Como este meu esclarecimento não foi publicado [Arsénio de Pina não se refere ao Praia de Bote, obviamente], embora o tenha enviado logo após as reacções ao artigo, e desconhecendo o motivo, vou a fazê-lo sob a forma de artigo, conservando o texto original e acrescentando-lhe algo mais.
Não costumo responder às reacções aos meus artigos, até por boa parte não passar de arroto ritual automático marcado pela indigência. Hoje, porém, abro uma excepção à de Marsianu nha ida, que se me dirige com relativa e sofrida cordialidade, merecedora de algum esclarecimento, extensível aos que o apoiam no texto. Faço-o, também, porque se identifica; geralmente, os que se engasgam com as minhas críticas e propostas, e aqueles a quem são dirigidas, têm à mão agentes transmissores de recados, no anonimato, os quais, pela mediocridade intelectual, só conseguem ofender ou caluniar, seguindo a máxima, falsamente atribuída a Beaumarchais, “caluniai, caluniai, porque ficará sempre algo disso…” Alguns entretêm-se a trocar ofensas e piropos com outros opinadores, pondo de lado o assunto do artigo que não discutem. Os que me entendem até se dão à tarefa de me defender, quando não a apresentar críticas civilizadas.
Ora bem. Vamos tentar, embora contrafeito, proporcionar alguns esclarecimentos prevenindo futuras imprecisões dos meus críticos.
Não resido em Portugal, mas sim em S. Vicente, onde tenho casa própria. Passo, é certo, longas temporadas em Lisboa, onde vivem os filhos, que não conseguiram obter empregos em Cabo Verde, e os netos, e ainda dou apoio a duas clínicas médicas no ramo da Pediatria. Não digo isso por menos consideração aos da diáspora por saber que são mais metediços, mais realistas, mais avisados por conhecerem o mundo e terem adquirido outras experiências. É absolutamente necessário contar com eles e envolvê-los, por terem algo a fornecer, na sociedade civil e na reforma do Estado.
Quando me aposentei – há cerca de treze anos -, apresentei ao Governo a minha disponibilidade (não pedi, nem exigi nada) para algum cargo que bem entendesse, que não fosse ligado à Saúde, visto ter trabalhado largos anos nesse sector e necessitar de fazer uma higiene mental, de praticar a chamada lei do ritmo, trabalhando noutras matérias. Como fui funcionário das Nações Unidas (OMS) como conselheiro técnico na minha área de especialização, durante onze anos, em vários países africanos, cargo que tem o estatuto de diplomata, e adquiri alguns conhecimentos dos problemas políticos, económicos, sociais, culturais e outros desses países - que os meus livros atestam -, julgava poder ser útil ao país numa dessas áreas, se o Governo assim entendesse.
Como deve saber, caro Marsianu, fui condecorado pelo Presidente da República, em Abril de 2004: “1ª classe da Medalha de Mérito com reconhecimento pela sua devoção profissional e abnegação ao serviço da Saúde em Cabo Verde”; homenageado pela Ordem dos Médicos Nacionais e condecorado pelo Governo, em 2012, pelo trabalho desenvolvido na criação e consolidação da PMI/PF. Sou, ainda, Combatente da Liberdade da Pátria (cartão nº 154/09).
Participei nas eleições autárquicas, como independente, na lista do PAICV, para a Câmara Municipal de S. Vicente, como candidato a Presidente da Mesa da Assembleia Municipal, em apoio ao amigo Leonildo Monteiro, que teve de se sacrificar, por o candidato natural previsto, Inocêncio de Sousa, não ter aceitado concorrer contra Onésimo Silveira. Também dei o meu contributo às legislativas, na última fase de governação do MpD, numa altura em que muitos militantes do PAICV se retraíam, defendendo o retorno do Partido rejuvenescido à governação, o que convenceu muitos descrentes a darem a cara, como eu, que nada tinha a ganhar pessoalmente com essa tomada decisiva de posição: lutava em defesa dos meus ideais, convencido da redenção dos pecados e da autocrítica do PAICV durante a travessia do deserto. Se tiver dúvidas quanto a isso, suspeitando que pudesse ter estado em busca de algum interesse pessoal, informe-se melhor, porque descobrirá que, se assim fosse, não teria declinado os convites para ministro da saúde, nos primeiros anos da independência, nem posteriormente, na governação do MpD, por razões que expliquei e poderá encontrar num dos meus livros.
