domingo, 23 de agosto de 2015

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Para comemorar, e por ser coisa ainda actual, aqui fica um dos nossos cerca de 60 artigos publicados no defunto e agora renascido jornal.

13 Jan, 2006     06:35h
A coluna de Joaquim Saial 
CABO VERDE DI MEU 
DE EDEN PARK A QUÊ?

Como terá surgido o nome? Inspirado no do londrino Eden Park Hotel, de 1860? No do Art Museum Eden Park, de Cincinnati, Ohio, feito em 1887? No da casa construída em 1891 em Marryatville, Adelaide, Austrália, hoje colégio? Seja como for, aquela designação de “Parque do Paraíso” fica-lhe bem. Aliás, sempre lhe caiu que nem uma luva. Porque durante oito décadas foi realmente o paraíso do cinema, do teatro, de récitas de estudantes e de soldados do quartel, de festas de Natal, de eleições de misses, de mil e uma actividades que fizeram a sua própria história, a da cidade, a da ilha e a de Cabo Verde. E não é “Cinema Paraíso” um dos mais belos filmes sobre o cinema e os edifícios em que ele vive, em que ele se divulga?

O Luíz Silva, o Adriano Lima, o Zizim Figuera, o Djô Martins, cada um a seu modo, já deram valiosíssimo, certeiro e atempado contributo à causa da manutenção deste templo mindelense da Cultura. Ponto final, então? Parece-me que de modo nenhum. Contudo, é necessário não ter ilusões. Nos tempos que correm, de vídeo e DVD, um cinema com aquelas características, naquelas condições, se não levar uma grande volta, está condenado à morte lenta. E o giro é possível, mantendo-se o espírito da coisa, mantendo-se a magia, conservando-se a matriz primeira, de sítio cultural. Neste ponto, parece-me que o inteligente depoimento de Adriano Lima oferece grandes possibilidades de sucesso. E dou aos leitores um exemplo semelhante em que participei, ainda que a nível modesto.

Como alguns leitores sabem, apesar de transportar uma forte costela mental mindelense, sou natural de Vila Viçosa, Alto Alentejo, Portugal. E nesta minha terra, um grupo de figuras locais construiu nos meados do século XX um Cine-Teatro baptizado com o nome da poetisa local Florbela Espanca. Edifício grande, com vasta capacidade de público, alguns lugares cativos, como era usual, grande luxo de ferragens e de mármores, pedra abundante nas imediações da vila, e máquina de primeira qualidade para a projecção das fitas.

Tudo correu bem, até ao advento do vídeo. Depois, foi o descalabro. Algures no início dos anos 80 vi ali o meu último filme, por acaso português, da autoria de Monique Rutler. Era Inverno, o frio mais que muito e eu tiritava. Ainda por cima, não percebi metade do que os actores diziam, apesar de falarem na minha língua. A dado passo, a fita partiu-se. Daí a pouco, partiu-se de novo. E à terceira, quando ela começou a arder, com projecção do incêndio no ecrã, jurei a mim mesmo que nunca mais ali poria os pés enquanto não houvesse alterações ao estado de coisas que aqui descrevo. E assim foi.

Os anos foram passando e o Cine-Teatro Florbela Espanca a definhar, num marasmo de cortar o coração, degradando-se e aviltando os seus pergaminhos. Até que a Câmara Municipal de Vila Viçosa, em boa hora, resolveu adquiri-lo aos antigos proprietários e dar a tal volta de que falei atrás. Abriu-se concurso público, a fim de remodelar o interior do edifício, com novas valências, embora mantendo as anteriores de teatro e cinema. E o projecto surgiu, com autoria dos arquitectos da terra Manuel Lapão e José Carlos Ramalho e uma colaboração minha na área da memória cultural do teatro e do cinema em Vila Viçosa. A grande sala manteve mais ou menos a mesma volumetria, dando embora possibilidade de divisão em duas, uma maior, outra mais pequena, do tipo cinema de bolso, para realização de palestras, por exemplo. Uma zona lateral foi dedicada a galeria de arte, que tem mantido programa quase contínuo de exposições nos últimos quinze anos. E implantou-se um moderno sistema de ar condicionado.

Pelo menos duas vezes por semana, há sessões de cinema, com filmes de estreia, o que faz com que o público, que de há muito abandonara o Cine-Teatro, tenha vindo paulatinamente a regressar e a fixar-se. E grande parte das cerimónias municipais já ali se realiza, a par do uso público mais rotineiro, de cinema, teatro e espectáculos musicais. Ou seja, a casa salvou-se.

