos os trabalhadores» havendo no entanto «um programa que envolve várias actividades culturais, desportivas, etc.»

Postal ilustrado da segunda metade dos anos 60 do século XX - O barco branco é o "Alfredo da Silva". O 4.º a contar da parte inferior da imagem é o rebocador "Damão" (clique na imagem)
Ao povo da minha ilha de S. Vicente, aos milhares de marinheiros que àquele cais atracaram e atracam e ao Jorge Maurício envio um abraço fraterno e os desejos de que aquela importantíssima infra-estrutura portuária continue a servir o desenvolvimento do Porto Grande e de Cabo Verde.

Finalmente, aqui ficam para memória duas notícias do extinto “Diário Popular”.

13.JUNHO.1960
Pág. 5 – [notícia na página “Ultramar”] CABO VERDE. CAIS ACOSTÁVEL NA ILHA DE S. VICENTE – Praia, Junho (do nosso correspondente) – Com intensa e profunda alegria se noticia que os barcos patrulhas da marinha de guerra portuguesa “Madeira” e “Santiago”, sob o comando do capitão-tenente António Benard Costa Pereira, acostaram ao cais em construção na ilha de S. Vicente, estabelecendo ligação com a terra.

9.JULHO.1961
Pág. 5 – CABO VERDE. INAUGURARAM-SE FESTIVAMENTE AS OBRAS ACOSTÁVEIS DO PORTO DE S. VICENTE – São Vicente de Cabo Verde (do nosso correspondente) – Esta cidade viveu jubilosamente o dia da inauguração das obras acostáveis do seu Porto Grande que constituíam um velho anseio, hoje consumado numa realidade palpável sob a direcção de engenheiros portugueses.

O acto inaugural revestiu-se de singular elevação, com a presença do governador, tenente-coronel Silvino Silvério Marques, que presidiu, ladeado na tribuna, pelo bispo da diocese, que lançou a bênção ao cais, comandante militar e juiz da comarca.

O funcionalismo e a população acorreram ao acto, ovacionando o eloquente discurso do governador e dos oradores que o antecederam.

Ergueram-se vivas ao Presidente do Conselho e ao antigo ministro Sarmento Rodrigues, que mandou firmar o contrato para a execução da grandiosa obra.

O navio de guerra “Lima”, festivamente embandeirado em arco, acostou ao cais número quatro, e o navio-motor da Sociedade Geral, “Manuel Alfredo”, ao cais número oito, realizando-se a bordo deste último um lauto banquete em que participaram numerosos convidados.

3 comentários:

  1. Adriano Miranda Lima11 de junho de 2011 às 01:05

    Adorei ler o registo desta efeméride feito pelo Joaquim Saial com o brilho e o sentimento que sempre põe na evocação das suas memórias de infância. Já lá vão 50 anos, caramba. Eu era um rapazola de 17 anos quando tudo isto se passou. Lembro-me perfeitamente das sensações que me invadiram nesse dia quando me desloquei para assistir à inauguração festiva. Ainda estou a ver o contratorpedeiro Lima a atracar no cais e a figura bastante alta e elegante do seu comandante, envergando a farda nº1 da marinha, com a espada à cintura, a dirigir-se para o palanque da cerimónia. De facto, apreciei ver o seu magnífico porte militar. Há poucos anos, vi uma foto do então comandante do Ildut, que também atracou, envergando a farda de capitão de palhabote com que ele se apresentou nesse dia para a cerimónia. Fiquei surpreendido porque desconhecia que eles usassem fardas tão apresentáveis.
    Um triste acontecimento que ocorreu durante a construção do cais e de que não me esqueço. Um jovem engenheiro civil (da Metrópole) morreu ao exemplificar ao operador de um caterpillar como devia proceder para uma certa manobra. Aconteceu que, estando a máquina à beira de um declive, ela resvalou e capotou causando a morte do engenheiro. Este episódio causou grande consternação porque o rapaz era muito estimado.
    Muito percorri também esse cais para ver os navios nele atracados.
    Obrigado, Joaquim, por estas saudosas memórias que ora nos traz.

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  2. Existem factos gravados nas páginas do livro da vida que uma pessoa nunca esquecerá enquanto viver com a sua memória intacta e esta lembrança do nosso amigo/irmão Djack Saial constitui um dos episódios mais relevantes que registei pois não foi só a "inauguração das obras acostáveis do Porto Grande que constituíam um velho anseio, consumado numa realidade" como fui um espectador activo na qualidade de membro da Comitiva que ali se deslocou para representar a Comunidade de Dakar.
    Além do signatário (que a dirigia) estavam ainda o sanicolaense António Almeida (Toi Cláudio) e o santiaguense Naturino Alves, membros activos da comunidade, ambos falecidos na capital senegalesa há bem poucos anos.
    Nós, os três, fomos primeiramente recebidos pelo Governador de Cabo Verde, Silvino Silvério Marques, tendo seguido depois outros contactos oficiais com o Presidente da Câmara do Mindelo, o inesquecivel Dr. Henrique Teixeira de Sousa e o Administrador Civil, Sr. Luís Rendall que deixou saudades e obras no Fogo. O Administrador nos receberia num jantar oficial onde, além de outras figuras de destaque locais e de fora, encontrava-se o meu eminente amigo Dr. Nuno Álvares de Miranda, pessoa de cuja amizade nunca mais perdi e com quem tenho a honra de falar amiúde, embora a distância.
    A ocasião foi ainda propicia para encontrar amigos e ex-condiscipulos que deixara sete anos antes de abalar para terra longe, que me ajudaram a esquecer por momentos, a saudade que minava.
    De realçar também uma inesquecivel manifestação cultural de muito nível, que mereceu os mais altos encômios, no Palàcio do Governo onde actuou, entre outros, os "Jograis do Mindelo" sob a batuta do meu ex-condiscipulo Dr. José Pinto, na altura professor do Liceu.

    Pena não ter visto na altura o Djack, ainda "filho adoptivo" de S.Vicente que espero ver muito breve "Cidadão Honorário da Cidade do Mindelo" pelo amor e pela dedicação que vota à nossa (sua) terra Cabo Verde.
    Obrigado, Amigo Prof. Joaquim Saial, pelo sua amizade e pelo amor e tudo quanto faz para enaltecer a terra onde viveu num dos seus mais belos períodos.

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  3. Um grande abraço ao Adriano e ao Val, pela simpatia da prosa e pela adição de dados que muito enriqueceram esta notícia. Gente que sabe, sabe e é "sabe".

    Aquel braça desse mondrongue de Praia de Bote,
    Djack

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