sexta-feira, 19 de julho de 2013

[0512] Em primeira mão: texto de apresentação do novo livro de Arsénio de Pina, pelo seu autor. Mindelo, hoje, em especialíssimo e simbólico local, o antigo Liceu Gil Eanes


Lançamento do 10.º livro de Arsénio de Pina

Quase exactamente duas horas antes de ser divulgado no Mindelo, PRAIA DE BOTE, numa espécie de furo jornalístico, apresenta aos leitores o texto que Arsénio de Pina irá ler sobre o seu livro "Adeche! Vendilhões em vários templos". 
                                                  
Arsénio de Pina
Começo por agradecer aos presentes que me honraram com a presença, ao Dr. Brito Semedo e Eng. António Pedro Silva pela valorização do livro com as suas excelentes apresentações, à direcção deste estabelecimento de ensino superior pela cedência do salão, estabelecimento que me comove, transpondo à infância, por ter frequentado o antigo Liceu Gil Eanes, ao grupo Clube de Leitura pela interessante animação promovida e o apoio proporcionado por elementos da Adeco.

Esta será, muito provavelmente, a minha última publicação em livro, por o mecenato estar, entre nós, pelo mar da amargura. Estive mesmo para desistir desta publicação e só a faço graças às facilidades concedidas pelo amigo Adolfo Leite, da Tipografia de S. Vicente, e por outro amigo dos nossos tempos de estudantes em Coimbra e de outras cumplicidades, Olívio M. Pires, que me ofertou o meticuloso trabalho de organização do texto para ser presente à impressão.

Presumo de interesse recordar às instituições que não fizeram caso do meu pedido de copatrocínio do livro, que foi CAIO MECENAS, cavaleiro romano, que viveu entre os anos 69 a 4 a. C. quem utilizou o seu crédito pessoal para encorajar as Letras e as Artes. Daí nasceu o termo MECENATO para esse tipo de patrocínio. Entre nós, nos últimos tempos, os Mecenas, nem procurados com a lanterna de Diógenes.

Das dez instituições nacionais a que solicitei copatrocínio para a publicação deste livro, afim de o seu preço de venda ser acessível a todos, somente duas me responderam favoravelmente – o Banco de Cabo Verde e o Ministério da Saúde – o que nos dá uma ideia do interesse de certas instituições pela Cultura. O Ministro deste pelouro teve a gentileza de me responder, felicitando-me pela iniciativa e encaminhando-me para a secção de publicações da Biblioteca Nacional para, como julgava, obter um copatrocínio, mas o director deste, Dr. Morais, informou-me das démarches que deveria empreender para me inscrever como candidato ao solicitado copatrocínio, démarches de tal modo burocratizadas, no contexto do que costumo classificar de repolho burocrático cabo-verdiano – repolho pelo número de folhas de papel -, orgulhosamente herdado de Portugal e ciosamente guardado e hipertrofiado, que desisti de me candidatar.

Não é, pois, de admirar que, com a falta de estímulos por parte de instituições que deviam fazê-lo, sem falar nos preços proibitivos dos livros, as pessoas tenham deixado de se interessar pela leitura, mesmo os licenciados após terem terminado a sua formação superior, na qual a leitura é obrigatória. Contentam-se com a televisão e a Net, que, obviamente, não substituem os livros. Presumo que, como a cultura é cara e obriga a pensar, há que experimentar a ignorância, que é de borla, e a política, dita moderna, vai ajudando nessa indiferença relativa ao saber, ao conhecimento, ao convívio, à reflexão.