Em Vila Viçosa, não se recorreu à inclusão de lojas ou outros equipamentos comerciais no Cine-Teatro. Mesmo assim, não consta que a Câmara Municipal esteja a ter prejuízo com a administração deste espaço. No Mindelo, porém, a situação será outra. E por isso a ideia de Adriano Lima, deve ser estudada por quem de direito. Para além de que lojas e algum bar ou restaurante darão mais vida à Praça Nova durante a manhã e a tarde, para não falar em algumas noites da semana em que está deserta. Afinal, só há um sábado e um domingo por semana…

Pergunto eu, em título: “De Eden Park a quê?”. Parece-me que só há três respostas prováveis: a primeira, “de Eden Park a condomínio privado”, deve estar para sempre longe dos nossos horizontes de gente civilizada; a segunda, “de Eden Park a ruínas”, pelo mesmo motivo, também; a terceira, “de Eden Park a Eden Park”, parece-me a mais aceitável e única permissível, com as necessárias alterações que os tempos modernos exigem. O progresso é bom, não sejamos complexados, e é sabido que há coisas que não podem cristalizar no tempo. Mas com calma, mantendo-se as memórias, as finalidades, não destruindo mas adaptando. Um Eden Park jovem pode conviver perfeitamente com a ideia de lucro. Basta utilizar os miolos, basta não ser empedernido, basta ter espírito mindelense, de generosidade.

Um dos últimos acontecimentos que presenciei no Eden Park foi o que teve como protagonista o Coro dos Antigos Orfeonistas da Universidade de Coimbra que ali cantaram e encantaram na noite de 26 de Julho de 1999 (e não de 1998), como por lapso se indica no site do próprio coro. Foi a Dr.ª Ana Cordeiro, do Centro Cultural Português, quem me ofereceu o bilhete para o espectáculo, do qual o pai era um dos componentes. Lembro-me de que fui acompanhado pela minha amiga, professora D. Zinha Lima. A sala estava a rebentar pelas costuras. O coro arrancou, o público num silêncio impressionante, apenas interrompido por trovoadas de aplausos de cada vez que as peças terminavam. Até que se aconteceu uma surpresa: o Ildo Lobo surgiu no palco do Eden Park, para acompanhar o coro. “Tchapéu di Padja” e “Sôdad” foram duas das canções em que a hoje saudosa voz rouca do homem dos Tubarões acompanhou a mais doce dos doutores de Coimbra.

Após uma primeira parte de canções, seguiu-se outra de tradicional fado coimbrão. No fim do espectáculo, como é hábito, um dos componentes do coro chamou os elementos do público que tivessem sido antigos alunos da Universidade de Coimbra para, em conjunto com os orfeonistas, cantar a canção da despedida. Logo, um grupo de umas duas dezenas de pessoas se dirigiu ao palco. Entre elas, encontrava-se a Dr.ª Isaura Gomes…

Por favor, não me rasguem aquele cinema, como o porteiro rasgava o bilhete quando eu ali entrava; ou como me rasgaram o Café Royal; ou como me rasgaram o seu companheiro de infortúnio Park Miramar; ou como me rasgaram a Central Eléctrica, símbolo ímpar de arqueologia industrial; ou como me rasgaram a Matiota; ou… Enfim, é preciso ter fé nos homens e mulheres de boa-vontade. Acho que o período de sete palavras (número de sorte) com que rematei o penúltimo parágrafo deste CABO VERDE DI MEU diz tudo das minhas esperanças (e das do povo de São Vicente) sobre um desfecho feliz para o “affaire” Eden Park.

Mais palavras para quê? É um cinema mindelense…

5 comentários:

  1. De onde se prova que os BONS EXEMPLOS só o são para os possuidores de alguma honestidade mental e orgulho nas coisas das suas terras e da sua História...Coisa rara!
    Braça esperançoso,
    Zito

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  2. Artigo comovente actual um texto que os decisores e os arquitectos deviam ler. ""Por favor, não me rasguem aquele cinema, como o porteiro rasgava o bilhete quando eu ali entrava; ou como me rasgaram o Café Royal; ou como me rasgaram o seu companheiro de infortúnio Park Miramar; ou como me rasgaram a Central Eléctrica, símbolo ímpar de arqueologia industrial; ou como me rasgaram a Matiota.""
    É para dizer que isto tudo nos enche de grande tristeza. O sentimento de impotência em relação a esses assuntos é total e exasperante

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  3. Ficam avisados: Alguém que toque no fio de cabelo do Eden Park e verão saiar do chão todos os mindelenses vivos e mortos (como se diz em crioulo de Soncente 'ques que são') reclamar um pedaço desta pedra. Portanto que guardem todo o grãozinho de areia!!

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  4. Ficam avisados: Não será construido na Praia, EdenParK nenum com a areia e as pedras do nosso EdenPark !!!

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  5. O exemplo que o Djack aqui nos relata não foi único em Portugal. Em Tomar aconteceu exactamente o mesmo com o Cine Teatro de Tomar. Também não incorporou outras valências que não fossem as do cinema, do teatro e de espectáculos musicais. E também não consta que o cinema de Tomar esteja a ser um encargo prejudicial para a câmara municipal local.
    Acontece que o caso do Eden Park até suplanta em importância o dos cinemas das cidades portuguesas. É que o Eden Park é um património que excede o âmbito de uma ilha, de um concelho, pois projecta-se no espaço nacional cabo-verdiano. É pena que a Câmara Municipal de S. Vicente não tenha movido uma palha para salvar esse cinema histórico.
    Este belo texto do Djack em boa hora foi aqui reeditado.

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