O "Shell Matiota" no Porto Grande, com o cais acostável em fundo, pelo que a foto deverá ser posterior a 1961 |
Era um bicho imponente, forte e destemido. A sua silhueta era inconfundível, fazendo do cais da Shell poiso predilecto. Com 136 toneladas, fora construído em 1929 nos estaleiros IHC Gusto Engineering, em Schiedam, Holanda.
Primeiro, chamou-se "Matiota", até 1953. Depois, ao que supomos por ter sido adquirido pela Shell, tomou até 1973 o nome pelo qual foi mais conhecido, "Shell Matiota". Mas num dia desse ano, alguns trabalhadores cabo-verdianos dos estaleiros da Lisnave (Gaslimpo) que o conheciam do Porto Grande, devem ter ficado bem surpreendidos quando o viram rasgar as águas do Tejo ao serviço da sua empresa, desta feita com o nome de "Encrespado". E foi com essa designação que o velho rebocador terminou os seus dias, no início da década de 80, sendo considerado o último do porto de Lisboa a trabalhar a vapor. Um feito, para o "Matiota-Shell Matiota-Encrespado", que durou cerca de meio século e cruzou águas de dois continentes mas de apenas um oceano.
O "Encrespado", em serviço no Tejo - Foto de Luís Miguel Correia |
Nessa época em que vivemos, em que as pessoas parecem mais desprendidas, os jovens não imaginam o prestigio que o "Matiota"inha no Porto Grande, Quem gostava de ir ver o Porto e se interessava pelas coisas do mar tinha uma adoração por este imponente rebocador que dominava os outros (mais modestos) que pertenciam à Nacional ("Mindelo") ou à Cory & Bros ("Cory").
ResponderEliminarOs meninos da minha toada contavam uma estória que nunca quis saber se era verdade ou mentira pois queria que ficasse assim no meu imaginário. - Dizem que num dia de borrasca o cargueiro português desgarrou-se e ia para a Galé. O vaporim (falava-se assim como se fosse um sportim de cinema), que sempre estava de stand by, saiu logo do seu cais (o da Shell) e foi ao encontro do (quase) sinistrado. Conseguiu, é claro, trazer o barco e, a partir desse dia, nunca mais pagou imposto.
Se o rapazim de Capitania, ou de Pota de Praia, vier dizer-me que é uma lenda eu respondo-lhe: - Que seja contada para que se veja como as gentes dessa ilha são quando gostam de algo ou alguém.
O mnine d'ponta d'praia limita-se a ir buscar as memórias do Mindelo, do seu Porto Grande e de São Vicente em geral, enterradas nas profundezas do tempo e a dar-lhes nova oportunidade de vida. Sim, porque as memórias vivem se nós as deixarmos saltar cá para fora.
EliminarBraça rebocada,
Djack
Boas memórias do "vaporim", como as pessoas dsesignavam, carinhosamente, o roncador, que cruzava as aguas tépidas da baía, imponente, a toda a brida, provocando ondas que faziam dançar alguns botes para desespero dos remadores, e deixando sobre o verde-azul das águas um rasto de espuma branca, fervilhante, belo como um vestido de noiva...Memórias de "vaporim", memórias da minha infância alegre, despreocupada, feliz, vogando para lá do horizonte, confundindo-se com a palera de cores fortes de pores-de-sol indescritiveis, por detrás do Monte-Cara, sentinela milenar da morabeza minelense! Ah! Vaporim...
ResponderEliminarvaporim!...
É uma surpresa para mim saber que o Matiota terminou os seus dias no Tejo, rebaptizado com o nome de Encrespado. As coisas que o nosso Joaquim sabe!
ResponderEliminarAcompanho o Zito na sua evocação nostálgica da memória do "vaporim" Matiota. Sinto o mesmo, amigo.
Muito obrigado pela companhia, na evocação destas pequeninas coisas que deram e continuam a dar algum colorido à nossa vida e que, sobretudo, nos fazem paladinos da pacífica centúria dos que sentem as coisas com que o destino os confronta e delas tomam posse não como tesouros mas como partes constituintes de um eu que se projecta para além das fronteiras físicas...Estranhamente, no entanto, a eteriedade destes fenómenos sensoriais adquire, não raro, uma consistencia quase orgânica, palpável, denunciadora de uma vontade indómita de identificação quáse visceral...Paixão?
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