SEGREDO
Vou contar-vos
um segredo ao ouvido
sob o
magnífico luar de hoje
visto de
trás da vidraça da minha sala
Amei tanto as casas onde morei!
uma afeição infantil que ainda dura
Amei tanto os jardins da minha mãe
os lugares onde meu pai se sentava
para ouvir rádio ou escrever e ler
tranquilamente
Na alma sinto o som dos nossos passos
pelos
grandes quartos e salas
da enorme
casa ancestral do Tantchon
onde
morámos e que tanto amei
Éramos
felizes e sei-o
quando
revejo os rostos dos meus irmãos
o olhar
bondoso do meu pai
o
sorriso lindo nos lábios da minha mãe
e no seu
olhar verde aveludado
Guardei
bem o meu segredo
que me
aquece a alma
sempre
que me lembro
de como
amei as casas onde morei
De dia
penso nos sonhos que de noite sonho
em como
amei as casas que meu pai escolheu para morarmos
e nos
sonhos escuto o alegre canto das aves
que alegravam
e
cobriam de encanto os belos jardins da minha mãe
A vida é
breve
deixem
que sonhe com as casas onde morei
os
jardins admiráveis da minha mãe
os
nossos sorrisos solares
trovas
de cada manhã das nossas vidas
correndo
pelos quartos e corredores
das
casas onde morei
e a minha
alma o meu coração cantarão
os
versos líricos mais belos
que
algum poeta jamais escreveu
Deixem
que sonhe
com as
casas onde morei
e que
tanto amei
Carlota
de Barros
Lisboa,
22 de Setembro de 2021
Os pais de Carlota de Barros em Moçambique |
Carlota, a tua alma sensível precisa volta e meia de contar estes segredos para aliviar o peso da saudade. Todos nós acumulamos a vida inteira sentimentos, experiências e recordações, mas só alguns têm o condão e a arte de transformar a memória em intuição capaz de segurar o fluxo do tempo e reter a vida. Contas o teu segredo com belas e sentidas palavras que não precisam de metáforas, metonímias e outros recursos de linguagem para adensar a carga poética. Direi que a tua mensagem dispensa descodificações complicadas, ela é de efeito epidérmico, é sentida com a mesma veemência tanto pelo coração sofrido como pela alma que ainda se abre em flor.
ResponderEliminarMas não se pode associar a evocação da memória a qualquer sentimento de finitude, de algo que o tempo levou e agora só resta sentir o seu frémito longínquo sabe-se lá onde. A vida é um confronto entre a materialidade e a consciência, sendo a primeira necessidade reconhecida e determinada, e a segunda algo que, segundo Hegel, é liberdade e reside entre a superação e a transcendência. A consciência deve assim transportar permanentemente o reflexo da realidade vivida e que se vive, e penso que é isto nos deve dar a ilusão de um tempo sem marcos e sem limites. É isso produto da consciência, que não se sabe o que é mas apenas que se julga possuir.
Quando eu estava a escrever este comentário, vi na televisão um esboço de ensaio da última peça da Eunice Muñoz (93 anos), com uma neta. Corpo já marcadamente envelhecido, mas consciência ainda viva e em busca de unir o tempo num mesmo ponto de realização humana.
Sinto que a Carlota ainda lá está “na enorme casa ancestral do Tantchon, onde morou e que tanto amou”. Como poderia extinguir-se tanto amor?
Ainda sinto o odor da brilhantina Yardley na cabeça do meu pai quando, numa madrugada, aos meus 6 anos, me pegou ao colo e rapidamente me transportou ao Hospital, acometido de pneumonia. Não é um acontecimento de exaltação saudosa, mas de um dos muitos da imensa teia em que a vida se faz de acasos, encontros e desfechos. Como extinguir-se o amor entre pai e filho?
As minhas felicitações, Carlota.
Adriano
Carlota, não sonha sozinha. Nôs também sonhamos, vez sem conta, com a nossa infância e a nossa adolescência na nossa terra.
ResponderEliminarEspero vir aqui mais vezes pelos versos e pelos comentários também.