terça-feira, 1 de janeiro de 2013

[0300] Meio século (exacto!) depois...



Hoje de manhã, acordei ao som de música viva. Não a habitual, da Rádio Barlavento ou da Rádio Clube do Mindelo, mas outra igualmente boa, de filarmónica, alegre e cristalina, saída dos instrumentos da Banda Municipal de S. Vicente e das gargantas dos seus intérpretes, treinadas por nhô Reis, o mestre. Sim, abri ali a segunda janela dos anexos da Capitania, aquela onde vai o homem com o saco branco na mão, que é a do meu quarto, e deliciei-me com uma marcha cujo nome infelizmente já não recordo - afinal de contas, a coisa passou-se há 50 anos... Entretanto, apareceu a minha gente: o meu pai (a quem de facto se destinava no momento a homenagem), a minha mãe e a minha tia-bisavó - que deram o ar da sua graça acenando e agradecendo ao conjunto que assim nos prendava com aquela melodia inesperada.


O meu pai foi buscar uma nota de vinte escudos (ou terão sido dez paus?) que deu a um dos excutantes, eles agradeceram, a banda seguiu para o lado da Praia de Bote, parou junto à Casa Figueira, onde se repetiu a cena, e por ali adiante, até à Alfândega, de onde deve ter seguido para a Rua de Lisboa ou para a do Telégrafo... 


Do momento, sobraram a foto e o cartão que hoje se divulga pela primeira vez, ao contrário daquela, já conhecida mas que vem sempre a propósito em dias "1 de Janeiro", sobretudo neste em que se perfaz meio século do cartão e da foto... revelada na Foto Melo, obviamente...

12 comentários:

  1. Bom Ano Djack


    Tens um arquivo pessoal como poucos ... para não dizer único. Será dificil encontrar alguém com um cartão destes ainda por cima bem conservado.

    Na foto, Soncente de outros tempos, com outros sentimentos, havia mais confiança e menos abusos, como descreveu Frusoni, e as pessoas eram mais agradecidas. Mas eram tempos dificeis, o povo vivia com dificuldades e pobreza no seu dia a dia mas com uma certa dignidade neste viver, já havia a ameaça de uma guerra no horizonte (que anos antes o Dr. Adriano já avisara ser provável se não houvesse mudanças, e, como sabemos, não houve) mas ninguém podia saber que a guerra iria começar neste mesmo mês de Janeiro de 1963.



    João Nobre de Oliveira

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  2. Caro João,

    Daqui em direcção a Macau, segue um grande abraço para ti, teus familiares e também para o nosso amigo comum Bitchenta e esposa (dá-lho quando os encontrares). De facto, a coisa começou com a minha mãe que tinha uma grande adoração por Cabo Verde e guardou tudo que foi possível e de lá era originário. E eu, como historiador, por dever de ofício e também por gosto, mantive o labor armazenativo.

    Baseado nesses materiais, o PRAIA DE BOTE continuará a dar o seu modesto contributo para o levantamento das memórias da vicentina ilha em 2013 e "et coetera".

    Um bom ano do Dragão é o desejo do teu amigo
    Djack

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  3. Quanto à guerra, foi um desnecessário e trágico acidente de percurso. Seja como for, embora com todos os erros cometidos, Portugal teve o condão de, acabada a luta nas três frentes, ter ficado como país amigo daqueles em 75 nascidos, com cujos povos a tinha travado. Isso aconteceu poucas vezes, muito poucas, na história universal. Veja-se os casos da Índia, da Argélia, do Vietname... A verdade é que Portugal, mesmo quando faz asneira, esta é sempre menos grave que as dos outros em circunstâncias semelhantes. Antes isso, antes isso...

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  4. Em 1962/63 ja nao estava em S.Vicente mas lembro-me da banda do senhor Reis, especialmente quando tocava no coreto da Praça Nova.Poucos sabem que entre as musicas que a banda tocava havia uma marcha do meu pai.Fez so a musica. Nao me lembro do nome da marcha mas conheço a musica de memoria.Como disse o Joao Manuel eram tempos de pobreza mas as pessoas tinham muita dignidade. Obrigad,o Djack, por nos trazeres essas recordaçoes. Um abraço Fernando

