Adriano Miranda Lima |
Para publicação no Pd'B, foi-nos enviado este poema pelo nosso amigo e colaborador Adriano Miranda Lima, com a seguinte mensagem: "Sucede que a casa paterna de uma tia minha (por afinidade) tinha uma coisa dessas no quintal, em Fonte Cónego. Por acaso, ela é a avó paterna da Roanna Soulé, vencedora com bronze nas recentes VI olimpíadas de matemática da CPLP . Quando a tia fez 80 anos, homenageei-a com o poema em anexo, associando o seu crescimento ao som das pás do equipamento." Pd'B junta-lhe o anúncio recentemente publicado, mais uma foto do seu arquivo pessoal onde se vêem dois desses moinhos, na Ribeira de Julião
(À minha tia pela passagem do seu 80º aniversário)
SORTILÉGIO DE PRIMAVERA
Ao som cavo da bomba de água girando
A menina salta à corda em movimento sincopado,
Sua voz cristalina musicando cada pulo.
É uma flor crescendo no silêncio do quintal!
A tarde veste-se com a rútila incandescência
Do horizonte que algures desmaia em tons púrpura,
E instantes depois um halo de mistério envolve Fonte Cónego,
À luz baça dos candeeiros e ao cantar dos grilos.
É hora de mangatchada e jogos de roda e cabra-cega,
Os gongons espreitando ao virar da esquina.
Ela procura-se no seu labirinto serpenteando o luar,
Com a inocência mofina raiada no olhar.
Mas a voz da mamã quebra-lhe a euforia
E fica suspensa a respiração da noite.
Mas um dia tiram-lhe a lua e dão-lhe asas de sol
E começa outro breviário num tempo silente e grave
Porque até uma flor inocente tem de aprender
A ostentar-se em todas as lapelas da vida.
Suas pétalas foram exalando luz e fragrância cada dia,
E foi amor-perfeito para aquele que um dia
Levou uma serenata à janela do seu quarto.
Dez flores gerou e criou com afago de lírio
E bravura de acácia em chão duro.
Foram sementes de luz que a brisa guiou ao seu destino.
Hoje deslumbra-se com o crescimento do canteiro à sua volta,
Onde cada rosa, cravo ou jasmim é um conto jubiloso.
Mas a areia da ampulheta flui e reflui no seu regaço
Baralhando-lhe a noção do tempo,
E debalde vira do avesso o instrumento
Contando cada grão de areia sem atinar com a aritmética.
Fica sem saber se foram oito ou oitenta primaveras,
Porque a melodia que ouve dentro de si é eterna,
A da bomba de água do quintal em seu rodar gemido
Que embalava a menininha de cintura fina saltando à corda.
Uma algema de fogo prendeu o tempo no seu coração.
Adriano Miranda Lima
Mais do que um poema, isto é um conto, com principio, meio e fim, percurso poético de uma m'nininha de Fonte de Cónego que saltava à corda ao compasso do gemebundo moinho de vento à cadência do vento leste...Adriano, meu amigo, você é um romântico incorrigivel!
ResponderEliminarEsqueci-me de referir que, quando trabalhei, na Brava, para a Brigada de Estradas que estava a fazer o acesso - dificílimo - de Nova Sintra à Fajã d'Água, todos os dias me deslocava às frentes de trabalho num jeep (!) igualzinho que era muito fiel aos lucros da marca: todas as semanas partia um semieixo...
EliminarNeste, enquanto o tive à vista, nada disso aconteceu. No caso do que refere, se fosse outro jipe e de outra marca, com esse trabalho, teria acontecido o mesmo, acho eu. A "brigada de estrada" não era o "suave" caminho da Baía das Gatas, da Ribeira do Julião, do Mato Inglês ou do Monte Verde. Aliás, ganhava-se algum (razoável) dinheiro na "brigada de estrada", porque era tarefa difícil. Não das dificuldades desse trabalho mas do dinheirinho que com ele se ganhava, lá o fala a morna a que a Cesária tão bem
Eliminardava voz, a "Teresinha":
Oi Terezinha
D'nher d' Angola ja cabá
Ja'm ca tem dinhero
Qu'e pa'm gasta ma bo
Si bo ca qu're
Ranja ma mim
'M ta ranjo-be um
Na brigada d'estrada
(...)
Braça a partir pedra vulcânica,
Djack
Amigo Zito, você conhece-a bem. É a Maria Josefina Vitória (Soulé por casamento), filha do José Vitória, que era telegrafista no Telégrafo Inglês e fotógrafo nas horas vagas. Ela tem 10 filhos (as tais flores), um dos quais é o pai da menina que ganhou o tal bronze em matemática.
EliminarTinha que ser algo do género pois o aroma alegórico é evidente!
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