sábado, 26 de abril de 2014

[0846] Uma anedota de tchuc e senhoras, a finória lisboeta e a cabo-verdiana que não se deixou enrolar por ela, tudo na Avenida da Liberdade, Lisboa, nos finais do século XIX... - NA PRÓSIME POST, Pd'B TA BÁ MOSTRÁ UM STÓRA D'PLIÇA D'PRAIA... GATXÓDE

Praia de Bote está hoje de anedota. Mas para que ela se compreenda bem, há que fazer um resumidíssimo intróito.

Comecemos pela Avenida da Liberdade, de Lisboa. Antes, era o Passeio Público, criado pelo marquês de Pombal, após o terramoto, para que os lisboetas ali passeassem. Tinha o equipamento de lazer mais ou menos como limites o sítio dos actuais Parque Mayer (ou Rua das Pretas) e obelisco aos Restauradores. Mas, nesse século XVIII, tal como neste XXI, os alfacinhas eram pouco dados a passeios, tanto mais que essa zona estava nos confins da cidade e para além deles só havia hortas ou campos de agricultura. Coisa longe, que não agradava a ninguém e o Passeio Público, murado, com estátuas, fontes e bancos, para ali ficou ao abandono. Até que chegou a Lisboa o segundo marido da rainha D. Maria II, Fernando de Saxe-Coburgo-Gota, homem culto e amante das artes, proveniente de uma Europa cosmopolita e civilizada que ao saber do Passeio o começou a frequentar. Claro que por mimetismo toda a Corte e burguesia de Lisboa também para ali convergiu, para o ver e para ser vista… E o Passeio tornou-se um sucesso, muito depois de ter sido criado.

A então nova Avenida da Liberdade
Mas entretanto surge Rosa Araújo como presidente da Câmara Municipal de Lisboa, um homem sério e de visão que percebeu que para a cidade se desenvolver havia que desmantelar o Passeio e prolongá-lo para Norte numa Avenida que daria possibilidade de aparecimento a novos bairros e avenidas que de facto se rasgaram e ainda hoje se chamam "Novas". Aconteceu isso a partir de 1879, com muitos protestos, como de costume. Mas a Avenida lá vingou e é ainda hoje a mais bela de Lisboa e uma das mais caras do mundo…

Posto isto, passemos aos Condes de Santa Cruz. Não nos interessa a história dos ditos que também se cruza tragicamente com o marquês de Pombal, mas tão só que alguns deles se tornam donatários de Santo Antão: Francisco de Mascarenhas (1593-1608), mais um Martinho, um João e outro Martinho que por ali se manteve até 1676.

Fica assim feita a cama para se perceber a anedota que copiámos do nosso "Almanach Luso-Africano", de 1899 (pág. 356), reeditado pela Livraria Almedina (Coimbra) em 2011. Dois exemplares preciosos, o de 1895 e este de onde saiu a inesperada anedota.

NA AVENIDA (grafia e pontuação como no texto)

A uma senhora caboverdeana, perguntava uma lisbonense na Avenida, para ridiculariza-la.
- Em Cabo-Verde há porcas, minha senhora?
- Porcas não há, respondeu a africana, porque foram exportadas todas para Lisbôa no tempo dos Condes de Santa Cruz, para aqui se multiplicarem e depois perguntarem se ainda há por lá alguma avózinha…

10 comentários:

  1. Joaquim, é uma anedota cheia de pimenta e piripiri, mas que se pode contar em qualquer salão burguês. E ainda por cima, à laia de introdução, faz uma breve resenha histórica do chamado Passeio Público, que nos tempos queirosianos já era um sucesso. Não se pode dizer é que essa cabo-verdiana fosse mindelense (gente muito dada a anedotas e brincadeiras), porque por essa data a cidade estaria nos seus primórdios como urbe.

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    1. Sim, achei por bem fazer essa introdução, porque a anedota aparecia a seco e com estes dados que juntei poderá ser melhor compreendida. Penso até que a referência aos "condes de Santa Cruz" na anedota indicia que a senhora cabo-verdiana seria de Santo Antão e que quem enviou a piada para o "Almanach" seria dessa mesma ilha.

