terça-feira, 28 de setembro de 2021

[5457] Novo trabalho inédito da poetisa cabo-verdiana Carlota de Barros

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Carlota de Barros com sete anos e na actualidade

SEGREDO

 

Vou contar-vos um segredo ao ouvido

sob o magnífico luar de hoje

visto de trás da vidraça da minha sala

 

Amei tanto as casas onde morei!

uma afeição infantil que ainda dura

 

Amei tanto os jardins da minha mãe

os lugares onde meu pai se sentava

para ouvir rádio ou escrever e ler tranquilamente

 

Na alma   sinto o som dos nossos passos  

pelos grandes quartos e salas 

da enorme casa ancestral do Tantchon

onde morámos e que tanto amei

 

Éramos felizes e sei-o

quando revejo os rostos dos meus irmãos

o olhar bondoso do meu pai

o sorriso lindo nos lábios da minha mãe  

e no seu olhar verde aveludado

 

Guardei bem o meu segredo

que me aquece a alma

sempre que me lembro

de como amei as casas onde morei

 

De dia penso nos sonhos que de noite sonho

em como amei as casas que meu pai escolheu para morarmos

e nos sonhos   escuto o alegre canto das aves que alegravam

e cobriam de encanto os belos jardins da minha mãe

  

A vida é breve

deixem que sonhe com as casas onde morei

os jardins admiráveis da minha mãe

os nossos sorrisos solares

trovas de cada manhã das nossas vidas

correndo pelos quartos e corredores

das casas onde morei

e a minha alma   o meu coração cantarão

os versos líricos mais belos 

que algum poeta jamais escreveu

 

Deixem que sonhe

com as casas onde morei

e que tanto amei

 

Carlota de Barros

Lisboa, 22 de Setembro de 2021

 

Os pais de Carlota de Barros em Moçambique

2 comentários:

  1. Carlota, a tua alma sensível precisa volta e meia de contar estes segredos para aliviar o peso da saudade. Todos nós acumulamos a vida inteira sentimentos, experiências e recordações, mas só alguns têm o condão e a arte de transformar a memória em intuição capaz de segurar o fluxo do tempo e reter a vida. Contas o teu segredo com belas e sentidas palavras que não precisam de metáforas, metonímias e outros recursos de linguagem para adensar a carga poética. Direi que a tua mensagem dispensa descodificações complicadas, ela é de efeito epidérmico, é sentida com a mesma veemência tanto pelo coração sofrido como pela alma que ainda se abre em flor.
    Mas não se pode associar a evocação da memória a qualquer sentimento de finitude, de algo que o tempo levou e agora só resta sentir o seu frémito longínquo sabe-se lá onde. A vida é um confronto entre a materialidade e a consciência, sendo a primeira necessidade reconhecida e determinada, e a segunda algo que, segundo Hegel, é liberdade e reside entre a superação e a transcendência. A consciência deve assim transportar permanentemente o reflexo da realidade vivida e que se vive, e penso que é isto nos deve dar a ilusão de um tempo sem marcos e sem limites. É isso produto da consciência, que não se sabe o que é mas apenas que se julga possuir.
    Quando eu estava a escrever este comentário, vi na televisão um esboço de ensaio da última peça da Eunice Muñoz (93 anos), com uma neta. Corpo já marcadamente envelhecido, mas consciência ainda viva e em busca de unir o tempo num mesmo ponto de realização humana.
    Sinto que a Carlota ainda lá está “na enorme casa ancestral do Tantchon, onde morou e que tanto amou”. Como poderia extinguir-se tanto amor?
    Ainda sinto o odor da brilhantina Yardley na cabeça do meu pai quando, numa madrugada, aos meus 6 anos, me pegou ao colo e rapidamente me transportou ao Hospital, acometido de pneumonia. Não é um acontecimento de exaltação saudosa, mas de um dos muitos da imensa teia em que a vida se faz de acasos, encontros e desfechos. Como extinguir-se o amor entre pai e filho?

    As minhas felicitações, Carlota.

    Adriano






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  2. Carlota, não sonha sozinha. Nôs também sonhamos, vez sem conta, com a nossa infância e a nossa adolescência na nossa terra.
    Espero vir aqui mais vezes pelos versos e pelos comentários também.


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