quarta-feira, 17 de maio de 2017

[2955] Da construção/reforma do Estado (2/2)

Praia de Bote publica hoje a segunda e última parte de um longo e profundo texto de Arsénio de Pina (ver post 2952 AQUI), esperando que o autor comente regularmente alguns dos posts que aqui vão sendo lançados, aqueles que achar mais interessantes. 

Arsénio de Pina - Foto Joaquim Saial
É bom de ver que o nosso país, apesar de gozar da fama de boa governança, aplica muito pouco essas capacidades do Estado, razão por que o nosso progresso vem minguando, sobressaindo-se vários vícios condenáveis que não auguram correcção de asnidades, erros e negligências cometidos no passado, com favorecimento de determinados sectores de actividades e grupos de empresas públicas e privadas favorecidas com PCA, directores e presidentes de certas instituições de regulação económica, alguns autênticos oligarcas de partidos políticos, num país em que desempregados de longa duração desesperados cometem delitos sem receio de irem parar à cadeia por beneficiarem de comida e cama, como vem acontecendo na ilha onde me encontro, S. Vicente.

A liberalização da economia, a economia de mercado e a globalização não podem ser instituídas na ausência de instituições nacionais adequadas, como aconteceu em vários países do Terceiro Mundo; entre nós até tivemos uma longa moratória concedida pela OMC (Organização Mundial do Comércio) para nos adaptarmos, que não foi utilizada, o que levou à falência, por concorrência desleal (dumping) de empresas estrangeiras, de algumas das nossas jovens indústrias, facilitando e promovendo-se a importação, quando deveríamos ter investido na criação e robustecimento de pequenas e médias empresas e indústrias e ligações marítimas entre as ilhas a fim de limitar as importações. Critérios de prioridade não são utilizados entre nós, porque se fossem, teríamos dado, como ilhas, prioridade absoluta, à comunicação marítima. Há ilhas (de vocação agrícola) que não se desenvolvem por não poderem exportar e não criam indústrias de transformação dos seus produtos pela mesma razão e pela empolada burocracia que emperra todas as iniciativas e protege funcionários preguiçosos e incompetentes, facilitando até a corrupção para ser ultrapassada. Um exemplo do cancro burocrático: em 1989, Fernando Soto enviou os seus investigadores ao Peru para montar um pequeno negócio: 10 meses dispensados, 11 repartições visitadas e 1231 dólares de custo, para, finalmente, conseguir autorização legal para montar um estabelecimento. O mesmo processo nos EUA ou Canada teria demorado menos de 2 dias. Em Cabo Verde, presumo, pelo que me contam, levaria mais tempo do que no Peru. E lamentamos não ter muito investidores. Dispomos de burocratas especializados em empatar a resolução de problemas, renitentes a encontrarem soluções.

Bem, cheguei ao que pretendia. Uma grande parte da teoria da organização gira em torno de um único problema central: a da delegação de poder. Aí é onde está o busílis. O nosso Grupo de Reflexão Sobre a Regionalização e a Descentralização já falou e escreveu imenso sobre o assunto, mas irei acrescentar ou reforçar alguns pontos, não obstante ter chegado à conclusão que raríssimas são as pessoas que, actualmente, lêem em Cabo Verde, o que já motivou, da parte do Presidente da República, o slogan Ler Mais, Saber Mais, a ver se se estimula a leitura, factor essencial para o conhecimento, a cidadania e o desenvolvimento. Esquece-se de que os direitos cívicos devem anteceder os sociais. A defesa do bem social exige sempre o combate pelos princípios e ideias e as boas leituras ajudam muito nisso.

A Suiça é um exemplo de federalismo e regionalização. Há a comuna (local), o cantão (intermédio) e o poder central. A comuna tem direitos delegados do cantão e do centro, o cantão do poder central. Cerca de 75% dos impostos são cobrados e utilizados pela comuna e cantão e cerca de 25% pelo poder central. Se se aplicasse esse princípio em Cabo Verde, S. Vicente viveria na abundância bem como outras ilhas.

O professor F. Hayek, Prémio Nobel de economia e o papa dos neoliberais, salientou que a complexidade da economia moderna exige um grau cada vez maior de descentralização dos processos de decisão económica, até porque a maioria da informação usada na economia é de natureza local, normalmente somente do conhecimento dos agentes loco-regionais. Este facto levou-o a condenar o planeamento centralizado dos socialistas. A deslocação para níveis inferiores da hierarquia e para perto das fontes de informação loco-regionais dos centros de autoridade para tomar decisões permite, além do mais, às organizações uma resposta mais rápida a certos tipos de mudanças no ambiente externo que não se conformam com grandes delongas. Quando o processo de decisão está espalhado por um grande número de unidades, pode haver competição e inovação entre elas em benefício das populações. É o que temos defendido mas os governos têm feito ouvidos de mercador.

Os governos totalitários, geralmente de partido único, não apreciam a descentralização visto ela estar associada a altos níveis de participação e controlo populares, ligados, por isso, a valores positivos como a democracia. As organizações mais eficientes são inevitavelmente as administradas por pessoas muito capazes, a quem é concedida uma grande autoridade e autonomia e que necessitam de poucos controlos institucionais formais.

“A grande desvantagem da administração pública, comparada com a gestão do sector privado é as empresas privadas estarem sujeitas a um processo darwiniano implacável de competição e selecção, enquanto os serviços do sector público estão superlotados de gente incapaz aí metida pelo partido que governa; a sua vocação não é o serviço público, como devia ser, mas sectores para empregar, sem concurso público, familiares, amigos e militantes obedientes, razão por que a maioria deles ou vai à falência ou é suportada pelos impostos dos cidadãos sem nada produzir ou produzindo mau serviço. Entre nós temos vários exemplos dessas empresas.

A maior parte dos Estados do Terceiro Mundo, mormente em África, não são instituições auto sustentadas que possam sobreviver à retirada da intervenção externa ou da solidariedade internacional, por falhas na constituição das suas instituições, venalidade dos seus dirigentes e predomínio do populismo governamental que não permitem a execução do único poder legítimo que é exclusivo dos Estados, mesmo na globalização de hoje, o poder de fazer respeitar e cumprir as leis, como bem lembrou o Prof. Adriano Moreira.

S. Vicente, Maio de 2017      

2 comentários:

  1. Nunca tivemos um Ministério do Plano, departamento nuclear para o organização da Nação. Se me fosse possivel, nomearia o Dr. Arsénio de Pina que sempre apresentou trabalhos em todos os dominios que devem ser aproveitados.
    Um abraço, doutor.

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  2. Mais uma excelente abordagem aos nossos problemas, Arsénio. Já o tinha lido e mereceu logo o meu aplauso.

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