Sôré, caro Marsianu, por estar a aborrecê-lo com esses factos, mas a culpa é sua por me ter obrigado a isso. Falar do que não se conhece tem dessas consequências colaterais desagradáveis.
Não obstante esses presumíveis méritos, nunca se lembraram de utilizar a disponibilidade ofertada após a reforma para nenhum cargo. Intrigante, não?! Obviamente que, actualmente, na minha idade, limito-me a entreter-me com os netos, nas consultas pediátricas, a destilar e partilhar algumas reflexões de pura heresia centralista, a denunciar alguns vícios que vêm comprometendo a gestão da coisa pública, na minha irreprimível tendência para intervir como elemento da sociedade civil.
Na companhia de Jaime Dias intriga-se com o facto de não me fixar em Cabo Verde para criar um partido político, ou acoplar-me ao PTS, para fazer vingar as minhas ideias e propostas. Se tivessem tido o cuidado de se informarem melhor – o que aconselhava o bom senso – escusariam de se intrigar e me aconselhar, e conheceriam as razões de não ser, nem vir a ser, militante de nenhum partido político, mormente nos tempos presentes em que há um grande descrédito relativamente aos partidos, cada vez mais incaracterísticos. Há necessidade, não de mais partidos, mas de melhores partidos, urgência numa renovação dentro de cada um dos partidos, um arejamento de bafios antigos persistentes, uma revisão dos seus programas e ideais, a criação ou revitalização de centros de estudos dentro dos partidos para melhor conhecerem, convivendo com elas, as comunidades e seus problemas crónicos prioritários.
Também descobriria, caro Marsianu, em vários artigos e livros meus que, pela minha matriz democrática, nunca pretendi impor nenhuma política nem estratégia, porque, em democracia, não pode haver obediência disfarçada em disciplina partidária, mas sim acordo após debate aturado. Tenho, realmente, utilizado bastas vezes os media para apresentar matérias da minha especialidade, reflexões sobre leituras e experiências, propostas e críticas construtivas para discussão e estudo, incluindo, nos últimos tempos, a descentralização e regionalização, estas em consonância com as do Senhor Presidente da República, que, infelizmente, têm caído em saco roto, ou desvirtuadas. Como activista da sociedade civil creio que “não existe activismo colectivo sem activistas individuais; sem esta vontade inconformista, rebelde e insurgente nenhuma luta social e política significativa contra a injustiça e opressão institucional poderá ser bem sucedida”, como bem escreveu o Prof. Boaventura Sousa Santos.
Reconheço alguma pertinência ao que diz um anónimo sobre a prática de alguns intelectuais de se servirem de pensamentos de autores famosos para se inspirarem para a produção de artigos. Poderá, realmente, ser fastidioso para quem lê bastante, mas como os bons hábitos de leitura se perderam há já algum tempo, acho um benefício para quem lê pouco, dispor de digestões retocadas e enriquecidas de assuntos aplicáveis ao país tratados de modo pedagógico e de referências ou citações identificadas, como me esforço por fazer, por ser um tipo de pessoa que sabe um bocadinho de uma-data-de-coisas – sou um devorador de livros e observador atento da realidade -, isto é, um colecionador de factos. Gostaria de perguntar ao anónimo, como é que participaria na transmissão de reflexões sobre problemas candentes para o esclarecimento da sociedade civil e na crítica ao poder político sem assumir a responsabilidade e sem dar a cara por ideais e soluções bem-sucedidas noutras paragens. Também condena os pastores que utilizam as parábolas dos profetas?
