José Fortes Lopes |
Como vimos na primeira parte deste trabalho, os Cenários Climáticos derivados da problemática do Aquecimento Global do planeta apontam para situações preocupantes do ponto de vista climático. O Protocolo de Quioto assinado por vários estados, incluindo Cabo Verde, bem como inúmeras outras políticas e ações nacionais e internacionais, visam a estabilização da concentração de gases de efeito estufa para evitar uma inflação perigosa desses e mitigar os seus efeitos catastróficos sobre o planeta. Hélas, os resultados deste protocolo estão à vista!?
Qualquer dos cenários apresentados, conservador ou extremo, pressupõe impactos importantes para o planeta e a vida na Terra. Muitas regiões costeiras, incluindo ilhas, onde se concentra grande parte das cidades mais importantes, e, consequentemente, uma parte significativa da população mundial estarão, pois, ameaçadas pelos efeitos das mudanças climáticas, que poderão ser devastadores para países insulares e costeiros. Áreas sensíveis de países costeiros poderão ser inundadas (nomeadamente no Países Baixos, microestados insulares do Pacífico, Maldivas, etc), o que causará migrações em massa assim como perdas materiais e culturais incalculáveis. Por exemplo, estima-se que os Estados Unidos perderiam 30 mil km2 de costas para uma elevação de um metro no nível do mar e gastariam de 270 a 475 bilhões de dólares para remediar os seus efeitos, ao passo que o Senegal (ou qualquer país da costa ocidental africana) perderia à volta de 6 mil km2 de área costeira mais populosa, provocando danos materiais incalculáveis para um país pobre (com custos estimados a várias centenas de milhões de dólares), e uma provável migração de centenas de milhares de pessoas para regiões do interior do país, assim como para países limítrofes ou vizinhos. Por outro lado, alguns arquipélagos ou estados arquipelágicos podem ser riscados do mapa se o pior cenário climático se verificar. Estamos a falar dos microestados insulares do Pacífico (Cook, Kiribati, Marshalls, Micronésia, Nauru, Niue, Palau, Tonga, Tuvalu) e das Maldivas (situadas no Oceano Índico), ‘que já estão com os pés na água’ a ‘sentir na pele’ a subida do nível do mar, tendo sido submersas ou reclamadas para o mar várias extensões dos seus territórios.
Já existem muitas soluções tendendo a mitigar os efeitos da subida do mar em alguns locais críticos em zonas costeias, construindo canais, comportas, diques, ilhas artificiais, muros, estruturas flutuantes, terraços e outros métodos, incluindo o reflorestamento costeiro e fixação de dunas. Os Países Baixos, que possuem grande parte do seu território, muitos metros abaixo do nível do mar, sendo frequentemente apontados como um dos melhores alunos mundiais no que concerne a lidar com problemas costeiros e o meio ambiente, construíram sistemas hidráulicos robustos para proteger o seu território de cheias. Todavia, a construção de obras de hidráulica marítima (paredões, muralhas, esporões, etc.) pode ser uma primeira solução, mas a experiência prova que o mar tem a última palavra: estas soluções parecem cada vez mais efémeras e ilusórias, podendo engendrar efeitos indesejáveis e outros problemas imprevisíveis tais como impactos ambientais negativos (a degradação ou erradicação de ecossistemas costeiros e perdas importantes de biodiversidade). Esta estratégia tem levado muitos cépticos a questionar se a batalha das zonas costeiras na perspectiva das Mudanças Climáticas não estará já perdida, tendo em conta a confirmação dos cenários mais negativos, ou seja, o aumento inexorável da concentração dos gases de estufa. Em outras palavras, temos ‘o diabo à solta’ na natureza e tarde acordamos para o problema. Sendo optimista e acreditando no bom senso da comunidade internacional, não partilho de uma visão catastrófica do futuro. As obras de hidráulica marinha são, portanto, facas de dois gumes e a sua concepção deve basear-se em estudos validados e decisões cuidadas. Daí o meu alerta e as dúvidas relativamente às polémicas obras na Laginha, sobretudo após a construção do infeliz paredão (que muitos ‘mindelenses gozentos’ já apelaram de cauda escondida do monstro de Lock Ness, afundado algures na baía) e que dividiu a enseada da Laginha em duas.