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  5. Estas recordações guardadas pela saudosa mãe do Djack são de interesse até para aqueles que não pertencem ao seu clã familiar. Assim, na parte que me cabe, um obrigado à mãe do Joaquim, a quem presto aqui a minha homenagem.
    Estive em S. Vicente na passagem de ano de 2003/2004 e, embora me tivesse levantado cedinho, por incrível que pareça não consegui ver a banda de música a tocar a tradicional boas festas. Andei de carro por toda a cidade com o firme propósito de a ver, mas tal não foi possível. No entanto, mais tarde dir-me-iam que ela, sim senhor, saiu e tocou a dita cuja.
    Ontem, a minha passagem de ano foi inteiramente crioula. Uma prima minha convidou-nos a ir lá a casa tomar parte numa festinha e não nos fizemos rogados. A festinha foi na cave da residência, que é uma moradia situada na margem sul do Tejo. Aquilo foi de arromba. Foram cerca de 50 convidados. Como sempre, a música do Luís Morais foi a rainha da festa, mas houve uma variedade delas, tudo música de baile do melhor. Foi tudo bem passado.
    Que este ano tenha entrado de boa feição para todos.
    Uma observação à parte. Utilizando o Google, Chrome ou não, não consigo meter comentários no Praia de Bote, sempre que faço uso do computador da minha filha, em Lisboa, onde me encontro. Mas utilizando o Mozilla Firefox, consigo e sem problemas. Vá-se lá entender estas esquisitices.

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  6. O Djack escreveu; e bem: "Portugal teve o condão de, acabada a luta nas três frentes, ter ficado como país amigo daqueles em 75 nascidos, com cujos povos a tinha travado. Isso aconteceu poucas vezes, muito poucas, na história universal".
    Por me parecer oportuno, insiro aqui a resposta que dei a um mail que recebi e falava do património arquitectónico português espalhado pelo mundo.

    Ei-la:
    Penso que a realidade actual propicia-nos ocasião para um certo balanço sobre as opções de estratégia geopolítica de Portugal. Logo a seguir ao 25 de Abril, as opiniões dividiam-se em dois campos distintos, um que apontava a "reinserção" na Europa como o destino aconselhável, outro que defendia que a vocação atlântica tinha de ser continuada e privilegiada, mediante a manutenção e reforço dos laços do país com os ex-territórios ultramarinos. Na altura, a facção do MFA identificada com uma esquerda mais clarividente e responsável (Melo Antunes) defendia a segunda opção. Mais tarde, com a devolução do poder político à sociedade civil, viria a optar-se claramente pela Europa e daí a integração de Portugal na CEE. Uns diziam que Portugal sempre esteve na Europa, pelo que isso mais não seria que a consumação de um acto natural, do qual viriam claros benefícios. Outros, no entanto, aconselhavam um olhar mais atento à História para se perceber que a vocação do país fora há quinhentos anos outra bem diferente e determinada por razões de ordem geopolítica.
    É claro que depois de as coisas acontecerem é fácil fazer julgamentos. Hoje, olhamos para a Europa e pelo seu amorfismo e ineficácia como solução política integradora, em grande parte causadora da actual crise na região, e é possível um certo travo de arrependimento, porque legítimo é perguntar se a outra opção sonhada não poderia ter levado o país a um caminho diferente e para melhor. Um país a seguir a rota de um destino natural. Que poderia ser bom tanto para Portugal como para todas as ex-colónias, a partir do momento em que, saradas certas feridas, poderiam todos em conjunto gizar um verdadeiro espaço geopolítico comum, com a língua a constituir o traço unificador.
    Se Salazar tivesse optado por outra solução que não a repressão dos movimentos independentistas, é evidente que a opção atlântica teria tido condições para uma mais efectiva realização, com as vantagens da sua adopção em tempo histórico mais adequado. Em todo o caso, se virmos que, mau grado as feridas da guerra colonial, as portas viriam a manter-se abertas para uma cooperação, é caso para pensar se a opção atlântica, mantendo Portugal no caminho que a genética desde sempre lhe determinara, não representaria hoje um saldo bem mais positivo para o país e quiçá para os próprios países africanos. Os portugueses têm, efectivamente, na sua genética um claro pendor africano.

    Ao olharmos pelo património que o filme nos apresenta, sente-se que ele é, com efeito, um poderoso testemunho. E vejam como esse património é mantido e bem tratado em países de expressão cultural muito diferente, como os muçulmanos, do extremo oriente e mesmo africanos. Por esta e outras razões é que ficamos embasbacados com o desprezo em Cabo Verde pelo pouco que ali ficou. E estou a referir-me em especial ao Fortim e à Casa Adriana. Há razões para os cabo-verdianos fazerem uma auto-análise, aquilo que o filósofo Eduardo Lourenço designa por "autognose" quando se refere aos portugueses e à confusão identitária em que actualmente se encontram, a qual, no fundo, deve relacionar-se com a questão das "opções históricas" sobre que eu atrás me debrucei.
    Será que Portugal pode ainda mudar de rumo, saindo, por exemplo, do euro, e retomando as rotas da velha grei? E será que Cabo Verde está no caminho certo com uma escolha de cariz tendencialmente africano, que é bem expressiva em questões linguísticas e culturais? Não será que os dois povos têm condições para cumprir um destino ecunémico com pontos de convergência?