Alguém até me acusa de ter ido buscar ao Onésimo Silveira a definição de fundamentalismo, o que só denota ignorância do que venho escrevendo há largos anos sobre o assunto. Se se irritou com o conceito, por o julgar de origem islâmica, informo-o de que tem paternidade cristã, surgido no Sul da Califórnia, em 1920, de um grupo de protestantes evangélicos.
Parede, Janeiro de 2014
Arsénio Fermino de Pina
Caro Amigo:
ResponderEliminar1- O senhor é uma pessoa culta que já nos habituou a textos com fundamentos e estudos sérios. Ainda há pouco li no «Terra Nova» um artigo seu bem interessante sobre a proliferação e a negociata das novas seitas, cuja leitura recomendo.
Daí que, como sua leitora, sugiro vivamente que não perca o seu precioso tempo. Eu acredito que se fosse com interlocutor que quisesse alargar os seus horizontes, ou apresentar mais e outras teses, na linha das suas, ou para as confrontar até que daria um bom debate.
Mas assim sendo, não vale a pena! Trazem alguns, etapas queimadas, por vezes sem disso ter culpa, mas que também não ligam o "desconfiómetro" individual. Pois se o ligassem, (com todos devemos fazer) observariam algum silêncio reflexivo, que só lhes faria bem.
2- A leitura só pode ter sinal positivo! Quanto mais, melhor! Ler, ler, conhecer teses e opiniões abalizadas daqueles que se debruçaram e se debruçam sobre matérias que nos fornecem referências, para reelaborarmos e transformarmos os nossos pensamentos e ideias, só nos enriquece e enobrece!
Abraços
Arsénio, já estamos habituados às más "digestões" desse Marsianu e de outros que afinam pelo mesmo diapasão da discordância sistemática. Além dele, e como bem sabes, tens um inimigo figadal já conhecido que arranja sempre pretexto para discordar de tudo o que escreves, por mais pertinentes, avisados e valiosos sejam os assuntos dos teus artigos, e são-no sempre. Pela sua capacidade de expressão, vê-se que é alguém que sabe escrever e articular as suas insanas críticas, mas que denuncia um fundamentalismo rasca e cego, dando a ideia de padecer de uma qualquer síndrome do foro psíquico: inveja, despeito, fixação persecutória, etc. Ao contrário do Marsianu, que dá a cara, ele utiliza sempre falsas identidades, mas denuncia-se facilmente pelo estilo da sua escrita.
ResponderEliminarÉ claro que não se vai ligar importância a essa gente. Mas o que nos fica é a desilusão sobre qualquer possibilidade de tornar os espaços online ágoras para um frutuoso debate de ideias. O tempo passa e as pessoas não aprendem a tirar real proveito dos meios que a tecnologia nos disponibiliza. Pelo contrário, regalam-se com o destilar publicamente os seus maus instintos.
Quanto ao resto, já sabes que a esmagadora maioria dos cabo-verdianos apreciam tudo o que sai da tua pena.
Concordo plenamente. Por estas e por outras, nunca abri o espaço do "Cidade Velha 1462" aos comentários. Era certo e sabido que haveria venenosos a surgir. O espaço de comentários em jornais, em Cabo Verde como em Portugal é uma espécie de balde de lixo cujo visionamento devemos evitar a todo o custo.
EliminarO que se passa com o Arsénio faz-me lembrar certos países africanos que, quando tomaram a independência sacrificaram os craques por serem os melhores. Hoje cito os dois primeiros sacrificados: Sir Tafeva Baleva (Nigéria) e Sylvanus Olimpyus (Daomé).
ResponderEliminarMuitos outros Quadros mais capacitados (em qualquer matéria) que o líder apareciam e logo desapareciam misteriosamente.
Felizmente isso não é corrente na nossa terra e o Arsénio, vivinho da costa, é um dos meus patricios contemporâneos que mais admiro e de quem falo amiúde com outro craque da pena que é o nosso comum amigo Adriano.
Força, Arsénio !!!