O Rei José ainda lá está, em bronze, no lisboeta Terreiro do Paço, virado ao Tejo. Monta o seu cavalinho, em aparato de armadura anacrónica que nunca usou, com cara que o escultor teve de idealizar, ajudado por gravuras e pela efígie da moeda de real..., por o monarca nunca lhe ter mostrado a face... de carne. Um dinheirão custou a obra, cuja longuíssima história aqui não contamos nem as desditas do escultor Machado de Castro, incluindo as do dia de inauguração, em 6 de Junho de 1775. O infindável depósito de informação da Internet esclarecerá o leitor mais interessado no assunto.
Ora, que terá a estátua a ver com a repescagem de uma notícia de duas linhas pelo jornal "The Mechanicville Mercury" desta pequena localidade do estado de Nova Iorque, datado de 16 de Novembro de 1888?
É que o periódico (como já referimos) lembrava a grande fome de 1775 em Cabo Verde, em que, segundo ele, haviam morrido 16.000 almas.
Ou seja, enquanto em Lisboa se inaugurava uma estátua de luxo (aliás, a primeira pública no país), nas ilhas esquecidas morriam milhares de cabo-verdianos. Claro que o Rei se estava nas tintas para tal desdita. Queria ele lá saber da triste colónia, mais interessado que estava em paixonetas secretas. Quanto ao Pombal, o ministro que o servia, esse malandro/genial, esse sacana/empreendedor, esse assassino/inovador, também não se deixou emocionar. Outro que tinha mais que fazer...
Lembremo-nos então, quando por ali passarmos, que enquanto o povo de Lisboa dava vivas ao Rei que, receoso de atentados, assistia à inauguração escondido numa sala do andar superior do Terreiro, em Cabo Verde havia gente a morrer à fome. Exercício fácil de fazer...
Quero acreditar que, em 1775, a circulação das noticias seria coisa bem lenta...Afinal de contas, o periódico americano refere o facto 113 anos depois de acontecido e nem se trata de uma efeméride o que, não minimizando as culpas, espelhará a dificuldade que haveria em exercitar mecanismos de ajuda a populações à distância de meses de navegação o que, no entanto, nada tem a ver, claro, com a eventual falta de vontade e de interesse do Reino!
ResponderEliminarSaber isso, mesmo agora, causa-me constrangimento. Essas noticias deviam servir para acalmar a ganância de alguns e fazê-los compreender que não têm nenhum espirito de sacrificio nem consegue fazer um Plano. Quando falo de sacrificio não me refiro a doar o que ganham mas lembrar que todos têm estômago e direito ao minimo para a subsistência.
ResponderEliminarSe o nosso sol brilha para todos, até estrangeiros, deviamos fazer com que os dividendos beneficiassem o maior nùmero possivel de concidadãos.
Quanto a cavaleiro, rezam as más línguas da história (ou as suas notas de rodapé) que D. José o era mais de outra espécie de animal, dito racional. Um fraco e irresponsável rei que teve a sorte de ter um grande governante, Pombal, que até se inspirou em certo iluminismo. Mas um iluminismo à medida da sua visão pessoal e ferido de morte pela sua falta de escrúpulos. Não dava para sequer ler as notícias que vinham de Cabo Verde, quanto mais para retribuir com mantenhas.
ResponderEliminarA tragédia da fome em CV espelha o abandono que Lisboa votou a colónia. 200 anos depois da tragédia CV tornou-se independente
ResponderEliminarEstou com o nosso querido Zito no seu entendimento que tudo isso, a que ele se referiu, tudo conjugado acaba por explicar a situação vivida; embora não retire o mal-estar que causa saber (ainda que a séculos de distância) o que de trágico se passava aqui nas ilhas, em simultâneo. E tão realisticamente descrito no texto.
ResponderEliminarAbraços
Ondina