A fusão dos gelos e o aquecimento dos oceanos pode ter drásticas consequências no Clima Global. Ao fazer diminuir a salinidade dos mares polares, a densidade das águas superficiais do oceano diminui, reflectindo directamente na circulação das correntes marinhas. Este efeito tem uma implicação na denominada Circulação Oceânica Termohalina (chamada Great Convoyer Belt), uma circulação oceânica planetária que inclui as circulações de superfície do Atlântico, do Pacífico e a Circulação Abissal) que demora vários milhares de anos a perfazer uma volta completa entre os Oceanos atlântico e Pacífico. Uma perturbação importante na Circulação Oceânica Geral, ou seja, o seu enfraquecimento, pode provocar glaciação, como aconteceu várias vezes no passado, há milhões de anos. Invariavelmente está em causa o enfraquecimento da Corrente do Golfo que transporta grandes quantidades de calor para o Norte e ameniza o clima do Atlântico Norte (o que explica que a Inglaterra ou o Norte da França não tenham climas mais frios). Com efeito, há 12.800 anos a Circulação Oceânica Geral colapsou, a Corrente do Golfo enfraqueceu e em vez de atingir a Inglaterra e os mares polares, virava a sul de Portugal. Neste cenário, não chegando mais calor para o norte, toda a Europa entrou na Idade do gelo, o deserto de Sahara era uma savana e o clima de Cabo Verde provavelmente deveria ser comparável ao da França actualmente. Este fenómeno acontece sempre que por razões de Mudança Climática, a densidade das águas polares diminui (provocada pela fusão dos gelos polares). É assim que se a temperatura média do planeta aumentar, paradoxalmente, a Europa poderá entrar num período glaciar e as regiões subtropicais verão o seu clima totalmente alterado!!! O problema é que o retorno ao estado normal para a Circulação Oceânica Termohalina pode levar milhares de anos a acontecer!!!
É preciso recordar que muitas espécies vivas no planeta já tiveram sua extinção associada a mudanças climáticas ocorridas ao longo das diferentes eras climáticas do planeta. Uma fusão dos gelos marinhos provocará forçosamente uma diminuição da salinidade oceânica com impactos negativos na bioquímica marinha. Existem já indícios de mudanças no comportamento de espécies marinhas devido a alterações da salinidade dos mares e vários artigos científicos vêm confirmar essa suspeita. Um artigo de 2013 publicado na revista ‘Nature’ uma das mais prestigiadas revistas científicas internacionais (Global Imprint of Climate Change on Marine Life), relacionou acentuadas modificações e redistribuições regionais das populações de várias espécies marinhas com o Aquecimento Global/Mudanças Climáticas. Devido ao aquecimento dos oceanos várias espécies marinhas (peixes e invertebrados) habituadas a águas mais frias estão migrando para latitudes setentrionais e/ou a mergulhar para águas mais profundas e frias desequilibrando os ecossistemas marinhos regionais e globais. Como um mal não vem só, esta situação está sendo agravada pela sobre-exploração dos mares, uma vez que cerca de 50% de todas as espécies de valor comercial está actualmente com populações no limite máximo de exploração, e cerca de 30% está mesmo super-explorada ou em declínio rápido, prevendo uma eventual extinção em meados do século XXI, se o ritmo de captura se mantiver ou se o processo não for revertido. Tendo em conta a importância do sector das pescas na economia de Cabo Verde esta problemática reveste de uma grande relevância. A todos estes males acresce a poluição marinha de origem química e biológica que destrói os ecossistemas marinhos. No que concerne aos continentes, fenómenos similares estão a ocorrer pelo que se teme também uma perda irreversível da biodiversidade continental. A migração de espécies e a difusão de espécies invasoras contribuem para a disseminação de doenças e infecções, colocando em risco espécies endémicas ou geneticamente empobrecidas (nomeadamente as insulares), espécies raras ou migratórias. Para além disso, a expansão crescente da actividade humana e a demografia galopante no planeta e a insensibilidade em relação ao ordenamento natural, estão já a pôr em causa os próprios habitats naturais do planeta.
