sábado, 29 de setembro de 2012

[0256] NOVO TEXTO DE ADRIANO MIRANDA LIMA, PRIMEIRO DE UMA SÉRIE

TROPAS EXPEDICIONÁRIAS PORTUGUESAS A CABO VERDE NO PERÍODO DA SEGUNDA GUERRA MUNDIAL

1 - Introdução

Adriano Miranda Lima
O blogue “Praia de Bote”, conforme o seu estatuto editorial, tem sido difusor de notícias e memorial de factos e acontecimentos que têm a ver com o lugar castiço a que foi buscar o nome, mas não se coibindo de irradiar o seu mantra para a cidade do Mindelo ou a ilha como um todo. Daí o reivindicar, com inteira razão, a sua condição de coração do Mindelo.

E em que medida interessa o assunto em título, perguntará o leitor. Com razão se pergunta, e eu explico. É que as Tropas Expedicionárias que no período da II Guerra Mundial encheram o Mindelo foram grandes protagonistas da história da ilha naquele preciso contexto, e de uma forma tão mutuamente partilhada que na memória das populações e na dos próprios militares ficaram para sempre impregnadas as mais gratas recordações. Neste e em alguns posts subsequentes falarei do envolvimento dos militares com as gentes locais e de acções de tocante solidariedade humana numa altura em que a fome ceifava vidas nas nossas ilhas porque as carências eram gritantes.

Se isto não é história, pergunto então o que é ela.

Mas não sou propriamente parte inocente em tudo o que vou contar. Há duas circunstâncias que me impelem a abordar este tema. Uma, é o facto de eu residir em Tomar, a minha segunda terra, onde viviam até há alguns anos atrás muitos ex-militares (soldados, cabos e furriéis milicianos, principalmente) que integraram as forças expedicionárias e que regularmente promoviam convívios para recordar aqueles tempos da sua mocidade. Se ainda sobrevivem alguns, serão já em número escassíssimo, e muito debilitados fisicamente, pois a lei da vida pesa mais que a vontade. A outra circunstância prende-se com o facto de ter sido o regimento da minha vida, o RI 15 de Tomar, uma das unidades-mãe de forças militares integrantes daquela missão nas ilhas atlânticas, tal como o viria a ser mais tarde, e em grande escala e diferente circunstância, quando rebentou a guerra colonial em 1961. Ora, acontece que não só ajudei a reescrever a história do meu Regimento há uns 30 anos como dei particular destaque ao episódio do Batalhão de Infantaria 15 expedicionário a Cabo Verde. Por outro lado, também como oficial do Regimento, fui, em 1984, designado como elemento de ligação com as comissões de convívio dos antigos militares expedicionários, em tudo o que lhes pudesse ser fornecido de memória documental, de apoio logístico e de solidariedade afectiva. Na altura, era eu major e o meu comandante de regimento, sabendo que sou cabo-verdiano de origem, entendeu que dava o tiro na mouche ao nomear-me para aquele encargo. E não me fiz rogado porque as circunstâncias se conjugavam, de facto, para eu satisfazer um anseio do coração e partilhar a emoção de reviver um episódio da história através do testemunho oral daqueles veteranos.

Mas vamos a um breve registo histórico:

Como é sabido, Portugal não teve qualquer envolvimento na Segunda Guerra Mundial, tendo optado por uma posição de neutralidade que se manteve durante todo o conflito. No entanto, sabedor da importância estratégica das suas ilhas atlânticas, designadamente, os arquipélagos dos Açores, da Madeira e de Cabo Verde, alvos apetecidos por qualquer dos contendores, Portugal entendeu que seria curial guarnecer aqueles territórios com forças militares suficientes para dissuadir qualquer veleidade por parte dos beligerantes. O conflito desenrolava-se intensamente no oceano Atlântico, palco de batalhas navais, de afundamento de navios mercantes e de perda de vidas humanas.

Cena de actividade naval no Atlântico - Foto Internet
Cena de combate terrestre na Europa - Foto Internet
O conflito assumira uma dimensão considerável no Atlântico e aqueles arquipélagos eram, com efeito, detentores de elevado potencial estratégico, sobretudo do ponto de vista aeronaval. Uma fraca presença militar de forças nacionais poderia indiciar um sintoma de desleixo, susceptível de encorajar uma ocupação estrangeira à revelia do direito internacional, em manifesto atropelo da soberania portuguesa.

Lisboa. Apoio à neutralidade portuguesa na II G. M. - Foto Internet
Foi assim que o Governo determinou o envio de forças expedicionárias para aquelas ilhas. Essas forças atingiram, em ambos os territórios, efectivos muito elevados de forças militares das diferentes armas e serviços do Exército: infantaria (a mais numerosa, e por isso conhecida como a rainha das armas), artilharia, engenharia e serviços.

Continua…

Tomar, 25 de Setembro de 2012
Adriano Miranda Lima

3 comentários:

  1. Feliz ideia a do Adriano se servir do Praia de Bote para falar das Forças Expedicionàrias Portuguesas que estiveram em Cabo Verde.

    Ê-me grato ler o que aqui está e é com ansiedade que aguardo a continuação pois ASSISTI a chegada da tropa no Cais Novo, facto que ficou registado para sempre na minha memória de criança. De muita coisa me lembro mas nada será como os que virão com o trabalho do Adriano que é de buscas em arquivos e, portanto, nada tem estorinhass contadas e factos vividos. Todavia... tudo vai ser interessante.
    Braça
    V/

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  2. Adriano boa iniciativa: é bom rememorar estes acontecimentos da história da nossa ilha S.Vicente e de Cabo Verde. A história de Cabo Verde está indissociável da história de Portugal por factos concretos decorridos ao longo da História, como estes relativos aos acontecimentos da II Guerra Mundial do sec. XX. Não se pode apagar a história e as suas raízes para reescrever uma nova versão que interessa aos políticos de circunstância, da mesma maneira que pretender reformar o nosso crioulo e erradicar a língua portuguesa de Cabo Verde é uma extravagância megalómana. São as mesmas pessoas a obrar nestes processos de descaracterização da nossa ilha e de Cabo Verde. Enquanto houver ‘mohicanos’ com tu podemos dizer que ainda sobra algum resto de Cabo Verde.
    José Fortes Lopes

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    Respostas
    1. Temos de ir insistindo, com esperança de sermos ouvidos. Gente culta e ilustrada não falta nas ilhas. Porém, estamos em época de defeso de actuações. Não se actua. Sabe-se da coisa, mas não se mexe palha. Vê-se a coisa, mas assobia-se para o lado.

      Contudo, acredito que há-de haver um novo dia de Ambrose, acredito que há-de. Sem tumultos, sem pilhagens, mas utilizando a força da razão, na defesa do património palpável e imaterial das ilhas, particularmente da que mais nos empolga, a de S. Vicente.

      O Monte Cara há-de acordar, MESMO. Acredito que sim! Para ajudar ao despertar, existem o PRAIA DE BOTE e os que nele escrevem. Será uma gota de água na água da baía? Será um grãozinho de areia na areia da Baía das Gatas ou da Lajinha? Será uma notazinha dissonante metida no meio da pauta de uma morna? Talvez. Mas pelo menos fazemos o nosso dever.

      Braça espevitadora,
      Djack

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