sábado, 26 de abril de 2014

[0847] Polícia corajoso...

in "Almanach-Luso Africano" para 1895 (ed. Almedina, Coimbra, 2011), p. 160 

Um bravo em tempo de paz 
[texto como no original]

Praia - Banda de Música da Polícia Indígena (anos iniciais do séc. XX)





Um certo sargento da polícia civil, na cidade da Praia, Cabo Verde, em 1874, homem prudente… e de uma coragem nunca vista, estando de serviço, ouvira apitar e grande vozearia, - indicio certo de desordem e baralha.

O nosso heroe, não podendo conter-se pelo seu mau genio, dirige-se com a maxima cautela… a uma distancia respeitável da rua da desordem.

N'isto, oh fatalidade! bate de chapa com o seu próprio comandante (capitão L…) que se dirigia ao local do conflicto, e, estupefacto pelo passo grave do nosso valente sargento, pergunta: - Para onde é que o sr. vae, com tanta pressa?...

- Psiuh!... Estes desordeiros da Praia, meu comandante,… andam sempre armados do famoso manduco… e para evitar que eles fujam, me dirigi pressuroso á rua oposta á da desordem, afim de conseguir a captura dos desordeiros!!, caso para ali se dirigissem.

O commandante sorriu-se da chalaça e seguiu…

O nosso bravo oficial inferior, quando teve a certeza de que os desordeiros estavam debaixo de escolta e em segurança, immediatamente se dirigiu á porta da cadeia, onde já os presos se achavam, e então, por aquelle seu mau genio, deu um murro em um dos presos, dizendo para os seus camaradas: "Ah! este meu mau genio".

D'este calibre ha muitos por este mundo de Christo.

João Baptista Nobre Leite
(Caboverdeano)

4 comentários:

  1. Por acaso, já me aconteceu assistir a uma ou outra cena deste tipo de valentia. Vou contar uma. Estava eu em 1962, na ilha do Sal, à espera do voo (PAN AIR) para Lisboa. Cheguei na véspera do voo. Já não tenho uma ideia muito nítida do local, mas penso que era uma esplanada daquele hotel de madeira que havia junto ao aeroporto. À noite, estavam no local várias pessoas e entre elas militares metropolitanos de uma unidade militar instalada no Sal. Numa mesa, estavam marinheiros de um navio mercante holandês que se tinha naufragado dias antes nas proximidades. Aguardavam um avião para serem devolvidos ao seu país. Às tantas, depois de terem ingerido uns valentes copos, os marinheiros perderam as estribeiras e dois deles se engalfinharam, tendo-se juntado à refrega os restantes, talvez tomando partido por um ou outro dos contendores. A coisa ficou feia porque um deles partiu uma garrafa, com intenção de a transformar em arma de corte. Lembro-me de que um dos holandeses sofreu um ferimento superficial provocado pela dita garrafa cortada. Como polícia não havia ou não se fez prontamente presente, um capitão (que estava à paisana, sentado a uma mesa) ordenou aos soldados presentes (seriam uns 10) para intervir e pôr cobro ao desacato. Os soldados, que eram uns franganitos comparados com os marinheiros matulões de 1,90, e ainda por cima desatinados pelos vapores do álcool ingerido, ficaram a olhar uns para os outros, e tá quieto... ninguém se mexeu. Tenho de confessar que nas mesmas circunstâncias eu também teria hesitado. Como é que soldados sem qualquer apetrecho (arma, manduco) para impor a autoridade pública iriam proceder? É que nestas situações ou há um elemento fortemente dissuasor para o restabelecimento da ordem ou é imprevisível o que poderá acontecer. Os soldados iriam agarrar cada um dos marinheiros para os separar? Ou iriam empregar qualquer meio coercivo (murros, pontapés, cabeçadas), sempre difícil de definir e quantificar? Estou convencido de que só iriam aumentar a confusão e o que era uma briga entre marinheiros holandeses poderia acabar por se tornar numa guerra luso-holandesa. Instantes decorridos, apareceu a polícia e sem que ela tivesse de intervir propriamente os marinheiros lá serenaram os ânimos e voltaram a sentar-se à mesa, prometendo não haver mais briga. E foi nessa altura que um dos soldados apareceu em cena e começou a gesticular e a vociferar, parecendo querer crescer para a mesa onde estavam os marinheiros: Cabrões, filhos da puta, vão para a vossa terra!

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  2. ahahahaha, bela história que me fez rir a valer. Quase a mesma coisa da anedota. Pelo menos, a matriz é a mesma.

    Braça sem socos,
    Djack

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  3. Ora ora

    É meu parente sim e devia saber o que estava a contar, pois foi do regimento da policia indígena da Praia (e sargento salvo erro). Já agora, facto pouco relembrado, outro que pertenceu ao tal regimento da Praia, foi o poeta José Lopes da Silva, mas este foi polícia apenas um ano ou dois, se tanto.

    João Nobre de Oliveira

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  4. Salvo erro sim.

    Quem foi sargento da polícia foi o irmão José António Nobre Leite. João Baptista era funcionário aduaneiro em S. Vicente onde faleceu em 1931.

    João Nobre de Oliveira

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