Outra consequência do aumento da concentração do CO2 na atmosfera é a acidificação oceânica e a diminuição das concentrações de oxigênio em vários mares. O oceano é uma solução básica e o seu pH não variou desde há centenas de milhões de anos, sendo o seu valor médio da ordem de 8.2. Durante os últimos dois séculos, observações mostram que o pH oceânico caiu 0.1 unidades, um aumento de cerca de 25 porcento da acidez do oceano devido à formação de ácido carbónico resultante da dissolução do excesso de CO2 na atmosfera. O aumento da acidez leva à redução no processo de calcificação dos organismos marinhos, inclusive na formação de conchas e esqueletos. Os organismos marinhos calcificadores (conchas, moluscos e outros organismos marinhos) apresentam respostas diferentes no que respeita à acidificação durante os seus estágios evolutivos de vida, mas os estágios iniciais parecem ser especialmente sensíveis à acidificação. Por outro lado, suspeita-se que a acumulação de CO2 nos oceanos pode levar à sua acumulação excessiva nos organismos marinhos, provocando alterações gerais da sua morfologia e perturbando vários processos metabólicos, a actividade física e a reprodutiva.
Uma tendência curiosa do Clima actual, prende-se com o aumento da ocorrência de eventos climáticos extremos e inesperados, tais como mudanças no regime de chuvas, resultando em enchentes e secas incluindo as alterações na frequência ou na intensidade de ciclones tropicais e outros eventos meteorológicos extremos. Embora alguns cientistas procurem associar estes eventos às Mudanças Climáticas, sendo convicção generalizada de que a actividade humana esteja a jogar um papel importante neste processo, a Ciência propriamente dita ainda não consegue estabelecer uma relação causal directa, nem prever as suas ocorrências. Com efeito, as tendências a longo prazo são ainda difíceis de prever pela baixa qualidade dos registos climatológicos efectuados antes das observações rotineiras dos satélites, e pelo facto de que ainda muito pouco se sabe da relação Clima/Ciclones. Todavia, a análise rigorosa da variabilidade natural do clima mostra que ela sozinha não explica as tendências de longo termo observadas na temperatura e precipitação no planeta. Ou seja, existem suspeitas de uma correlação entre a ocorrência de eventos extremos e as Mudanças Climáticas. Especula-se assim que um ligeiro aumento da temperatura média do globo possa levar ao aparecimento ou reforço de eventos meteorológicos extremos. Estes eventos podem consistir em mudanças no padrão dos ventos que se reflectem no aumento da ocorrência ou da intensidade de episódios extremos: ondas de calor extremo (2003, na Europa, que mataram centenas de pessoas), ondas de frio extremo, risco de grandes inundações após longos períodos de seca em sítios mais improváveis, aumento da frequência e da intensidade dos ciclones tropicais, (como foi o caso do ciclone Humberto em Cabo Verde), etc.
As flutuações climáticas/eventos extremos podem ter implicações no reforço da desertificação de zonas áridas e semi-áridas. A desertificação e a desflorestação envolvem mudanças drástica nos microclimas, mas os seus impactos climáticos são, não somente locais mas também planetários, podendo alterar o clima terrestre no seu todo. As árvores são consumidoras naturais de dióxido de carbono, regulando a sua composição na atmosfera. A destruição das florestas rompe este equilíbrio ao remover este sumidouro natural de carbono, ao mesmo tempo que os incêndios florestais contribuem para a libertação de mais dióxido de carbono para a atmosfera, bem como de mais metano, outro dos gaz que contribui para o efeito de estufa. Para além disso, as florestas também regulam o balanço radiativo na atmosfera, pelo que nas zonas áridas e semi-áridas o solo recebe mais radiação, e a atmosfera torna-se mais quente e seco, ou seja, as condições meteorológicas ficam mais severas. Com a desertificação o manto orgânico ou húmus que acumula à superfície do solo (raízes, ramos, folhas mortas etc) desaparece, ficando o solo exposto à erosão do vento e da chuva, sendo que esse efeito se amplifica em situações de eventos extremos. Numa floresta convertida em zona semi-arida ou áridas, os fluxos de vapor de água e de calor alteram-se provocando efeitos em cascada: maior exposição à radiação, reforço dos processos convectivos, mudanças na circulação local e na cobertura da nuvens, realimentando assim as causas das alterações do clima e do tempo local.