      Braça com riso luso-cabo-verdiano,
      Djack

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  2. Essa mulher podia não ter saido da Rua de Lisboa ou da Rua o Telegraph mas podia bem ser vindo do Monte Sossego ou melhor ainda da Craca lugares onde havia pessoas dessas que não tinham medo de ninguém e possuia o dom da resposta fàcil.

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  3. Val, naquele tempo o que viria a ser a cidade do Mindelo estava ainda basicamente no primeiro núcleo. Nem Craca nem Monte Sossego, a não ser um ou outro casebre. É provável que essa senhora fosse de S. Antão e não seria certamente uma "maria-ninguém", pois S. Antão tinha então famílias de pedigree social, como sabemos. Basta ver que viajar para Portugal e viver em Lisboa não era para qualquer um a essa época. De resto, repare-se que a resposta por ela dada é uma síntese bem construída e portadora de uma intencionalidade fortemente pícara. Portanto, suponho que essa cabo-verdiana seria alguém da sociedade.

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    1. Claro, devia ser minha patricia para saber tanto da ilha.
      O último donatário, o conde de Santa Cruz, o duque de Aveiro e marquês de Gouveia (os quatro titulares eram a mesma pessoa) o Djô Mascarenhas que era casado com uma Távora e acabou os seus dias executado e esquartejado ali perto do Passeio Público, no Rossio. Na sequência do atentado contra o rei D. José I, o marquês de Pombal mandou prender e executar todos os presumíveis culpados, desde os membros da família Távora até ao duque de Aveiro D. José Mascarenhas cujos bens foram então confiscados pelo Estado. Seus bens passaram para a coroa (para o estado) entre os seus bens estava a ilha de Santo Antão que passou a ser administrada (explorada) pela Companhia de Grão Pará e só depois de 1777 passaria para o governo de Cabo Verde.
      Por causa desta familia que a Povoaçào era a Povoação de Santa Cruz, seu primitivo nome. De notar que nunca viveram em Santo Antão. Nomeavam feitores (capitães-donatários) para tomar conta da ilha e recebiam os rendimentos.
      A anedota deve ser da segunda metade do século XIX e Mindelo era ainda criança, daí defender que a cabo-verdiana era da Povoaçào de Santa Cruz.

      João Nobre de Oliveira

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    2. Primeiro, o devido agradecimento por mais uma douta colaboração. Segundo, claro que era assim, tal como ainda no século XX acontecia no Alentejo, em situação similar: os latifundiários tinham os seus caseiros que cuidavam de tudo, enquanto eles, donos das terras, preguiçavam por Lisboa. Na altura certa, era só ir lá abaixo buscar a massa que o trigo e azeitona tinam dado. Isto sem maniqueísmo, obviamente, pois havia latifundiários que não só se preocupavam pessoalmente com as suas coisas e moravam na zona como até pagavam acima da média aos seus trabalhadores que tratavam correctamente. Conheci alguns assim, um deles até vagamente ligado à minha família. Como em tudo na história e na vida, não há só um lado.

      De resto, acho que a tal senhora nunca existiu. Quem inventou a história é que devia ser de Santo Antão. Não assinou o texto como fizeram os outros dois cujas "stóra" reproduzi noutros posts, mas tem mesmo pinta de ser da ilha fronteira à nossa.

      Braça donatária,
      Djack

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  4. E hás-de ver se o "Nobre" que conta a "stóra" do sargento medroso não é da tua família.

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    1. Bom.

      Meu bisavô Joaquim Nobre colaborou com o pseudónimo de Draco (escrevia estória sem crioulo de Santo Antão, mas sem utilizar o ALUPEC que na altura não existia mas já fica provado que é possível escrever o crioulo de outra forma). Um primo Benjamim Nobre também aparece. Mas vou esperar pela anedota e nome do autor. Outro parente que colaborou neste Almanque, mas este do meu lado bravense, foi Francisco Arrobas Crato, cujo neto já se tornou mais conhecido como ministro no actual governo, bom já era conhecido por alguns livros que publicou inclusive criticando a educação.

      João Nobre de Oliveira

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  5. A anedota do sargento já ali está no post seguinte.

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