sexta-feira, 5 de fevereiro de 2016

[1860] O "Clan Macnab", outro afundamento nas águas de Cabo Verde durante a II Guerra Mundial

Ocorrência 14 - O desastre do "Clan Macnab"

(ver treze anteriores ocorrências, em posts já lançados do Praia de Bote; clique na etiqueta Ocorrência, mesmo no final deste post)

Luís Filipe Morazzo
Como vimos na peça anterior, a captura da famosa máquina “Enigma” pelas forças aliadas foi de tal modo importante para o abreviar do desfecho da guerra que, segundo a opinião de alguns historiadores, este período poderá ter rondado seguramente os dois a três anos, poupando deste modo milhares de vidas aos militares e às populações civis que estariam envolvidas em ações de guerra nesse intervalo, mais os muitos milhões de dólares em material de guerra de todo o tipo que seria perdido, bem como as inúmeras cidades e vilas que seriam destruídas inapelavelmente.

No início da segunda guerra mundial, as mensagens eram todas transmitidas por rádio, sendo facilmente intercetadas pelos inimigos. No entanto, graças às codificações da famosa máquina Enigma, os textos coletados pelos aliados permaneceram por muito tempo completamente ilegíveis. A máquina era usada para criptografar todas as comunicações militares alemãs. Os aliados, e também os alemães, acreditavam que o código secreto da Enigma era indecifrável. Neste período os aliados perderam milhares de homens, a bordo das dezenas de navios que foram afundados inapelavelmente todos os meses, especialmente nos mares em redor das ilhas britânicas.

Como já vimos através de um sistema de rotores e fios cruzados, a Enigma produzia 17.576 alfabetos substitutos e mudava automaticamente o código a cada vez que uma tecla era pressionada. A façanha dos cientistas de Bletchley Park liderados pelo génio matemático Alan Turing, os homens que realmente decifraram o laborioso código usado pelos alemães nas suas máquinas de cifragem Enigma, tem gerado inúmeras lendas, mas a aura de sigilo que se criou em torno dela foi mantida muito depois do Dia da Vitória.

Surpreendentemente, apenas em 1975 aqueles que combateram e sobreviveram à guerra do lado aliado tomaram conhecimento deste grande feito da inteligência militar que salvou milhares de vidas. E ainda que a equipe de Bletchley Park mereça cada honraria que tem recebido desde então, houve outros cujas contribuições cruciais ainda não receberam o justo reconhecimento.

Para mascarar todo este enorme logro em que os serviços secretos alemães mergulharam em relação à máquina Enigma, não bastava, no entanto, decifrar todas as comunicações secretas do inimigo: a destruição de cada navio alemão do qual a posição fosse conhecida era precedida do envio de um avião de reconhecimento que sobrevoava o local de forma que parecesse acidental. Este fazia-se ver com nitidez, e o ataque podia então ser feito sem alertar o estado-maior inimigo de qualquer outra suspeita. Deste modo, o maior segredo deste conflito foi mantido inviolável até muito para lá do seu término.

Continuando a pesquisa cronológica dos navios naufragados nas águas de Cabo Verde, no período da Segunda Guerra Mundial, chegou a vez de abordarmos o caso do navio Clan Macnab. Este vapor britânico construído em Irvine (Inglaterra), em 1920, apresentava um deslocamento bruto da ordem das 6200 toneladas, afundou-se a cerca de 100 milhas a NE da ilha da Boavista, após ter sido abalroado pelo petroleiro norueguês Strix. Este navio fazia parte do já nosso conhecido comboio SL-68 formado em 12 Março 1941, na Serra Leoa, com destino a Liverpool. 

Na tarde de 17 Março de 41, quando cruzava as águas de Cabo Verde, o comboio começou a ser alvo de fortes ataques por parte dos submarinos U-105 e U-106, (como aliás já vimos em peças anteriores). Nesta situação, a ordem que o comodoro (capitão mais antigo embarcado no comboio) transmitia imediatamente aos restantes navios, era para aumentarem a velocidade, observarem rigorosamente o silêncio do rádio e começarem a navegar em zig-zag, a fim de se tornarem alvos mais difíceis para os torpedos dos submarinos. Todos os comboios usavam como recurso de defesa passiva a técnica do zig-zag, para isso tinham um navio guia. Era este quem determinava qual o movimento evasivo a ser usado em cada ocasião. O caos muitas vezes estava lançado, quando um dos navios do comboio não conseguia executar correctamente a manobra do navio guia. O risco de abalroamento era eminente, uma vez que a navegar em comboio, os navios navegavam muito próximos uns dos outros e de noite sempre com as luzes apagadas.

No dia 17 de Março de 41, pelas 11:10 p.m., foi exatamente isso que aconteceu ao petroleiro norueguês “Strix” que não conseguiu evitar o abalroamento com o malogrado Clan Macnab, que foi atingido violentamente no porão n.º 2, pelo lado de estibordo. Após o acidente o comodoro permitiu ao comandante do Clan Macnab tirar o rumo de imediato a S.Vicente (Cabo Verde), a fim de poder sofrer as reparações que tanto necessitava. Infelizmente devido à forte entrada de água a bordo, o Clan Macnab teve de ser abandonado no dia seguinte. Os 66 náufragos ocuparam duas das baleeiras de bordo, respetivamente 36 na n.º 4 e 30 na n.º 3. 

