Zito Azevedo |
Estava frio em Lisboa, nesse Outono de 1956, enquanto eu e mais uma mão-cheia de amigos aguardávamos ordem de embarque para Luanda, todos futuros Aspirantes do Quadro Administrativo de Angola, todos oriundos de Cabo Verde, principalmente de S. Vicente e da Praia… Lembro, além dos meus fieis companheiros na viagem desde o Porto Grande a bordo do “Ganda” (Dick Ferro e Adriano Lima), do Caldeira Marques, do Serra, do Lúcio e muitos outros pois, ao que recordo, éramos uns dezasseis, ao todo.
Os que tinham chegado antes de nós deram-nos algumas dicas sobre como tratar das coisas no ministério do Ultramar ou seja, não devíamos levar de uma só vez todos os documentos que nos eram exigidos, como declarações, estampilhas fiscais, certificados, etc., mas, apenas, uma parte. O funcionário do ministério dava-nos um raspanete e concedia mais dez dias para entregarmos os documentos em falta. A gente desculpava-se com a nossa ignorância, devida a falhas de informação, e dez dias depois lá íamos com mais alguns papeis… Bem, quando, finalmente, embarcámos em Lisboa para uma viagem de cerca de doze dias que nos havia de levar até S. Paulo de Luanda, tinham já passado trinta dias desde a nossa chegada de Cabo Verde…
Os que tinham chegado antes de nós deram-nos algumas dicas sobre como tratar das coisas no ministério do Ultramar ou seja, não devíamos levar de uma só vez todos os documentos que nos eram exigidos, como declarações, estampilhas fiscais, certificados, etc., mas, apenas, uma parte. O funcionário do ministério dava-nos um raspanete e concedia mais dez dias para entregarmos os documentos em falta. A gente desculpava-se com a nossa ignorância, devida a falhas de informação, e dez dias depois lá íamos com mais alguns papeis… Bem, quando, finalmente, embarcámos em Lisboa para uma viagem de cerca de doze dias que nos havia de levar até S. Paulo de Luanda, tinham já passado trinta dias desde a nossa chegada de Cabo Verde…
Claro que isso deu-nos tempo para calcorrear Lisboa de lés-a-lés, ir à Casa das Fardas comprar calças, calções, camisas, boné, tudo em caqui, verde garrafa, meias altas, botins castanhos e uma espécie de crachás de metal amarelo com as quinas pintadas a azul, que se fixavam às pontas dos colarinhos e eram o pormenor que nos identificava profissionalmente. Eu, que tinha perdido toda a minha melhor roupinha, num desagradável incidente no Porto da Praia (Santiago), fiz uma peregrinação à Avenida Almirante Reis que era, na altura, a Babel das compras, de onde regressei de calças de feltro cinzento clarinho e um casaco bem quente cor de tijolo. Era o conjunto da moda, como hoje acontece com as calças cinza e os “blazers” azuis.
Nós, os três que tínhamos viajado juntos, víamo-nos todos os dias e era rara a noite que não íamos beber umas cervejitas ao “Bolero”, um bar-dançante, “cabaret” ou como lhe queiram chamar. O “Bolero” ficava (e parece que ainda fica…) ali no começo da Rua da Palma, que sempre teve má fama, vá-se lá saber porquê. Era um sítio acolhedor, o consumo mínimo era uma cerveja que já não me lembro quanto custava, e tinha um conjunto musical com uma pinta especial: era um saxofonista, que também tocava clarinete, um acordeonista e um baterista; eram três, dos quais, dois, eram cegos… Nos intervalos das suas actuações, dava gosto ver o cuidado com que o baterista, o único que via, guiava os seus companheiros para fora do palco, diligentemente os acomodava a uma mesa onde três cervejinhas frescas os aguardavam e onde entabulavam animada conversa. Durante estes intervalos, contudo, o baile continuava, graças às músicas de uma “jukebox” bastante gasta, estrategicamente colocada a meio da maior parede do salão. Há coisas que a gente jamais esquece, por muitos anos que passem e o que se passou quando faltavam cinco dias para embarcarmos para Luanda certa noite, no “Bolero” é disso paradigma.
