Nunca tinha ouvido falar de Aristides Pereira senão depois dos acontecimentos que se seguiram ao 25 de Abril. Tive ocasião de o ver duas vezes. A primeira, estava eu no aeroporto de Lisboa, na companhia de um tio meu, à espera de um familiar que vinha de Cabo Verde. Entre as pessoas que desembarcaram, vinha o antigo Presidente e os seus acompanhantes, para uma visita oficial a Portugal. O meu tio então apontou-mo e disse-me que foram colegas no Gil Eanes. Não sei se a memória me falha, mas julgo que o meu tio fez questão de o cumprimentar, embora ele, o meu tio, tivesse vindo viver para Portugal praticamente forçado pelos distúrbios revolucionários. Em 2003, voltei a ver o Aristides Pereira na Praia, quando já não exercia o cargo. Estava eu no hall de um hotel e entrou o antigo Presidente, e numa passada ágil dirigiu-se à Recepção. Como lá estavam outras pessoas a serem atendidas, aguardou calmamente pela sua vez, sem ter exteriorizado o mínimo gesto de imposição da prioridade que seria normalmente exigível a um ex-presidente. Nem as duas moças da Recepção mostraram qualquer intenção de priorizar o atendimento ou sequer mostrar de um mínimo de deferência. E a verdade é que, chegado o momento, uma delas atendeu o ex-presidente nos mesmos modos como o faria a uma pessoa comum. Do sofá em que eu estava sentado, assisti a tudo, reflectindo. E tirei duas conclusões. Uma, a democracia era um facto em Cabo Verde. Outra, o ex-presidente, Aristides Pereira, denotava ser um homem simples, discreto e modesto, portanto um Homem Grande, coisa impossível de ver em certa África. Escuso dizer que, embora não conhecesse nem tivesse algo a ligar-me politicamente ao ex-Presidente, a minha condição de militar desencadeou-me uma instintiva reacção de respeito pela hierarquia. E por momentos interroguei-me se não me devia ter levantado à sua passagem para o cumprimentar. Não o fiz. Mas hoje arrependo-me disso, pois sentir-me-ia hoje mais confortado se o tivesse feito. Sobretudo depois de ter verificado que uma figura histórica de Cabo Verde, que se sacrificou e lutou pela sua independência e exerceu o mais alto cargo da magistratura, soube voltar à simples condição de cidadão comum, vivendo uma vida modesta, humilde e pacata o fim dos seus dias. A partir desse encontro no hotel, passei a simpatizar com Aristides Pereira e aumentou sobremaneira o meu respeito por ele. Que Deus o tenha à sua guarda!
Nunca tinha ouvido falar de Aristides Pereira senão depois dos acontecimentos que se seguiram ao 25 de Abril. Tive ocasião de o ver duas vezes. A primeira, estava eu no aeroporto de Lisboa, na companhia de um tio meu, à espera de um familiar que vinha de Cabo Verde. Entre as pessoas que desembarcaram, vinha o antigo Presidente e os seus acompanhantes, para uma visita oficial a Portugal. O meu tio então apontou-mo e disse-me que foram colegas no Gil Eanes. Não sei se a memória me falha, mas julgo que o meu tio fez questão de o cumprimentar, embora ele, o meu tio, tivesse vindo viver para Portugal praticamente forçado pelos distúrbios revolucionários.
ResponderEliminarEm 2003, voltei a ver o Aristides Pereira na Praia, quando já não exercia o cargo. Estava eu no hall de um hotel e entrou o antigo Presidente, e numa passada ágil dirigiu-se à Recepção. Como lá estavam outras pessoas a serem atendidas, aguardou calmamente pela sua vez, sem ter exteriorizado o mínimo gesto de imposição da prioridade que seria normalmente exigível a um ex-presidente. Nem as duas moças da Recepção mostraram qualquer intenção de priorizar o atendimento ou sequer mostrar de um mínimo de deferência. E a verdade é que, chegado o momento, uma delas atendeu o ex-presidente nos mesmos modos como o faria a uma pessoa comum. Do sofá em que eu estava sentado, assisti a tudo, reflectindo. E tirei duas conclusões. Uma, a democracia era um facto em Cabo Verde. Outra, o ex-presidente, Aristides Pereira, denotava ser um homem simples, discreto e modesto, portanto um Homem Grande, coisa impossível de ver em certa África.
Escuso dizer que, embora não conhecesse nem tivesse algo a ligar-me politicamente ao ex-Presidente, a minha condição de militar desencadeou-me uma instintiva reacção de respeito pela hierarquia. E por momentos interroguei-me se não me devia ter levantado à sua passagem para o cumprimentar. Não o fiz. Mas hoje arrependo-me disso, pois sentir-me-ia hoje mais confortado se o tivesse feito. Sobretudo depois de ter verificado que uma figura histórica de Cabo Verde, que se sacrificou e lutou pela sua independência e exerceu o mais alto cargo da magistratura, soube voltar à simples condição de cidadão comum, vivendo uma vida modesta, humilde e pacata o fim dos seus dias. A partir desse encontro no hotel, passei a simpatizar com Aristides Pereira e aumentou sobremaneira o meu respeito por ele. Que Deus o tenha à sua guarda!