quinta-feira, 18 de fevereiro de 2016

[1904] Mais um afundamento nas águas de Cabo Verde, durante II Guerra Mundial

Ocorrência 15 - O caso do "Medjerda"

(ver catorze anteriores ocorrências, em posts já lançados do Praia de Bote; clique na etiqueta Ocorrência, mesmo no final deste post)

Luís Filipe Morazzo
A Alemanha entrou na guerra em Setembro de 1939 com 57 submarinos organizados em seis flotilhas. Todavia, só 32 unidades se destinavam ao combate no mar alto, pois os restantes 25 eram submarinos costeiros do tipo II (250 toneladas). Daí que quase não se possa falar de autêntica guerra submarina até Março de 1941, data a partir da qual se intensificou verdadeiramente a pressão naval germânica contra a navegação atlântica dos aliados, ou mais concretamente da Grã-Bretanha. Foi mesmo a 6 de Março de 1941 que Winston Churchill, em discurso pronunciado nos Comuns, utilizou pela primeira vez o termo Batalha do Atlântico, referindo não a luta iniciada em Setembro de 1939, mas a sua intensificação a partir das medidas tomadas pelo seu governo para a guerra antissubmarina.

O grande comandante da marinha alemã Karl Dönitz, acreditava que a guerra seria ganha ou perdida no Atlântico, nomeadamente na interdição do acesso à Europa, logo à Grã-Bretanha e à União Soviética, dos enormes recursos em meios materiais e humanos dos EUA e Canadá. Para tal, a batalha seria contra a tonelagem; era preciso afundar mais navios mercantes do que aquilo que os estaleiros aliados podiam construir. E estiveram quase a consegui-lo.

Em 1942, os submarinos germânicos e italianos afundaram 1160 navios com 6.266.215 toneladas brutas e os aviões da Luftwaffe e os navios de superfície elevaram esse total para 7.790.697 TBR. No mesmo ano, os estaleiros aliados ficaram-se sensivelmente pelos 7 milhões de toneladas de novas construções

No fim de 1942, a Kriegsmarine já contava com 393 submarinos, dos quais 212 estavam em operações contra os aliados. Em Outubro desse ano, três submarinos IXC operaram no Oceano Indico e perturbaram de tal modo a navegação local que o porto de Lourenço Marques chegou a estar fechado vários dias.

O "Medjerda"
Como vimos anteriormente na descrição do ataque ao comboio SL-67, em águas de Cabo Verde, acontecimento ocorrido no dia 8 de Março de 1941, em que seis navios foram afundados implacavelmente em rajada. O principal culpado deste massacre foi uma das armas mais letais que os nazis apresentaram nesse conflito, o submarino do tipo IX B.

O submarino alemão do tipo IX B deslocava 1034 toneladas (1405 t em imersão). Media, como todos os submersíveis da sua classe, 76,50 m de comprimento por 6,80 m de boca. Contava 48 homens de equipagem. O seu armamento era constituído por 6 tubos lança-torpedos de 533 mm, 1 canhão de 105 mm, 1 de 37 mm e 1 de 20 mm. Podia transportar um stock de 22 torpedos ou várias dezenas de minas. Tinha uma autonomia de 22 200 km com a velocidade estabilizada a 10 nós.

A profundidade operacional do «U-106» um dos protagonistas no ataque do comboio SL-67 (construído em 1940 nos estaleiros Deschimag, de Bremen) era de 100 m e a profundidade de rutura de 200 m. Atribui-se a este submarino a destruição de 20 navios aliados, durante uma carreira activa de 35 meses. O «U-106» foi afundado no dia 2 de Agosto de 1943 ao largo do cabo Ortigal (costa galega) por granadas submarinas lançadas por um hidro do Comando Costeiro britânico.

Continuando na esteira do comboio SL-68, após termos assistido aos torpedeamentos dos cargueiros holandeses Tapanoeli e Mandalika e do inglês Andalusian, entre os dias 17 e 18 de Março de 41, vamos agora encontrar o cargueiro inglês Medjerda de 4300 toneladas brutas, construído em 1924 para o armador F.C. Strick & Co Ltd, London, a navegar penosamente na cauda do comboio, não só, devido a uma arreliadora avaria nas máquinas, mas também, à pesada carga de 6000 toneladas de minério de ferro, que lhe abarrotava totalmente os porões. Infelizmente todos sabemos que durante uma caçada, as presas que por qualquer razão se deixam ficar para trás do grupo, inapelavelmente são as primeiras a tombar, vítimas dos ataques planeados de predadores insaciáveis.

O caso do Medjerda não fugiu à regra, eram 4h18, do dia 18 de Março de 1941, encontrava-se como já vimos a navegar com muita dificuldade a cerca de 90 milhas a leste da ilha de Santo Antão, quando foi atingido mesmo por baixo da ponte de comando, por um torpedo G7, lançado pelo U-105. A explosão provocada a bordo foi devastadora, em 30 segundos após se ter partido ao meio e ajudado pela pesada carga que transportava, o navio afundou-se, levando para o fundo do oceano todos os seus 36 tripulantes.

3 comentários:

  1. Quando leio estes relatos fico comovido por saber a desdita dos marinheiros e o horror que isso tudo causou à Inglaterra e aos familiares. Mas a primeira imagem que me vem é a dos nàufragos que aportavam a S.Vicente, famintos, cansados e contavam a odisseia, a sorte que tiveram e o que teria sucedido a outros escaleres que optaram por caminho oposto. O horror e a revolta duplicavam-se quando se sabia que os U-Boat não respeitavam o limite das àreas maritimas. Tinham pressa de enviar tudo ao ar para irem recomeçar a chacina mais adiante.
    Pensem o que sentia um menino de sete anos.

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  2. Causa sempre alguma impressão saber que tudo isso aconteceu nas costas, ou relativamente perto destas ilhas. Quando li os textos, veio-me à memória o romance «Enquanto Lisboa Dormia» de Domingos Amaral, cuja acção da narrativa se desenrola durante a II Guerra Mundial, com reencontros entre alemães e ingleses, nos céus e mares da costa portuguesa.
    Afinal tudo se passou aqui tão perto... Desconhecia esta parte da história destas batalhas do Atlântico. Obrigada Luís Filipe Morazzo.
    Abraços
    Ondina

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  3. Há aqui uma riqueza de pormenores sobre o facto histórico em si e sobre as características técnicas dos submarinos. Interessante mesmo. O que é trágico neste episódio é a dimensão das perdas humanas. Ninguém sobreviveu a bordo do Medjerda.

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