Os custos associados aos eventos extremos têm aumentado em todo o mundo. Estima-se que nos EUA esses custos tenham aumentado de várias centenas de bilhões/ano no período 1980 a 2010. Em 2011, os custos dos desastres rondaram os 35 mil milhões de dólares, de acordo com a NOAA (cada desastre climático custando cerca de vários mil milhões de dólares).
O relatório do IPCC evidencia o recrudescimento do número de ciclones tropicais no Atlântico Norte desde 1970, e correlaciona-o com aumento da temperatura da superfície do mar, nomeadamente nas águas subtropicais. O resumo não pôde definir uma tendência clara sobre o número de ciclones tropicais no mundo no longo prazo, mas afirma que sua intensidade pode vir a aumentar. Eventos meteorológicos extremos, incluindo ciclones tropicais, têm fustigado países como o Japão, o México os EUA e Cabo Verde ao longo do ano 2013, contabilizando avultadas perdas humanas e matérias. Na realidade ciclones tropicais têm sido as catástrofes naturais que mais causam prejuízos nos países desenvolvidos, e são a maior causa de fatalidades e ferimentos também decorrentes de catástrofes naturais nos países em desenvolvimento. O número de mortos e desabrigados e as perdas económicas previstas devido a estes eventos podem aumentar pela densidade crescente de população em áreas costeiras expostas, como é o caso no sudeste asiático. O aumento da ocorrência de eventos climáticos extremos e inesperados em todo mundo, inclusivamente em Cabo Verde, deve servir de aviso e alerta aos responsáveis ambientais e políticos cabo-verdianos no sentido de se tomar todas as medidas preventivas para mitigar os eventuais impactos futuros das Mudanças Climáticas. As longas e imemoriáveis secas de que o arquipélago foi vítima devem servir de referência histórica para sensibilizar a população sobre a problemática. Como diz o ditado: "Mais vale prevenir que remediar" ou "O seguro morreu de velho".
José Fortes Lopes
(Professor no Grupo de Meteorologia, Climatologia e Oceanografia Física
Centro de Estudo do Ambiente e do Mar-Universidade de Aveiro)
Bibliografia Recomendada:
01 - http://www.gcca.eu/regional-programmes/gcca-pacific-small-island-states
02 - http://unfccc.int/resource/docs/publications/cc_sids.pdf
03 - http://oceanmotion.org/html/impact/conveyor.htm
04 - http://www.commondreams.org/views04/0130-11.htm
05 - http://www.youtube.com/watch?v=SyAEucg6teg
06 - http://en.wikipedia.org/wiki/Shutdown_of_thermohaline_circulation
07 - http://www.antarctica.ac.uk/press/press_releases/press_release.php?id=1879
08 - http://www.ocean-acidification.net/OAdocs/SPM_Portugese.pdf
09 - http://www.theguardian.com/environment/2013/aug/05/climate-change-pushing-marine-species-to-poles
10 - http://www.nature.com/nclimate/journal/vaop/ncurrent/full/nclimate1958.html
11 - http://www.wmo.int/pages/themes/climate/climate_variability_extremes.php
12 - https://www.ipcc.ch/pdf/special-reports/srex/SREX_Full_Report.pdf
13 - http://www.wmo.int/pages/prog/drr/index_en.html
14 - http://www.climatecentre.org/site/publications/317/world-disasters-report-2011?type=5
15 - http://www.climatecentre.org/downloads/File/reports/World%20Disaster%20Reports/WDR%202011.pdf
16 - http://co2now.org/Know-the-Changing-Climate/Effects/ipcc-faq-climate-change-changes-in-extreme-events.html
17 - http://www.unibas.it/desertnet/dis4me/issues/issue_deforestation_pt.htm
18 - http://naturambiente.blogs.sapo.pt/875.html
19 - Arsénio de Pina, Aquecimento Global, Mudanças Climáticas e Energias Renováveis, p. 49-80, Ês Ca Ta CDI, 2011.
20 -O "monstro da Lajinha", a mais espantosa e inimaginável aberração plantada na bela praia urbana do Mindelo. Praia de Bote. http://mindelosempre.blogspot.pt/, 2013.
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