segunda-feira, 24 de abril de 2017

[2934] PAM!, PAM!, PAM!, nem pensar, em 1913, em São Vicente...


Escrevemos o seguinte texto há já 10 anos, então com base em dados obtidos no jornal "Futuro de Cabo Verde". Repescámo-lo agora, no âmbito de longa e sistemática pesquisa que estamos a empreender em periódico lisboeta, no qual encontrámos com data de 16 de Setembro de 1913 outra notícia sobre o mesmo assunto - que aqui deixamos, como exemplo da incipiência (mísera indigência, melhor dizendo) do cuidado de Portugal nesta época relativamente a Cabo Verde. Nem um canhãozinho, que vergonha, nem um...

HISTÓRIAS DE MAR (6) - Texto publicado em 23.06.2006, no jornal "Liberal", de Cabo Verde (1.ª série, extinto)
PORTO GRANDE DE S. VICENTE, 1913: A HUMILHANTE FALTA DE CANHÕES PARA SALVAR NAVIOS

Decerto sabe o leitor que este "salvar" do título, referido a navios, nomeadamente os de guerra, tem conotação especial. Quer dizer "saudar" e tem origens bem recuadas. Uma das primeiras marinhas a utilizar a saudação com salvas de artilharia, terá sido a inglesa. De início, apenas sete tiros. Então ainda poucos, devido ao facto de ser difícil recarregar com rapidez as peças de bordo, para desejável repetição. A estes sete disparos sem bala, ripostavam de terra as fortalezas com o triplo – ou seja, vinte e um, número que veio a ser adoptado nos vasos de guerra quando o progresso da indústria de armamento tornou possível maior celeridade no recarregamento dos canhões.

Temos portanto que, ainda hoje, quando um navio de guerra arriba a um porto nacional ou estrangeiro pela primeira vez ou após longa ausência, é hábito fazer essa saudação – que se espera de parte a parte e que, quando não realizada ou correspondida, é estranhada ou mesmo considerada ofensiva. 

E cremos não haver cabo-verdiano que não tenha assistido a esse espectáculo de tiroteio sem animosidade, entre as naves de guerra que demandam portos do arquipélago e a artilharia de costa, sempre empenhada em equivaler em barulho explosivo aos que do mar saúdam os portos nacionais. 

O "Kongo"
Mas nem sempre foi assim. Recuemos a Setembro de 1913 e entremos no Porto Grande de S. Vicente. Dois cruzadores estrangeiros por ali passam e ambos vêem, sob a impassibilidade do Monte Cara, a sua boa educação não ser retribuída de terra. Enfim, os seus governos, o japonês e o alemão, bem tinham sido avisados pelo português de que as nossas peças não estavam grande coisa, que responder a amabilidades navais em Cabo Verde era coisa difícil, praticamente impossível, mais isto e mais aquilo. Ou seja, que a nossa artilharia estava numa completa e desgraçada miséria. Fora mesmo o comando militar local a informar desta falha o corpo consular representado no Mindelo. Mas as comunicações por essa altura também deixavam muito a desejar e a verdade é que o "Kongo" japonês (de que falámos na semana passada) e o alemão "Vineta" ou não sabiam da penúria artilheira portuguesa ou fingiram ignorá-la. E vá de salvar, como exige a ordenança naval. Salva o japona e de terra, nada! Salva o boche e aspas, aspas! E levanta-se entre os forasteiros a suspeita de má vontade por parte das autoridades militares da ilha. Zanga expressa, à vista quase um conflito diplomático.

