quarta-feira, 22 de maio de 2013

[0461] Navalhas vindas de Dacar

A stóra de hoje é menos fundamentada, pois contém algumas “brancas” devido à longa passagem do tempo. Mas é mais ou menos isto:

Cape Vert, Dakar
Algures por 1963-64, um dos barcos do armador Henrique Ferro fez uma viagem a Dacar. Talvez tenha sido o “Carvalho”, pois ele só adquiriu o “Nauta” mais tarde, segundo creio. Mas seja um ou o outro, um deles fez a viagem e parece-me que naquela altura apenas uma vez. Lembro-me que se tratava de grande aventura e o nosso amigo estava preocupado com o que de mal podia acontecer ao seu querido navio. E sublinho o “querido”, pois este homem amava de facto os seus veleiros e vivia os seus perigos como se de pessoas da família se tratasse. Isto chegava ao ponto de querer ter casa em sítio de onde pudesse avistar a baía, para poder controlar as suas chegadas e partidas sem ter de descer à Praia de Bote.

Henrique Ferro "Firrim"
O barco lá foi e lá veio, afinal sem novidade, não recordando eu que mercadorias trouxe (tenho uma vaga ideia que entre outros produtos trazia tapetes de parede com os célebres motivos do rapto da princesa e também de leões que toda a gente tinha em casa, nessa altura) e levou para aquele outro Cabo Verde ou “Cape Vert”, de onde saiu o nome das nossas ilhas, e onde se situa a capital senegalense, a 580 km delas…

O que é certo é que dias depois, indo eu a caminho do Liceu, encontrei o Firrim perto da bomba da Shell. Cumprimentámo-nos e nisto ele rapa do bolso três caixinhas de cartão, cada uma aí com uns 10 cm e passa-mas para a mão muito discretamente, dizendo:  “Toma lá esta oferta, mas cuidadinho em como vai usar isto que só deve servir para descascar fruta ou coisas assim, ouviste?” Agradeci, sem saber o que seria a prenda, lá continuei para o Gil Eanes, mas ali por altura do plurim de virdura não resisti e abri uma das caixas. Tratava-se de lindíssima navalha, toda em metal, em cuja folha estava escrito “108 GIRODIAS”. Em casa, verifiquei que as outras duas tinham o cabo em plástico branco mas eram igualmente muito bonitas, sobretudo por causa do feitio da folha acabada em ponta de alfange ou cimitarra (a chamada lâmina turca). 


Essas três navalhas, andaram aqui por casa muitos anos, sempre sendo usadas nisto e naquilo, até que só restou uma. Talvez ainda a tenha algures, mas não a encontrei para a poder fotografar. Porém, como a Internet tem tudo, fui à caça e lá encontrei o objecto (exactamente igual) e a sua história, que desconhecia. Só não consegui encontrar foto da que tinha cabo de metal (dourado)

A marca foi criada em 1889 (também encontrei a data de 1793 como data da fundação da fábrica que depois a criou), en Thiers, no Puy-de-Dôme, França, por Jean Baptiste Girodias Chabrol e por seu filho Pierre Louis Girodias Farton. Vim também a saber que este modelo era feito especialmente para venda em Espanha e no Magrebe (daí aquele aspecto da lâmina).

Memórias de um tempo perdido, que devo a excelente e saudoso amigo que se estivesse vivo faria este ano o seu 100.º aniversário. Talvez o nosso também bom confrade e colaborador Val saiba dizer alguma coisa sobre o tema, já que viveu longa e proveitosa temporada em Dacar. Veremos…

2 comentários:

  1. O PRAIA DE BOTE serve para desenterrar lembranças como estas e dá-las de presente aos leitores.

    Grande braça sem navalha,
    Djack

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  2. Sim, senhor, esta lembrança é digna de ser desenterrada. Como é agradável recordar pessoas boas e factos marcantes da nossa vida!
    Sobre o Firrim,que teve um filho que foi meu colega na escola de admissão, o Zeca, infelizmente já falecido, lembro-me de que as pessoas glosavam o acrisolado amor que ele tinha ao seu Carvalho. E contavam que o Firrim, sempre que via o seu Carvalho a entrar na baía, exclamava, todo embevecido: Ó menis, bsot oiá quel nvizim ta entrá, bsot oiá!!

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