segunda-feira, 10 de fevereiro de 2014

[0743] Djosa de "Maderal", uli um figura mindelense... real

Praia de Bote acabara de prometer no post anterior um retiro de alguns dias, que de facto vai cumprir, e eis que logo a seguir surgiu na sua caixa de correio este excelente brinde que aqui vos deixamos, com o maior agrado, saído da pena do nosso amigo e colaborador Adriano Miranda Lima. Leiam portanto os dois posts (742 e 743), ambos do maior interesse para quem gosta das ilhas verdianas e das suas gentes.

DJOSA DE “MADERAL”

Adriano Miranda Lima
Quando, há poucos dias, interviemos para comentar o post 733 (decifração de 3 enigmas), a figura fictícia do “Djosa de nha Bia” entrou em cena e convenhamos que nos divertiu. Essa figura nasceu no blogue ARROZCATUM por uma iniciativa brincalhona, muito a seu jeito, do Djack, a propósito de um post que retratava o navio de cruzeiro Queen Victoria. Reagi logo ao mote lançado pelo Djack, e o Zito, proprietário do blogue, não quis ficar atrás e também lhe deu bem. E em boa hora assim foi, dado que nos divertimos à brava em torno das peripécias do “Djosa de nha Bia”, introduzindo-se assim uma novidade na rotina dos comentários, e de tal modo que estes ascenderam a uma cifra razoável. O que fizemos não foi mais do que criar uma figura humana típica, colhida no imaginário mindelense, que é povoado de figuras, mitos e estórias as mais mofinas, imaginosas e divertidas. Grande parte das figuras populares que pululam nas nossas lembranças foram reais e os seus protagonismos o foram também, mas entre a realidade e o mito o mindelense tem sempre a arte de acrescentar umas pitadas de invenção, como todos sabem. E dessa amálgama resulta aquilo que é conhecido como a “mufneza mindelense”, pouco compreendida pelos nossos irmãos santiaguenses, porque, como é sabido, é bem diferente o perfil psicológico dos dois povos ilhéus.

É certo que essas “invenções” num blogue que é difundido sem limites geográficos e sem fronteiras nacionais delimitadas, não serão certamente compreendidas no seu significado por quem desconhece o imaginário mindelense, pelo que pode confundir o inadvertido aparecimento de uma figura, real ou imaginária, subitamente enxertada num diálogo entre comentadores.

Ora, foi assim que introduzi naquele post 733 um diálogo entre o Djosa de nha Bia e o Djosa de Madeiral (“Maderal”). Todavia, reparei que ninguém pegou no mote para continuar a alimentar a chama da brincadeira. E creio que havia motivo para isso visto que o Djosa de “Maderal” era (ou foi) uma figura bem real, não criada no contexto do divertimento. Acabei por desconfiar que os presentes ou não conheciam o Djosa de “Maderal” ou não se recordavam dele. E essa minha suspeita acabou por confirmar-se quando, em conversa com o Valdemar, este confessou-me que nunca o conheceu ou não se recordava da pessoa. Acontece que desde pequeno passei a conhecer o Djosa de “Maderal”, que calculo seria pessoa mais velha do que eu uns 15 ou mais anos. 
                               
Djosa de "Maderal", em preparos de Carnaval - Fotos Djibla
Ora, quem era afinal o nosso homem? O Djosa era um homem muito alto, talvez de 1,90 m ou mais, mas magrinho, com uma cabeça pequenina e em desproporção com a estatura, possuidor de um rosto de feições fininhas e um olhar de pássaro, que resultava dos olhos arredondados, salientes e vivos. Era ingénuo e dotado de um feitio bonacheirão, simpático e pacífico, pactuando com todas as brincadeiras de que era alvo. Ele tinha esse nome porque trabalhava precisamente na estação de fornecimento de água do Madeiral, situada perto do antigo edifício do Tribunal. Nunca percebi se essa ocupação representava mesmo um ofício a sério ou se não passava de um expediente que alguém cuidou de arranjar para o homem se sentir socialmente integrado. Esclareço que ele não era propriamente um demente, apenas um ingénuo, mas que, tanto quanto suponho, não seria pessoa capaz de tratar de si autonomamente, em todos os aspectos. Julgo que havia uma senhora que cuidava dele, mas ignoro se existia uma efectiva ligação familiar entre ambos. O certo é que o Djosa andava sempre asseado e bem arranjado de indumentária.

Ele criava o seu próprio mundo interior e nele alinhava o seu viver diário, simplificado e à medida da sua capacidade mental. Para dar uma ideia disso, lembro-me de que, um dia, estava eu na Praça Nova, tendo na altura os meus 16 ou 17 anos, e perguntei ao Djosa de onde ele vinha, já que aparentava uma boa disposição. E ele respondeu que vinha de um restaurante onde acabara de consumir um lauto jantar de lagosta com muitas e muitas cervejas. Era assim o Djosa de “Maderal”. Mas o que era mais conhecido nele é que se considerava namorado de todas as criadinhas da cidade. E nessa qualidade se sentia obrigado a ir esperá-las todas as noites, nas imediações dos seus locais de trabalho, para as conduzir às suas casas. Mas como era o “namorado” de muitas, cumpria religiosamente esse compromisso com todas, sem excepção. E assim se pode ver o rodopio que seria o vaivém nocturno do Djosa entre a “morada” e os arrabaldes da cidade. E foi esse o motivo por que injectei no meu comentário este diálogo entre o Djosa de nha Bia e o Djosa de “Maderal”, que reproduzo:

O Djosa de nha Bia andava por aí já noitinha, viu o Djosa de “Maderal”, que ia com uma “mnininha”, e resolveu meter-se com ele:
       ̶  Djosa de “Maderal”, comprá'm um segred de concurse de Jack de Cuptania na PdB!
       ̶  Agora não porqu'm tita ba levá ês pquéna na casa. Ele cabá de saí de sê sirvice.    
       ̶  Enton quond bô voltá bô ta compra'm um?
       ̶  M'ca tem temp, porqu'm ta bá logo bscá ote pquéna que tita esperá'm na sê sirvice.
       ̶  Adé, enton tont pquéna bô tem, rapaz?
        ̶  Bô ca sabê, Djosa de nha Bia? Tud ês mnininha que ta sirvi de criada ê nhas pquéna. Tud nôte m’ta ba bscás pa levás pa casa.
        ̶   E bô ca ta fazês nada, Djosa? Ê sô levás pa casa?  ̶  E Djosa de nha Bia selou esta indagação com uma risada marota. A que o outro respondeu:
         ̶   Bô ca metê na nha vida, trivid de merda! O que bô tem ê ciúme.

Tomar, 10 de Fevereiro de 2014

7 comentários:

  1. Feliz ideia do Adriano lembrar-nos do Djosa de Madeiral, este intrigante personagem mindelense, pois como bem retratou, e se nota pela fotografia, era altíssimo, magríssimo e tinha uma 'cabecinha': a desproporção era um dos motivos para se ter tornado num 'personagem' mindelense. Efectivamente era 'ingénuo' e a população sobretudo meninos, que naquela altura 'não brincavam' com pessoas como o Djosa. Havia muitas tais como o Pedro Comparaçon (muito mais recente) este sintantonense protegido do Djibla exímio em 'portugues intchod' e usado pela elite 'busod mindelense' nas maiores pirraças imagináveis, o Escacareques, o Buqchin o Cacoi etc etc. Ninguém ainda teve o condão de pegar nestes personagens e recriar as histórias, reais ou fictícias, para retratar o mindelense 'bon enfant' daqueles tempos. Mas há material no subconscient sobretudo daqueles que na altura eram menos jovens.
    Mas Djosa de Madeiral era boa pessoa, educada, pacífica ou como se dizia manso, o que era comum na nossa ilha.

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  2. Por incrível que pareça, não consigo situar esta figura, bem típica, aqui relatada pelo meu Amigo Adriano e isto é prova concludente de que se não nos dermos ao trabalho de rememorar factos, fotos e acontecimentos, contribuímos para a destruição do nosso passado que não é assim tão pobre.

    Fica também provado que, mesmo sem contribuir com textos alargados basta, por vezes, uma citação para desencadearmos um cordão de acontecimentos que mexe nas abissais da nossa memória para o esclarecimento, ou conhecimento, de figuras, de terras ou capítulos de não podem ser enclausurados em baús virtuais.
    Obrigado, Didi, Obrigado Djack

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  3. E verdade minha gente! O PdB esta a entrar num novo ritmo, sempre dentro do seu objectivo principal: Soncente-Mindelo e suas peculiaridades.
    Adriano, obrigadissima por + essa folha saida da tua " pena" como bem disse o Djack. Adorei! Espero que venham + e + surpresas dessa natureza, para o nosso agrado.
    Conheci o Djosa de Madeiral relativamente bem! Ele era protegido de uma familia do Fonte Conego, cuja casa eu frequentava na Rua onde morava o sr. Djinja da Central Electrica. Todo o seu perfil foi descrito com veracidade pelo Adriano, pois ele era assim mesmo. Ingenuo, educado, respeitador, sem qualquer laivo de maldade ou mau querer. Gosto da sua pena, Adriano e esse continho cheio de graca deu-me imensa satisfacao em le-lo.
    O Val, esse de Djosa de Maderal passou-te calaca, homem.
    Nita

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  4. Obrigado por ter apreciado este post, Nita.
    Mas, afinal, o Djack não se pronuncia? Conheceu ou não o Djosa de Maderal?

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  5. Tenho andado aqui às voltas com a possibilidade de colocar pdf no blogue, coisa que já consegui no CIDADE VELHA 1462 mas que agora não consigo fazer aqui. Quanto ao Djosa de Maderal, não me recordo dessa figura, pelos vistos marcante da nossa cidade. Mas conheci muito bem o Djosa de nha Bia...

    Braça atarefada,
    Djack

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  6. Confesso que quando o Adriano se referiu, no Arrozcatum, ao Djosa de Maderal não liguei o nome à pessoa...Agora já não tenho duvidas e recordo que, na altura, comparávamos o enorme individúo a um alfine com faróis, tipo Pedro Neves, outro esguio de cabeça mínima...Obrigado, Adriano, pela deliciosa crónica!
    Braça
    Zito

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