O "Vineta"
Desde Abril que a situação se prolongava. Tendo sido pedidas novas peças a Lisboa, estas demoravam a chegar, somando-se vexame sobre vexame, de cada vez que um navio de guerra estrangeiro aportava à baía. Salvou a honra do convento o capitão dos portos que se dirigiu a ambos os barcos, para apresentar desculpas pela falha portuguesa. Ao que consta, no alemão elas foram de pronto aceites. Mas no do sol nascente a coisa não foi tão fácil e o pobre oficial teve que colocar todo o seu empenho diplomático para sanar o incidente – aliás, as autoridades locais excederam-se em amabilidades junto do "Kongo" e este acabou por partir com boa impressão da ilha, como também vimos no texto anterior, tendo tudo acabado com visita guiada de homens e senhoras da ilha ao cruzador e um bom chá na câmara do comandante.

Por aqui se vê que, em vésperas da primeira Guerra Mundial, quando todas as potências se preparavam afincadamente para o conflito que já se adivinhava, Portugal não tinha uma mísera peça no melhor porto da sua mais próxima colónia, só uma, ainda que para dar tiros de pólvora seca…

Mas, infelizmente, havia coisas mais prementes em que pensar. Como avançava o "Futuro de Cabo Verde" na mesma altura, "Ameaça-nos uma crise horrorosa. As chuvas até agora ainda não se registaram em S. Vicente e Santo Antão. Ali, ao que parece, já a miséria é enorme. Informam-nos que os trabalhadores emigraram para a Povoação e Ponta do Sol, mendigando (…)". Na realidade, o que era a falta de um canhãozito, ao pé disto?... 

NOTA: O cruzador "Vineta", chefiado pelo comandante Adelung, fora construído nos estaleiros de Kaiserliche Werft, em Danzig, e deitado à água em 1897. 



3 comentários:

  1. PRAIA DE BOTE -- VOLTOU! VIVA!
    _____________________________

    " AS PEÇAS DO FORTIM DO MINDELO"

    ..." Depois de um profundo sono de há mais de 2 meses, acordaram por fim as peças do Fortim desta cidade.
    Quando no outro dia se ouviu o tiro das 13 Horas, houve uma ovação delirante,palmas e gritos, etc.

    E tinha isto realmente a sua razão, porque dias antes tínhamos assistido ao triste e vexatório espectáculo de um navio estrangeiro salvar a terra e não ser correspondido.

    Mas o bonito é que, estando estragadas as rouqueiras peças -- sentinelas avançadas do Porto Grande -- e havendo aqui um pessoal técnico que trabalha com chorudos vencimentos nas chamadas oficinas do Estado -- o bonito, repetimos, é que foi preciso que por aqui passasse um curioso, por acaso, para que elas, coitaditas,tivessem o remédio de que necessitavam para se restabelecerem" ...

    Voz de Cabo Verde 1913

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  2. Saúdo efusivamente o reaparecimento do blogue Praia de Bote. Sempre pensei que a ausência seria coisa temporária e de pouca dura. Praia de Bote ca tá morrê, porra!!!

    Não imaginas, Djack, o desalento em que andava o nosso querido amigo e companheiro destas lides bloguistas - o Artur Mendes. Tive de lhe garantir que devia tranquilizar-se porque o Djack não era capaz de deixar um bote à deriva.

    Perante este silêncio envergonhado do nosso belo Porto na hora de trocar salvas, não me furto a comentar assim: Eh pá, o país "colonizador" não tinha calibre para certas coisas. Coitado... o que se havia de fazer senão esperar que tempo viesse em que se arranjaria umas peçazitas para saudar os mastodontes de aço que nos visitavam. E foi por falta de calibre que o Porto Grande ficou para trás enquanto Las Palmas e Dakar se apetrechavam para uma franca concorrência.

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  3. Gostaria de, neste momento, ouvir canhões tonitroando do Fortim d'El Rey. Como isso é completamente impossivel (jà sabem quem são os culpados) saùdo o Bote que se afundou de tristeza. Não pudémos dar-lhe a(s) mãos(s) de que necessitava nem sequer lançar um tiro de pedido de Socorro. Mas a gente dessa Praia sempre foi valente e contamos com a sua força.
    Coragem, Companheiro !

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