sábado, 19 de fevereiro de 2022

[6010] Ainda acerca da foto de babosas que o nosso amigo Zeca Soares nos enviou (ver foto no post 6008 e no 6009, apenas os comentários)


O nosso amigo e poeta mais que laureado José Luíz Tavares, tendo visto o post com a foto da autoria do Zeca Soares, corroborou que a decorativa planta é de facto a babosa. E, com grande gentileza, enviou um poema seu sobre a dita, a que juntou o seguinte texto:

Babosa, sim, senhor. Acerca da qual escrevi este poema publicado no meu primeiro livro editado, «Paraíso apagado por um trovão», 2003.

Ora a categoria do poema e do autor não permitem que aquele fique na zona de comentários e portanto aqui o colocamos com todas as honras habituais a material deste calibre.


Não eras flor de adorno,

inda auri-rubra reflorisses

pelos cariados muros

que a manhã descerra.


Qual puta da beira dos caminhos,

em árduos trejeitos te oferecias,

mas nos teus ranhos ressequias,

pobre madalena sem cristo

nem franjinhas.


Em latinório doutorão, de aloe vera

te crismaram, mas na redoma do que

me é mais íntimo amarguíssima babosa

serás sempre, a de baba rude e grossa,

santo remédio p’ra piolheira,

fado nosso de menino.


Tiveste honra de retrato

em catálogo de missão botânica,

alfenim de inocência entre dragoeiros

poltrões e rosinhas vulpinas

que nos tiram o sarro das narinas.


Foste minha frol de verde pino,

amor recidivo nos costados dessangrados,

mais profundos que os terrores que

em tinta a noite prescreve.


Mas, aonde a madrugada é susto,

te vejo posta em sossego,

então, suspirando, sou o pobre jonas

atirado às distantes praias do adeus.


José Luiz Tavares

1 comentário:

  1. Num mesmo comentário, felicito o Zeca Soares pelo foco oportuno e penetrante do seu olhar, ao mesmo tempo que felicito o José Luís Tavares pela rara beleza do seu poema. Enquanto o primeiro foca a singularidade da imagem exterior, o segundo encarrega-se da vibração interior da planta e da flor que dela desabrocha, celebrando o som do seu vagido e a luz que irradia na aspereza do ambiente à volta. Um hino à nossa bela língua.

    ResponderEliminar

Torne este blogue mais vivo: coloque o seu comentário.