Praia de Bote está prestes a completar 3000 posts dedicados sobretudo ao Mindelo e a São Vicente, mas também ao restante Cabo Verde. Somos neste momento uma dos mais antigos lugares da Internet alusivos ao arquipélago da morabeza e esperamos adquirir ainda mais bidjiça blogal, sempre com as ilhas no pensamento. Neste sentido, já com alguns últimos posts de superior qualidade, vamos aprimorar os próximos seis (ou sete, contando com este e com o 3000 pelo meio, o da grande festa, alusivo a Manuel Ferreira, português tão ou mais cabo-verdiano que nós). Assim será!...
Estamos em 8 de Abril de 1943, em São Vicente. A ilha está atafulhada de soldados do contingente expedicionário que ali se encontra a defender o território então português de veleidades nazis. A Marinha vai dando conta do recado, reagindo conforme pode. Quando aos homens em terra, cumprem o seu dever com total traquilidade, já que o baixote do bigodinho acabou por nunca sequer tentar invadir o arquipélago, embora vontade não lhe faltasse.
Mas se por um lado a presença do exército é benéfica para muita gente e mata alguma fome de alimentos, nem tudo eram rosas para os expedicionários, mesmo os de maiores posses, como se pode ver por este postal que é enviado de São Vicente para o Palácio da Anunciada, na então Rua Eugénio dos Santos, hoje das Portas de Santo Antão (ver AQUI e AQUI personalidades que ali nasceram). Fizemos a transcrição, para melhor leitura pelos nossos visitantes (no final do post). O "João" referido, marquês e também 5.º conde de Rio Maior, era de seu nome completo João de Saldanha de Oliveira e Sousa (1878-1970). O postal é datado duas vezes, de 8 de Abril (no final) e de 17 do mesmo mês no início, em espaço que deve ter sido deixado em branco até o remetente o ter podido colocar no correio.
Este post, entre pesquisa, cópias, transcrição e arranjos diversos, demorou cerca de 45 minutos a ser realizado. Esperamos que os nosso leitores correspondam ao esforço com comentários (incluindo os nosso amigos, cujos textos publicamos com regularidade e que assim terão oportunidade de pagar o trabalho que temos com eles).
Meu
querido João,
Já
deitei no correio uma
carta
para ti que registei.
Aqui
vai este postal
para
te pedir mais
um
favor, isto é, se me
mandavas
pelo correio
uma
ou [duas - palavra que o autor se esqueceu de escrever] dúzias de velas
que
sejam boas e grandes.
……………………………………..
É
com velas que ilumino os meus aposentos
e
não há uma só em São Vicente, tendo eu de
fazer
uso de lamparinas. Petróleo para can-
deeiros,
também não há; uma verdadeira
miséria.
Não esqueças.
Um
enorme abraço do primo
e
amigo
João
Se em S.Vicente não se encontravam velas, que dizer das outras ilhas ?
ResponderEliminarNão tenho ideia de nos ter faltado luz em casa. Lembro-me de belos candeeiros (ingleses) de petróleo, recuperados na Western de onde saiam também alguns viveres importados, na sua maioria, da Argentina. Mas... isso era um privilégio para poucos. O que grassava era a miséria, a fome e tanta coisa mais que esse texto me faz lembrar. Criança curiosa ouvia, via e... não esqueceu tudo.
Venham mais. Por favor !!!
V/
É realmente curioso o assunto desta carta. Racionamento até de velas? Eu não era ainda nascido (estava ainda em gestação) mas não me lembro de ouvir dizer aos meus pais que faltou petróleo naquela altura.
ResponderEliminarEste post é realmente uma raridade, Dajck.
E mais ainda se pensarmos que este militar parece ser gente com recursos, pois escreve para um primo de sangue nobre, em Lisboa, a fazer o pedido. Eu avançaria que é oficial, mas é óbvio que posso estar enganado em tudo que anteriormente disse. Seja como for, o que é certo é que neste Abril de 43 faltavam na ilha as velas e o "pitrol".
EliminarBraça às escuras,
Djack