Lançamento do 10.º livro de Arsénio de Pina
Quase exactamente duas horas antes de ser divulgado no Mindelo, PRAIA DE BOTE, numa espécie de furo jornalístico, apresenta aos leitores o texto que Arsénio de Pina irá ler sobre o seu livro "Adeche! Vendilhões em vários templos".
Quase exactamente duas horas antes de ser divulgado no Mindelo, PRAIA DE BOTE, numa espécie de furo jornalístico, apresenta aos leitores o texto que Arsénio de Pina irá ler sobre o seu livro "Adeche! Vendilhões em vários templos".
Arsénio de Pina |
Começo por
agradecer aos presentes que me honraram com a presença, ao Dr. Brito
Semedo e Eng. António Pedro Silva pela valorização do livro com as suas
excelentes apresentações, à direcção deste estabelecimento de ensino
superior pela cedência do salão, estabelecimento que me comove,
transpondo à infância, por ter frequentado o antigo Liceu Gil Eanes, ao grupo Clube de Leitura pela interessante animação promovida e o apoio proporcionado por elementos da Adeco.
Esta
será, muito provavelmente, a minha última publicação em livro, por o
mecenato estar, entre nós, pelo mar da amargura. Estive mesmo para
desistir desta publicação e só a faço graças às facilidades concedidas
pelo amigo Adolfo Leite, da Tipografia de S. Vicente, e por outro
amigo dos nossos tempos de estudantes em Coimbra e de outras
cumplicidades, Olívio M. Pires, que me ofertou o meticuloso trabalho de
organização do texto para ser presente à impressão.
Presumo
de interesse recordar às instituições que não fizeram caso do meu
pedido de copatrocínio do livro, que foi CAIO MECENAS, cavaleiro romano,
que viveu entre os anos 69 a 4 a. C. quem utilizou o seu crédito
pessoal para encorajar as Letras e as Artes. Daí nasceu o termo MECENATO
para esse tipo de patrocínio. Entre nós, nos últimos tempos, os
Mecenas, nem procurados com a lanterna de Diógenes.
Das
dez instituições nacionais a que solicitei copatrocínio para a
publicação deste livro, afim de o seu preço de venda ser acessível a
todos, somente duas me responderam favoravelmente – o Banco de Cabo Verde e o Ministério da Saúde –
o que nos dá uma ideia do interesse de certas instituições pela
Cultura. O Ministro deste pelouro teve a gentileza de me responder,
felicitando-me pela iniciativa e encaminhando-me para a secção de
publicações da Biblioteca Nacional para, como julgava, obter um
copatrocínio, mas o director deste, Dr. Morais, informou-me das
démarches que deveria empreender para me inscrever como candidato ao
solicitado copatrocínio, démarches de tal modo burocratizadas, no
contexto do que costumo classificar de repolho burocrático
cabo-verdiano – repolho pelo número de folhas de papel -, orgulhosamente
herdado de Portugal e ciosamente guardado e hipertrofiado, que desisti
de me candidatar.
Não
é, pois, de admirar que, com a falta de estímulos por parte de
instituições que deviam fazê-lo, sem falar nos preços proibitivos dos
livros, as pessoas tenham deixado de se interessar pela leitura, mesmo
os licenciados após terem terminado a sua formação superior, na qual a
leitura é obrigatória. Contentam-se com a televisão e a Net, que,
obviamente, não substituem os livros. Presumo que, como a cultura é cara
e obriga a pensar, há que experimentar a ignorância, que é de borla, e a
política, dita moderna, vai ajudando nessa indiferença relativa ao
saber, ao conhecimento, ao convívio, à reflexão.