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  7. Bem Djack, o Ano de 2013 acaba de despontar no horizonte da vida da humanidade, trazendo novas esperanças para que o mundo e as pessoas melhorem em atitudes e haja maior compreensao entre todos. Esperemos que assim seja!
    Ao Praia de Bote parabens por iniciar este ano novo com lembranças antigas, tao simples na visao de muitos mas muito profundas no coraçao de alguem que ama Mindelo como um verdadeiro filho. A prova esta ai, se percorrermos a trajetoria desse blog desde o seu nascimento ate agora.Sou fa do Praia de Bote ao qual desejo vida longa.
    Mantenhas
    Nita Ferreira

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  8. Mais uma romagem de saudade, nomeadamente para quem vive fora e que guarda os costumes de dias-hà onde predominava o respeito pelo proximo.
    Muitas felicidades ao Djack e ao Praia de Bote pela riqueza do arquivo que vai dando tanto tesouro de valor inestimàvel.
    Que o Ano Novo traga ao "patrão" e à "empresa" longa Vida & Saùde e que continue a nos brindar com as mais ricas postagens
    Mantenha e Braça
    Valdemar

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  9. Um abraço colectivo com aspecto de Porto Grande para todos os que aqui vieram hoje e para os que eventualmente ainda virão.

    Djack

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    1. Caro Amigo e Camarada Blogueiro, as memórias dos tempos pelos lado da Esquina são mais recentes. Nisso, a Praia de Bote tem muito para contar :-). Contudo, a Esquina registou, para daqui mais 50 anos, o que foi a noite de San Silvestre de 2012, uma maravilha. A tradição continua seno o que era! Um abraço, sucessos e votos de uma forte parceria no novo ano.

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    2. Caro amigo e patrício Brito-Semedo,

      A PRAIA DE BOTE tem várias esquinas. A mais interessante e bem cheirosa, talvez seja a do velho botequim do Faustino, hoje "Boca de Tubarão". A da Vascónia/Ferro & Cia., também tem o seu gostim sabe,neste caso pelo mulherio da venda de tudo e mais alguma coisa, nomeadamente legumes e fruta. Havia e há a esquina da Capitania/Torre de Belém. A esquina mais fedorenta era a do "caisim", mas a mais medrosa era a da "staçom". Há ainda, lá mais para diante a do actual Centro Cultural Francês e antes disso mais algumas, todas com suas stóras. E todas elas são afinal "ESQUINAS DO TEMPO", do tempo passado, do tempo presente e do tempo futuro. A verdade é que a PRAIA DE BOTE e a ESQUINA DO TEMPO, cada uma à sua maneira, se vão encarregando de tirar o pó de alguns esqueletos escondidos nos armários da nossa ilha. Um viva a ambos os blogues, portanto!!!

      Um braça mindelense,
      Djack

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  10. Questões pertinentes estas que levanta o Adriano. Portugal distraiu-se tempo demais com grandezas e não se preocupou com o seu próprio quintal espaço e até interesses estratégicos. Foi uma corrida ao progresso numa integração europeia após 50 anos de obscurantismo salazarento. A Europa seria a panaceia o reencontrar do destino português que andava perdido em deambulações pelo atlântico índico e pacífico. Nada mais falso. Agora urge arrepiar caminho. Uma nota embora os vestígios da pedra lembrando a presença portuguesa em inúmeras paragens, Portugal não tem tido meios como a França para manter a presença. Isto é flagrante no Pacífico e Índico onde se deixa morrer os últimos vestígios linguísticos e culturais e onde Portugal muitas vezes tem actualmente uma representação muita tímida. Os Estados tem que ter os meios para as suas políticas e no caso de Portugal para além do desleixo os meios faltam.
    Agora no que concerne Cabo Verde e Portugal e Cabo Verde e a CPLP penso que é possível estudar novas parcerias mutuamente vantajosas e sair de um quadro organizativo que me parece só de retorica. O discurso do Onésimo tem levantado ao de leve algumas questões. O tempo dirá. No caso particular de Cabo Verde a sua viabilidade economia é um grande problema no mundo globalizado e é preciso encontrar uma via e um conceito novo.
    Mas não deixa de ser questões interessantes as que tu levantas e que merecem um debate para além da Regionalização ou com ela.
    José Fortes Lopes

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