Tratava-se de um antro mal iluminado – em que sobressaía o odor da aguardente de cana-de-açúcar misturado com o do tabaco e de suor –, ao fundo do qual a dona residia, num quarto separado da loja por velha cortina de folhagens. Viúva cinquentona, Joana de Jesus possuía lindos olhos azuis, reveladores da sua ancestralidade europeia, e uma opulência peitoral que atraía os homens que do botequim faziam a sua segunda casa. Mas só para Zezé tinha atenções mais demoradas. O copo dele estava sempre cheio e ao lado nunca lhe faltava o pires com uma rachinha de cuscuz. E quando a mulher pegava na garrafa, debruçando-se para lhe servir mais um pouco de cachaça, os olhos do pescador caíam gulosos sobre aquele decote e o longo e generoso vale que dentro se entrevia. Às vezes, noite alta, quando a dona do botequim já tinha feito as honras à casa com um ou mais grogues, os clientes pediam-lhe uma morna. Então, ela dizia: «Só se bucês tude bibê más um grôguin» Cumprida a exigência, Caló Monteiro, mecânico de automóveis e músico hábil na tocadura, rapava do seu violão e iniciava-se a desejada serenata. A voz quente de Joana enchia a casa e estendia-se à rua, atraindo fregueses dos botequins vizinhos, para raiva da concorrência:
Bôs odjos, Xandinha
Tem doçura di mel
Tem magia di sonho
Ta cambá na mar azul.
Era sempre a morna de Amândio Cabral que abria o canto, porque Joana sabia que ela impregnava as almas e impunha mais um copo. E à medida que as canções se sucediam, o balanço daquela voz doce, os harpejos lamentosos de Caló e os vapores do álcool espalhados na atmosfera iam embalando o público até ao sono. Chegada enfim a hora de fechar, os clientes arrastavam-se a caminho de suas casas, Joana varria as cascas de mancarra e as beatas que inundavam o chão e por fim cerrava as altas portas vermelhas do estabelecimento. A partir de dada altura, passou a ser Zezé o encarregado desse serviço. Só que agora, ele não seguia para o Monte Sossego, onde vivia com a velha mãe, como fazia antes. Ficava do lado de dentro. Os olhos e o corpo de Joana também tinham a doçura do mel...
Estou certo que a quase totalidade dos leitores gostariam de estar no lugar do Zezé. Pelo que me concerne contento-me com o sabor da estorinha no tempo e no espaço. Sabores e odores excluídos, fui rusgar à porta do estabelecimento por onde passei varias vezes depois do trabalho para me impregnar do ar de Praia de Bote.
ResponderEliminarObrigado pela viagem de borla