Longo
tempo ausente do país, somente com duas passagens meteóricas, neste
regresso, eu, por natureza optimista, sinto rondar-me o cepticismo –
para não dizer pessimismo – ao encarar a realidade cabo-verdiana,
particularmente a Sanvicentina. Constato perda dos valores éticos e
morais essenciais – isto é, o respeito, a honra, a vergonha na pele da
cara, o trabalho aturado e o sentido do interesse público e geral -,
havendo proliferação e banalização da corrupção, o primado do dinheiro
sobre a cultura, o primado do consumo em detrimento da cidadania,
rejeição da classe política por ter deixado de ouvir e de representar o
povo, e desvio mercantilista do sistema universitário privado,
mercantilismo somente tolerável em matérias comerciais.
Como
devem ter suspeitado os conhecidos, e sabem os amigos, não sou homem de
poder. Para mim a exigência da democracia e da liberdade é, antes de
tudo, uma obrigação moral estribada na ética. As informações, críticas e
propostas – que se podem encontrar ao longo de todas as minhas
publicações – têm sido sempre no sentido de ligar a liberdade e o
progresso e de promover a cidadania e a plena soberania dos cidadãos,
passando pelo conhecimento. Obviamente que espíritos informados, abertos
e desempoeirados, irritam e incomodam muita gente habituada a não
levantar a voz em balido diferente do das restantes ovelhas, as quais se
conformam com posições acríticas e com a versão oficial. Creio, no
entanto, que entre gente não fundamentalista, que se respeita, o diálogo
é possível e fácil, sem riscos de os parceiros entrarem em discussões
desbragadas, violentas e estéreis, razão que me leva a participar com os
meus escritos e de cara destapada.
Bem,
não quero desanimar-vos, mas antes relembrar-vos não haver nada que
resista ao facho ardente do Conhecimento e do Diálogo. E o povo, o
grande iludido, o grande explorado de todos os tempos, a vítima sobre
quem recai o peso enorme de todas as iniquidades da Terra, uma vez
acordado do sono fatal da ignorância e da resignação em que o têm
cuidadosamente confinado, saberá, cônscio de si, reacender essa luz
desejada que tão belamente define a verdadeira democracia, conseguida no
equilíbrio, no respeito mútuo dos cidadãos e na livre ventilação de
ideias, e orientar-se, de maneira incisiva, pelo único caminho, da
justiça, da honra, da honestidade e da felicidade humanas, escolhido e
decidido por ele próprio.
Irão
encontrar neste livro - que não é de memórias, mas antes um molho de
crónicas -, um testemunho de causas e combates, ideias e acção, a defesa
de uma ética de interrogações, dialogante, criativa, essencialmente
civilista, tendo por base o respeito pela dignidade humana. Encontrarão
nele de tudo, desde História, Política, Religião, Economia, Agricultura,
Saúde, etc., sempre encarados numa vertente dialéctica. Talvez
estranhem que me ocupe muito da economia de mercado e da globalização,
que explico pela simples razão de nos afectarem e de terem contribuído,
como afirmou alguém, para que a família tenha entrado em dissolução, a
escola em desvalorização, as religiões em fantasias e descrença, os
valores em niilismo galopante, a justiça em morosidade e perda de
acatamento, a democracia em fragilização, as identidades em apagamento, o
Estado em desnacionalização e o homem em descarte de referências e
valores. Também vos sirvo algumas refeições temperadas com especiarias
locais, regionais e descentralizadas, que os governantes fariam bem em
saborear. Não garanto que o meu verbo agrade a todos, até porque, se
escrevesse somente para agradar, estaria a contar lendas
Há
gente que se intriga com a diversidade de assuntos tratados nos meus
livros fora do meu ramo profissional, e, afinal, a razão é assaz simples
e alguns poderiam fazer outro tanto. Parafraseando Isaac Newton diria
que, se consigo ver um pouco mais longe, é por subir aos ombros de bodonas dessas ciências, profissões e filosofias.
Finalizo, desejando-vos boa leitura.
Muito obrigado.
Grande texto, Arsénio. Um hino à clareza de linguagem e elegância de estilo. Oxalá os leitores a quem o teu livro se dirige em especial, os nossos conterrâneos, saibam captar o sentido dos teus recados e a urgência de um útil juntamom para a boa resolução dos problemas de Cabo Verde.
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