De cortar a respiração, talvez a primeira imagem. De relembrar ou ver pela primeira vez, o aeroporto (versão vintage) - que se confunde com a ilha, grande empregador da mesma (juntamente com o turismo) e seu maior cartaz. E fica bem um burrico, que afinal também é paisagem, embora corte mais o ar, quando zurra, que a respiração. Embora não se diga na frente do postal, a paisagem burrical é do Sal, asseguramos...
Juntamos um excerto de um texto de um amigo nosso e uma musiquinha do salense mais saudoso, Ildo Lobo.
Um dia no Sal
(...) Do táxi Toyota que me conduz a Espargos, onde pernoitarei, vejo barracões com a sigla da transportadora aérea portuguesa. Lá dentro, apesar da iluminação acesa, não se vislumbra vivalma. Pendurado no retrovisor do carro, um galhardete do Sporting; na rádio, passa ruidoso funaná. Parece comprovar-se o que me disse um amigo foguense: que na rádio, festas, bares e clubes nocturnos, sobretudo nos frequentados por gente jovem, o funaná tende a suplantar as mornas e coladeiras. Pelos vistos, nos táxis, também. Ainda meto conversa com o motorista, sobre futebol português, mas logo desisto. Ele sabe muito mais do assunto que eu. E quando lhe pergunto se é do clube do galhardete, responde-me: «Não senhor. O meu patrão é que é. Eu sou do Benfica!». Emprego oblige...
Dentro em pouco, estou no Hotel Atlântico. O edifício principal oferece desenho curioso, simulando talvez uma tenda, mas apresenta pouca ambição interior, na sua rotunda donde parte a escada para o piso cimeiro, onde se situa o bar panorâmico. O serviço aparenta eficiência, confirmando-se a marcação que fiz por telefone, várias semanas antes. Ligo para casa, a dar notícias, e bebo o primeiro grogue, oferecido por um cabo-verdiano tão branco como eu, que me fala dos seus muitos familiares e patrícios amigos, moradores no Seixal, Barreiro e “States”, conforme diz. Ostenta no anelar direito um volumoso cachucho de ouro, com as bandeiras cruzadas de Portugal e dos Estados Unidos da América, oferta de um tio emigrado em Boston. O homem está ali para as curvas e não se cala. Embora a conversa me agrade, tenho sono e quero sossegar. Despeço-me, pego na chave e sigo para o alojamento. A temperatura está quente, no quarto que me calhou – o 310, inserido num extenso conjunto organizado em banda –, apesar do vento que assobia lá fora. Não me agrada manter a ventoinha do tecto a girar, toda a noite, por cima de mim. Prefiro sofrer o calor. Entretanto, a todo o momento chega gente, enquanto crianças choram e cães uivam ao despique, entre si e com elas. Torna-se difícil conciliar o sono nestas condições. Finalmente, pelas três da manhã, nadando em suor e com a ajuda de providenciais auriculares de silicone, adormeço.
Como sempre, em terra estranha, prefiro andar a pé, porque considero não haver melhor maneira de tomar contacto com novos locais e gentes. Santa Maria, a cerca de três léguas, é a coqueluche da ilha para um número crescente de turistas que aqui vêm. Mas não é esse pequeno algarvezinho que me interessa, apesar da excelência da praia, de águas límpidas e cálidas. Assim, após o duche e o pequeno almoço no hotel, parto para Pedra de Lume, a sete quilómetros, onde quero visitar as famosas salinas que há muito conheço por fotografias de revistas e de amigos. Passo perto do quartel das tropas especiais, junto do qual decorre a formatura da manhã. Compõem-na, suponho, um oficial, um sargento e pouco mais de uma dezena de praças. O vento levanta nuvens de pó que dão à cena o enquadramento digno de um filme sobre a Legião Estrangeira. Adiante, a estrada de alcatrão desenha-se longa, assente sobre paisagem desoladora e plana, aqui e além salpicada por raros morros de pouca altitude, cobertos de bruma. Espargos demora a ficar para trás. Apanho o estádio de futebol pela esquerda, numa altura em que as casas passam a escassear. Nisto, inicia-se a queda de uma chuva miudinha, incapaz de encharcar o chão. Porém, os pingos logo terminam. Começam a doer-me os pés. As sandálias novas roem-me os calcanhares e dentro em pouco estou com reduras em ambos. Resolvo descalçar-me e meto-as no saco que levo a tiracolo, com o equipamento fotográfico. A partir daí, os condutores de alugueres, táxis e outros veículos que passam, começam a convidar-me para entrar, pelo que sou obrigado a explicar-lhes – apesar do mal que me atormenta e me faz apetecer as ofertas – o meu desejo de caminhar. Devem crer que não regulo bem e lá seguem. Junto a uns arbustos raquíticos, surgem duas vacas e um vitelo. Com o mar à vista, encontro uma manada do lado direito da via. Ignoro como sobrevivem estes bichos e mais ainda como conseguem apresentar compleição que, sem ser corpulenta, também não é esquálida. Ao longe, uma casa minúscula, uma árvore e um cão que me observa, assente nas patas traseiras, impassível, como que hipnotizado. Começo a divisar um cemitério e um conjunto habitacional. Perto, o snack-bar Sol-Mar que, ao contrário do seu afim lisboeta, se debruça com toda a propriedade de nome sobre o Atlântico, debaixo da protecção do astro-rei. (...)
Tambem por aqui andei, há cerca de 65 anos e até pernoitei no antigo Hotel Atlantico, construção sobre estacas, obra italiana, julgo eu!
ResponderEliminarEm certa altura, o Sal foi considerado o local do mundo com maior consumo de whisky per capita!
Boa narrativa e sugestivas fotos. Passei pelo Sal algumas vezes em tempos de diazá e quando, muitos anos depois, revisitei Cabo Verde. É uma ilha que mudou muito.
ResponderEliminarEstas imagens fazem-nos viajar no tempo e no espaço das ilhas deste arquipélago por vezes seco por vezes verde são mesmo de cortar a respiração. Graças a Praia de Bote e ArrozCatum vamos refrescado a memória de Cabo Verde. José F Lopes
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