Longo tempo ausente do país, somente com duas passagens meteóricas, neste regresso, eu, por natureza optimista, sinto rondar-me o cepticismo – para não dizer pessimismo – ao encarar a realidade cabo-verdiana, particularmente a Sanvicentina. Constato perda dos valores éticos e morais essenciais – isto é, o respeito, a honra, a vergonha na pele da cara, o trabalho aturado e o sentido do interesse público e geral -, havendo proliferação e banalização da corrupção, o primado do dinheiro sobre a cultura, o primado do consumo em detrimento da cidadania, rejeição da classe política por ter deixado de ouvir e de representar o povo, e desvio mercantilista do sistema universitário privado, mercantilismo somente tolerável em matérias comerciais.

Como devem ter suspeitado os conhecidos, e sabem os amigos, não sou homem de poder. Para mim a exigência da democracia e da liberdade é, antes de tudo, uma obrigação moral estribada na ética. As informações, críticas e propostas – que se podem encontrar ao longo de todas as minhas publicações – têm sido sempre no sentido de ligar a liberdade e o progresso e de promover a cidadania e a plena soberania dos cidadãos, passando pelo conhecimento. Obviamente que espíritos informados, abertos e desempoeirados, irritam e incomodam muita gente habituada a não levantar a voz em balido diferente do das restantes ovelhas, as quais se conformam com posições acríticas e com a versão oficial. Creio, no entanto, que entre gente não fundamentalista, que se respeita, o diálogo é possível e fácil, sem riscos de os parceiros entrarem em discussões desbragadas, violentas e estéreis, razão que me leva a participar com os meus escritos e de cara destapada.

Bem, não quero desanimar-vos, mas antes relembrar-vos não haver nada que resista ao facho ardente do Conhecimento e do Diálogo. E o povo, o grande iludido, o grande explorado de todos os tempos, a vítima sobre quem recai o peso enorme de todas as iniquidades da Terra, uma vez acordado do sono fatal da ignorância e da resignação em que o têm cuidadosamente confinado, saberá, cônscio de si, reacender essa luz desejada que tão belamente define a verdadeira democracia, conseguida no equilíbrio, no  respeito mútuo dos cidadãos e na livre ventilação de ideias, e orientar-se, de maneira incisiva, pelo único caminho, da justiça, da honra, da honestidade e da felicidade humanas, escolhido e decidido por ele próprio.

Irão encontrar neste livro - que não é de memórias, mas antes um molho de crónicas -, um testemunho de causas e combates, ideias e acção, a defesa de uma ética de interrogações, dialogante, criativa, essencialmente civilista, tendo por base o respeito pela dignidade humana. Encontrarão nele de tudo, desde História, Política, Religião, Economia, Agricultura, Saúde, etc., sempre encarados numa vertente dialéctica. Talvez estranhem que me ocupe muito da economia de mercado e da globalização, que explico pela simples razão de nos afectarem e de terem contribuído, como afirmou alguém, para que a família tenha entrado em dissolução, a escola em desvalorização, as religiões em fantasias e descrença, os valores em niilismo galopante, a justiça em morosidade e perda de acatamento, a democracia em fragilização, as identidades em apagamento, o Estado em desnacionalização e o homem em descarte de referências e valores. Também vos sirvo algumas refeições temperadas com especiarias locais, regionais e descentralizadas, que os governantes fariam bem em saborear. Não garanto que o meu verbo agrade a todos, até porque, se escrevesse somente para agradar, estaria a contar lendas

Há gente que se intriga com a diversidade de assuntos tratados nos meus livros fora do meu ramo profissional, e, afinal, a razão é assaz simples e alguns poderiam fazer outro tanto. Parafraseando Isaac Newton diria que, se consigo ver um pouco mais longe, é por subir aos ombros de bodonas dessas ciências, profissões e filosofias.

Finalizo, desejando-vos boa leitura.

Muito obrigado.                                       

1 comentário:

  1. Grande texto, Arsénio. Um hino à clareza de linguagem e elegância de estilo. Oxalá os leitores a quem o teu livro se dirige em especial, os nossos conterrâneos, saibam captar o sentido dos teus recados e a urgência de um útil juntamom para a boa resolução dos problemas de Cabo Verde.

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