sábado, 12 de abril de 2014

[0813] A Praça Estrela e o seu obelisco

Caminho para a Praça Estrela, desde a Rua de Praia / Praia de Bote
Confesso que não tenho a mínima memória do obelisco da Praça Estrela. E não ter a mínima ideia deve significar que já não existia nos meus tempos de andar aos saltos e de bicicleta na dita. Lembro-me sim do monumento a Diogo Afonso de que falo abaixo e do coreto de que aqui mostro uma foto com a minha mãe e a minha tia-bisavó. Entretanto, reproduzo a parte da excelente tese de doutoramento de João Vasconcelos em que se dá conta do intuito que presidiu à feitura do obelisco, trabalho intitulado "Espíritos Atlânticos: um Espírito luso-brasileiro em Cabo Verde", de 2007, defendida no Instituto de Ciências Sociais da Universidade de Lisboa.

Praça Estrela e obelisco
No final do século XIX, camponeses vindos da ilha de Santo Antão à procura trabalho no Porto Grande de São Vicente para fugir à fome construíram as primeiras habitações no cimo do então Monte Craca, casinhas rudimentares, cobertas de colmo. Com o correr do tempo, o casario foi descendo a encosta norte e uniu-se à cidade. O bairro é conhecido por ter acolhido ao longo da sua história muitos tocadores de mornas e coladeiras, como o violinista Mochim de Monte. Em 2000 era um bairro pequeno, com cerca de mil eleitores inscritos, várias casas fechadas e muitas outras em lenta construção. Quase todas pertenciam a emigrantes que, quando podiam, vinham de visita nos meses de Verão. O Monte ergue-se logo a sul da Praça Estrela, que antigamente se chamava Salina. Não porque alguma vez tivessem explorado ali o sal, mas apenas porque outrora o mar ensopava a várzea, cuja superfície o sol secava, cobrindo-a de uma crosta esbranquiçada (1).

Diogo Afonso, virado ao quintalão de Vascónia
Entre 2000 e 2001 assisti à transformação da Praça Estrela num insólito mercado, oferta da Câmara Municipal do Porto à sua congénere de São Vicente. Os comerciantes ambulantes que costumavam vender roupa, calçado e toda a sorte de artigos de bijutaria e drogaria em tendas montadas numa rua ao lado, a maioria deles vindos da África Ocidental, foram trasladados para uns barracos amarelos ornamentados com uns azulejos azuis e brancos alusivos ao Mindelo de há cem anos atrás, plantados numa plataforma de cimento e expostos o dia inteiro à chapa do sol. No meio da outra plataforma, separada desta por um corredor ao nível das ruas circundantes, havia um coreto onde a banda municipal tocava todas as quintas-feiras ao fim da tarde.

A parte de baixo do coreto era um quiosque com toldos abertos a toda a volta que servia bebidas e petiscos. É da Praça Estrela que saem para norte as ruas que formam o miolo mais antigo da cidade, correndo paralelas à baía do Porto Grande. Visto no mapa, o Monte parece bastante central. Mas na geografia social do Mindelo é já um bairro periférico. Fica fora de Morada, o centro comercial e residencial ondevive boa parte da classe média mais abastada, a chamada gente branco ou gente de Morada.

No coreto (descoberto) da Praça Estrela (1963)
1. A velha Salina transformou-se em praça nos anos 1940. Foi nessa altura que a Câmara Municipal mandou arranjar o terreno e construir ali um coreto e um obelisco em honra dos desportistas mindelenses – mais tarde substituído por um monumento comemorativo dos descobrimentos portugueses, retirado após a independência de Cabo Verde. A praça foi delimitada por canteiros em forma de estrela de seis pontas onde plantaram acácias, e destas estrelas veio o seu nome popular (ver Papini, coord., 1982: 163-164).

NOTA DO PRAIA DE BOTE - Pensamos que o "monumento comemorativo dos descobrimentos portugueses" a que o autor se refere é o dedicado a Diogo Afonso (c.1955), estátua do escultor Gustavo Bastos natural da Figueira da Foz mas longos anos professor das Belas-Artes do Porto. A propósito deste monumento já escrevemos no periódico cultural "Artiletra" um longo artigo. Por outro lado, a estátua de Diogo Afonso não foi erigida no mesmo sítio do obelisco, pelo que não o substituiu propriamente, nem em local nem em significado. E de facto, como diz João Vasconcelos, foi apeada nos momentos quentes do pós-independência mas recolocada mais tarde em local bem melhor, junto à réplica da Torre de Belém.

4 comentários:

  1. Eu não estava lá, mas penso que a estátua não substitui o obelisco. Este só terá sido demolido na altura em que destruíram a Praça para ocupar o seu espaço com as tais barracas. Nunca é demais reafirmar o crime que foi cometido.

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  2. Lembro-me da Salina ainda com o seu campo de cricket no meio e, muito vagamente, de partidas esporàdicas de futebol. Também dos trabalhos de transformação para a Praça Estrela com o obelisco de cujo significado não me lembrava. Igualmente da célebre Rua de Craca (no fim da qual começava a Rua de Monte). Craca era reputada por ser a rua mais suja do Mindelo.
    Pode-se dizer que essa rua foi a "cantera" do Mindelense pois dali sairam grandes jogadores como Lela de Raul, Antero (depois da Académica), Manel Preto, Antãozinho, Aguinaldo e tantos outros.
    Anos depois, quando voltei de férias, o tão folclorico (como coxo) Mercado estava feito e povoado. Antes as chamadas "roupas de bordo" (roupas de segunda mão) eram vendidas na Placa, um longo canteiro que se encontrava em frente da actual sede do Amarante. As grandes acacias davam sombra e delimitavam os lugares.
    Tanta recordação ...

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  3. Já mandei aos amigos da Praça Estrela, vir dar uma saltada um 'tchluf' na Praia de Bote e recordarmos como era esta área. Escusado dizer que não sou muito fã daquilo que virou a Praça Estrela.....

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  4. bom Dia, Senhor Valdemar Pereira o senhor tem que saber os jogadores nao

    era da rua de Craca mas sim do Monte

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