segunda-feira, 2 de janeiro de 2017

[2770] Primeira colaboração deste ano é de Arsénio Fermino de Pina (do qual desejamos mais colaborações e esperamos comentários)

Escutar para Melhor Actuar e Servir 
Quase uma carta aberta ao Presidente da Câmara Municipal de S. Vicente

Arsénio Fermino de Pina
Entendi-me muito bem com Augusto Neves quando ele era director administrativo do Hospital Baptista de Sousa, tendo podido ultrapassar muitas dificuldades, bloqueios e carências de que outros se queixavam, com benefícios reais para a enfermaria que dirigia e poupanças ao Hospital. Presumo que foi por lhe fazer propostas concretas, justificadas e escritas, não ficando à espera muito tempo pelas suas concretizações; voltava à carga com certa frequência, até obter a satisfação do que acreditava necessário, útil, relativamente acessível e em conta, por ter estado convencido de que nadávamos em diagnósticos inseguros, faltando terapêuticas específicas. Para mim, a política, ou estratégia, deve consistir no acto de descobrir as potencialidades que existem na situação concreta do momento para tornar possível, amanhã, o que no presente parece impossível. Foi a estratégia que segui na condução, com sucesso reconhecido, do Projecto/Programa da PMI/PF.

Por isso, intriga-me que, em S. Vicente, por exemplo, os munícipes se queixem da dificuldade de acesso ao presidente da Câmara Municipal, o que nunca deveria acontecer. Mesmo funcionários de outros departamentos estatais e reformados têm tido dificuldades nesse acesso. Afinal, não é com autoritarismo, utilizando um estilo verticalista e estabelecendo controlos repulsivos que se pode superar as deficiências e falta de apoio dos servidores do Estado e da população. O que é aconselhável é discutir com os próprios funcionários e os utentes municipais as medidas a adoptar, porque se as pessoas participarem nas decisões, sentem-se envolvidas e comprometidas com a atitude que tiver a administração em relação aos seus trabalhadores e munícipes, o que é de vital importância para que estes se sintam co-responsáveis dos serviços que prestam, ou usufruem, e se disponham a trabalhar ou a aceitar as medidas com eficiência. Ao preocupar-se com as suas condições de trabalho e de vida, ao valorizar o seu contributo à sociedade, ao permitir-lhes recuperar a sua dignidade, modifica-se a imagem que o próprio funcionário e os munícipes têm de si próprios, com consequente aumento da sua colaboração, e isso, por sua vez, irá repercutir-se positivamente na sua eficiência. Ao mesmo tempo, ao melhorar a qualidade de serviço que presta, o trabalhador sente-se mais satisfeito consigo e recebe o apreço da população.

Paços do Concelho de São Vicente - Imagem antiga
Geralmente, a chave-mestra das administrações para chegar às bases e motivar a participação das pessoas na gestão urbana e rural, tem sido mobilizar a população para discutir e decidir acerca das acções e obras da Câmara Municipal ou do Governo, de acordo com os seus recursos e suas prioridades. Essa prática foi utilizada no governo de Lula da Silva, no qual o orçamento era elaborado através de um processo de debates e consultas, não á porta fechada somente com os técnicos ou os governantes, mas com consultas e debates alargados à população, definindo-se os valores das receitas e dos gastos e decidindo-se onde seriam feitos os investimentos, quais deveriam ser as prioridades, as acções e obras a serem executadas pela Câmara ou Governo. Tal procedimento é que se pode chamar de democracia participativa, a verdadeira protagonista de construção de uma sociedade democrática, onde se estimulam e se respeitam todas as formas de auto-organização popular, sem tentar submete-las ao partido político ou Estado, o que, infelizmente, nunca aconteceu cabalmente entre nós. Um orçamento participativo é também um instrumento muito eficaz na luta contra o clientelismo e o intercâmbio de favores. Como a definição das obras a executar é feita pelos próprios munícipes, neutraliza-se assim a influência dos dirigentes administrativos, vereadores e entidades locais influentes na distribuição dos recursos. Estamos em crer que a regionalização é capaz de conseguir isso, por ser uma organização política mas sem filiação formal.

A terminar direi acreditar ser possível contornar esse hermetismo do presidente da Câmara Municipal, servindo-se da defesa da descentralização que professa (ou contra o centralismo que condena) incompatível com o afastamento do povo e com o favorecimento dos inimigos da democracia. Estou mesmo em crer que o amigo Augusto Neves é favorável, de alma-e-coração, à regionalização, a qual, ao contrário do que alguns afirmam, não põe em cheque o municipalismo, mas antes o redime, integrando-o harmoniosamente no seio e em benefício de toda a comunidade urbana e regional. 

Parede, Dezembro de 2016

3 comentários:

  1. Esta carta do Arsénio, portadora de recados, sugestões e conselhos para quem governa a coisa pública em S. Vicente, é tão rica de conteúdo e bem intencionada nos seus propósitos, que devia ser endereçada a um número alargado de destinatários em Cabo Verde. Diria que quase todos os que exercem cargos públicos ou de direcção política.
    Confesso que não tenho um conhecimento de proximidade com o que se passa em S. Vicente, apesar de uma vereadora do executivo ser uma sobrinha minha. Apenas me chegam uns rumores que, pela sua natureza, me parecem justificar plenamente esta missiva do Arsénio. Desde que passei a ler os seus escritos, e já lá vão muitos anos, passei a ver o Arsénio como um dos cidadãos mais qualificados, mais aptos, mais lúcidos e mais experientes para se pronunciarem sobre os problemas da nossa terra. Creio que são em número muito escasso os que têm da cidadania um entendimento tão amplo e completo, de uma exemplaridade que é pena não faça escola entre aqueles que praticamente vivem de costas viradas para a sua gente depois de realizarem os seus objectivos de vida.

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  2. Arsénio nos habituou com sugestões límpidas de adequam com um ambiente em que viveu numa altura em que, mesmo sem querermos, captamos factos e ficam germinando na nossa mente. O articulista viveu em quase todas as ilhas e acompanhou o pai, um clínico, que sabia encontrar soluções para a sua terra e seu Povo. O filho seguiu as suas pegadas e teve a oportunidade de viver em outros horizontes onde adquiriu (e deu das suas) experiências. Agora, estando disponível para dar quanto pode à terra natal parece não encontrar quem no comando o ouça. Mais uma vez penso que "ninguém é profeta em sua terra".
    Será que ai ser sempre assim?

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  3. O amigo Arsenio de Pina não cansa nas suas denúncias e artigos de opinião esclarecedores sobre a situação nacional e internacional. A situação de bandono da ilha de SV é aflitiva, e as culpas embora dos governos a 90% são repartidas pela CMSV nos 10% que lhe sobra. Está sendo hoje denunciado no facebook (Tonecas- António Pedro Silva, Presidente da Adeco) aquilo que qualificam de vergonha nacional o estado de abandono de uma oficina naval, assim como as instalaçºões do Mestre Cunq. Caros amigosEu já não acredito muito em Cabo Verde!!

    ""ERGONHA NACIONAL
    Crime contra Cabo Verde.
    Como é possível que a mais moderna oficina de reparação naval, construída de raiz e oferecida pela Alemanha nos finais dos anos 80, esteja nestas condições?
    O que é feito pelas Autoridades e Forças Vivas de São Vicente?
    Para mim não há duvida; os piores inimigos de Cabo Verde são ... cabo-verdeanos!""

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