Dizia-se à boca pequena que o “Bolero” era um lugar de “engate”, que por vezes se viam uns parzinhos saírem sorrateiramente, fazendo os possíveis e os impossíveis para parecerem invisíveis e que umas vezes não regressavam e outras voltavam parecendo pouco à-vontade. Claro que nós não dávamos grande importância às más-línguas: a nossa intenção era passar umas horas divertidas, dar uns pezinhos de dança, beber umas cervejas, ocasionalmente um “whisky” baptizado, comer uma tapas… Nessa noite, os músicos descansavam e a máquina tocava – tenho a certeza - “No Man Is An’Island” e o Adriano dançava com uma moça cuja cabeça lhe dava pelo ombro, de corpo bem feito moldado por um vestido de malha cinzento, sapatos pretos e cabelo solto. Dançava bem, a moça, embora coxeasse levemente, com a perna esquerda. Passou-se um minuto, dois minutos e a cabeça do Adriano emergia acima da turba dançante, lá no fundo da sala quando ouvimos a exclamação disparada pelo vozeirão do nosso companheiro e que nos gelou o sangue: “O QUÊ? QUINHENTOS PAUS?”
Em menos de um fósforo, o Adriano atravessou a sala e saiu porta fora. Ficámos três dias sem o ver!
Zito Azevedo
Queluz, 3 de Janeiro de 2012
Bem, não é que eu não lhe quisesse estar na pele, mas começo por esclarecer que o Adriano aqui referido não sou eu. No post sobre o Ganda, perguntei ao Zito se ele não seria o meu primo, que também é Adriano (Adriano Oliveira Lima), mas o autor e protagonista da épica aventura logo esclareceu que era outro, para o efeito citando-lhe o nome com todos os apelidos, o que foi esclarecedor.
ResponderEliminarEsta história é bem divertida e está contada com todos os matadores, não há dúvida. Os 500 paus naquele tempo é que era efectivamente uma importância já bem puxadinha para a dita cuja. A menos que fosse coisa muito especial. Mas se foram 3 dias…
Mas vamos aguardar que muita coisa divertida promete o Zito.
E nôs diziamos (ao contràrio) "cosa de cabà ca ta ri".
ResponderEliminarAo ler a estorinha do Zito, via desfilar os nomes de dois dos meus ex-condiscipulos: o Caldeira Marques (que penso ser o Anton Catchupa) e o Adriano Lima que não deve ter sido o primo do Didi mas, o Adriano de Nha Concha. Ambos foram meus colegas do Liceu e muito bons rapazes.
Quando cheguei a Lisboa pela primeira vez (1963) fui guiado pelo Amândio Cabral, que tinha chegado um ou dois anos antes. Amândio contou-me que, a um amigo dele que acabara de chegar na capital, pediram 5.000$00. O rapaz não se desarmou e disse que não era filho de nenhum soba.
Amândio, que ainda està rijo e valente em S. Francisco (USA), havia de me contar mais outras do mesmo teor que se passaram com uns mnis d'Soncente que tinham sempre uma saida.
Obrigado, Zito, por avivares momentos que nos transportam a "aquele Pais" que não esquecemos.
E cá estamos, naquele circuito fechado habitual como parceiros de uma sessão de "bisca"...
ResponderEliminarAmigo Adriano, infelizmente o seu homónimo saíu sózinho e só três dias depois o revimos...Desculpe se não fui suficientemente claro mas agradeço a receptividade...
Meu caro Valdemar, trata-se mesmo do Toi Cachupa que, por sinal, é meu quase vizinho, aqui em Queluz e o Adriano tambem era o de Nha Concha...Tudo boa gente, com quem passei, juntamente com outros, no Liceu e fora dele, alguns dos melhores momentos da minha vida...E obrigado, pelo teu obrigado!
Eis que chega o quarto elemento do jogo...
ResponderEliminar...agradecendo aos outros três a participação em primeira, segunda e terceira mão.
Uma vez por outra, lá surge mais alguém para a festa mas isto de visitantes da PRAIA DE BOTE digital são muito menos faladores do que os da de areia... é gente leitora (e aos montes, o que prova à saciedade o interesse da praia) mas que não alinha numa boa conversa - pecha da generalidade dos blogues, como é fácil verificar.
Enfim, que se lixe! O que é certo é que a PRAIA irá continuar, sempre com o Monte Cara e o Fortim em fundo.
E com os quatro cavaleiros do após calipso activos, à semelhança dos rapazes de Liverpool (excepto o João e o Jorge que, coitados, já esticaram o pernil).
Abraço silencioso,
Djack