Ao apelo de socorro lançado pelo Clan Macnab, acorreu a corveta Crocus que conseguiu recuperar os 36 sobreviventes a bordo da baleeira 4, os outros 30 continuaram a singrar na direção das ilhas de Cabo Verde. Infelizmente 16 destes náufragos morreram pelo caminho, devido à exposição aos elementos, ferimentos, fome etc. Os restantes conseguiram arribar na costa sul da ilha de S. Nicolau, perto da povoação da Preguiça, em 22 de Março. Mais tarde os sobreviventes foram transportados para a Ribeira Brava, localidade situada mais a norte desta ilha, onde receberam tratamento, roupa e melhores alojamentos.

8 comentários:

  1. É inesgotável esta história trágico-marítima, das ourelas da ultima conflagração mundial...Vi alguns filmes com referecias à Enigma, uma máquina codificadora excepcional mas, em matéria de enganos marciais, nada suplanta o filme "O Homem Que Nunca Existiu" de cerca de 1955 que vi, claro, no Eden-Park e de cuja trama ainda tenho na memória algumas ocorrencias geniais...Creio que se podem fazer downloads desses filmes antigos, como, por exemplo, "Os Canhões de Navarone"...Bons tempos...e bons filmes!
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    1. Nunca vi "O Homem que Nunca Existiu" mas é como se o tivesse visto. Tive durante anos um livrinho de uma colecção de cinema (acho que se chamava mesmo "Colecção Cinema" ou coisa parecida) que fazia resumos de filmes e este era um deles. Era uns cadernos de tamanho A5 com meia dúzia de fotos e umas 12 folhas. Foi assim que soube como os ingleses "inventaram" um aviador (a partir de um sujeito morto com pneumonia) que fingia de abatido/afogado e levava nos bolsos (ou numa pasta) documentos secretos que serviram de engodo para os alemães que o encontraram (a coisa foi preparada de modo a ser assim) desviarem armamento e soldados de um sítio onde as tropas aliadas pretendiam desembarcar. É engraçado conhecer um filme sem o ter visto, a partir de um resumo escrito.

      Braça edem-parquista,
      Djack

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  2. Sempre imperdíveis, estes relatos que nos são proporcionados.
    Ficará para sempre na memória e na gratidão do mundo livre o fantástico trabalho realizado pela equipa de cientistas que decifrou o sistema funcional da máquina Enigma. O exército português utilizava nos anos 70 e 80 duas máquinas de criptografia (Diane e Nadir) que julgo se baseavam em sistema semelhante. Conheci-as bem porque em 1977 frequentei um curso de oficial de segurança criptográfica.

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  3. Esses náufragos eram depois concentrados em S.Vicente onde residiam em "casas de pasto" mas para pouco tempo. Logo à chegada eram contactados pelos dois representantes da MI, que residiam em aposentos na Western, e recambiados em barcos neutros até Lisboa de onde regressavam à casa. Só ficaram mais tempo no Mindelo os chineses e os indianos, talvez devido as dificuldades em os mandar^para o oriente.

    Â propósito da exfiltração dos britânicos, sucedeu um facto que ia "dando barraca" mas não foi bem com um náufrago mas com um telegrafista inglês, passageiro de um barco da CUF que teve uma avaria que o obrigou a aportar nas Canárias.
    Pouco tempo depois da chegada, um barco de guerra alemão que soube da presença do british foi busca-lo "manu militari". Mal sabiam que Mr. Ronion transportava uma valise mas entregue pelos MI's mas... "tout est bien qui fini bien" ele terminou a Guerra num campo de concentração mas teve tempo de comicar pela telegrafia do barco que o levava que tinha sido caçado e que "perdeu uma valise".

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  4. Emanuel Charles D'Oliveira23 de abril de 2016 às 01:04

    É com muito prazer e curiosidade que leio os artigos do Sr Morazzo acompanhados de comentarios de qualidade que enriquecem cada tema ou cada naufragio neste caso. Tambem sou um caçador dessas informaçoes e julgava-me um tanto ou quanto solitário nessa andança até descobrir este blog e as peças do Sr morazzo. Tenho alguma experiencia em mergulho em naufragios ou vestigios dos mesmos nas nossas águas, tendo registado cerca de uma centena dos mais antigos espalhados pelas ilhas todas. Posso partilhar.

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    1. Meu caro, teremos todo o gosto em tê-lo connosco. O nosso colaborador Morazzo tem agora andado um pouco arredado mas deve ser por ter muito trabalho, segundo nos disse da última vez que nos escreveu,

      Abraço,
      Djack

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  5. Ao que parece teremos em breve mais um "Reforço" para a equipa Djack. Bem aja.

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