quinta-feira, 4 de outubro de 2012

[0259] CONTINUAÇÃO DO TRABALHO DE ADRIANO MIRANDA LIMA

TROPAS EXPEDICIONÁRIAS PORTUGUESAS A CABO VERDE NO PERÍODO DA SEGUNDA GUERRA MUNDIAL

3 - O caso particular do Batalhão de Infantaria 15

Adriano Miranda Lima
Em post anterior, procurei explicar ao leitor a motivação que me leva e escrever sobre o presente tema. Ficou patente que a minha motivação se funda em razões de ordem histórica mas também sentimental.

Grande parte da minha narrativa toca a História de Portugal, mas é preciso ter presente que Cabo Verde fez parte integrante da História de Portugal até à sua independência política. À parte o subjectivismo de qualquer conjectura política e pseudo-reivindicações nacionalistas, as ilhas de Cabo Verde foram descobertas e povoadas por portugueses, e foram eles os criadores de um povo em cuja singularidade humana reside a marca inconfundível da alma e cultura lusas, por mais que alguns o queiram ignorar ou menosprezar. Desta forma, era previsível que os militares expedicionários viessem a sentir-se em própria casa, como de facto aconteceu, pois, mau grado o agreste da paisagem e a pobreza do meio, não tardariam a descobrir traços comuns na fisionomia idiossincrática dos naturais. Se a História se fez nas suas linhas formais, terá sido, porém, na liturgia das relações humanas que ela escreveu as suas mais belas e tocantes páginas.

As razões de ordem sentimental prendem-se, como referi em post anterior, com o facto de o Batalhão de Infantaria 15 (BI 15) ter sido mobilizado para a minha ilha natal (S. Vicente) precisamente pelo Regimento de Infantaria 15 (RI 15), onde servi largos anos da minha vida. E o sentimento reforça-se com o facto de eu residir em Tomar, sede daquele regimento, e cidade onde viveram e conheci muitos militares expedicionários e entre eles um oficial (capitão) que marcou indelevelmente a memória do povo do Mindelo, como terei oportunidade de vir a relatar.

Como foi dito anteriormente, a par de outros Regimentos do Exército, competiu ao Regimento de Infantaria nº 15 organizar e mobilizar para Cabo Verde um Batalhão de Infantaria (cerca de 800 homens). Conforme publicado em ordens de serviço do RI 15, o batalhão foi comandado pelo major Nicolau de Luizi e teve a seguinte constituição:

- Companhia de Comando e Trem, comandada pelo capitão Mário de Paiva Nunes;
- 1.ª Companhia de Atiradores, comandada pelo capitão Miguel da Conceição Mota Carmo (1);
- 2.ª Companhia de Atiradores, comandada pelo capitão José Paulo  Ribeiro de Almeida (2);
- 3.ª Companhia de Atiradores, comandada pelo capitão Fernando de Magalhães Abreu Marques e Oliveira (3)
- Companhia de Acompanhamento, comandada pelo capitão Pedro de Almeida Schiappa Pietra.

Para a constituição destas unidades, foi necessário recorrer a oficiais e sargentos milicianos dos cursos de 1940 dado que os quadros profissionais só constituíam um terço do enquadramento. As praças eram também da classe de 1940.

Depois de um período de treino e manobras militares na região de Tancos, o BI 15 seguiu para Cabo verde fraccionado em três contingentes.

Na véspera do embarque do primeiro contingente, a ordem de serviço n.º 292, de 19 de Outubro de 1941, do Regimento de Infantaria 15, publicava as seguintes palavras de exortação e saudação do coronel comandante do Regimento:

Aos senhores Oficiais, Sargentos, Cabos e Soldados do Batalhão Expedicionário:

“No momento em que a primeira fracção do 1.º Batalhão Expedicionário de Infantaria n.º 15 vai partir, quero dirigir-vos, com as minhas saudações, os mais sinceros votos de boa viagem.
As circunstâncias difíceis do presente exigem que todos os países estejam em guarda, os que se batem e os que querem, como Portugal, manter-se em paz. Hoje, porém, mais do que nunca, este desejo exige uma perfeita preparação para a guerra que possa impor a quem quer que seja o devido respeito.
A situação excepcional dos arquipélagos portugueses do Atlântico torna-os apetecível presa para ambos os contendores. A sua posse por qualquer deles teria influência importante na continuação da guerra. Mas porque são portugueses e Portugal quer-se manter alheado do conflito, é mister que tal facto se não dê e para o impedir ides vós como tantos outros vossos irmãos partir para garantir a sua ocupação.
Difícil e honrosa a vossa missão, é preciso que a presença de cada um de vós seja como letreiro onde se leia: AQUI É PORTUGAL.
Soldados!
O sacrifício e a heroicidade de outros soldados deste Regimento, vossos irmãos mais velhos, decorou a vossa Bandeira com as mais nobres insígnias militares. O Valor Militar, a Lealdade e o Mérito são o seu distintivo de honra.
No Guião do vosso Batalhão levais, com as cores da Pátria, as cores da fita do Valor Militar, honra especial que deve ser o vosso orgulho.
Sabei ser dignos de tão honrosa tradição e se, mais do que o vosso deslocamento, a Pátria exigir o vosso sacrifício, SOLDADOS DE INFANTARIA 15, FORTES, DISCIPLINADOS, DECIDIDOS, AFRONTAI O PERIGO, CONSTITUI MURALHA INVENCÍVEL E SE MORRER FOR PRECISO, SABEI MORRER PORQUE OS QUE MORREM COM HONRA VIVEM PARA A ETERNIDADE.”

Os três contingentes, com as respectivas composições, partiram nas seguintes datas:
- 1.º contingente (Comando, Companhia de Comando e Trem e 1.ª Companhia de Atiradores), embarcando em 19 de Outubro de 1941;
- 2.º contingente (2.ª Companhia de Atiradores e Companhia de Acompanhamento), embarcando em 17 de Novembro de 1941;
- 3.º contingente (3.ª Companhia de Atiradores), embarcando em 8 de Janeiro de 1942.

O 1.º contingente desembarcou em S. Vicente e seguiu logo para Porto Novo, ilha de Santo Antão.

O 2.º contingente seguiu também para a ilha de Santo Antão, mas a Companhia de Acompanhamento deixou um pelotão em S. Vicente, não podendo dizer qual era a sua especialidade orgânica.

O 3.º contingente, constituído apenas pela 3.ª Companhia de Atiradores, ficou em S. Vicente e permaneceu sempre na ilha.

Foto cedida pelo filho do capitão Paiva Nunes
Foto cedida pelo filho do capitão Paiva Nunes

As duas fotos acima reportam a formatura do 1.º contingente no cais da Rocha de Conde Óbidos, antes do embarque para Cabo Verde. Uma alta figura do ministério da guerra, tendo à sua esquerda o capitão Paiva Nunes, o oficial mais graduado do contingente, passa revista às tropas, como é da praxe militar. Era então Salazar que exercia o cargo de ministro da guerra e dos negócios estrangeiros, por acumulação. Tinha como subsecretário de estado, homem da sua alta confiança, Fernando dos Santos Costa, que exerceu o cargo de 1936 a 1944, passando depois a ministro da mesma pasta. Parece ser ele a entidade que preside à presente cerimónia, então com o posto de major. Como o cargo era de natureza política, Santos Costa tinha tutela hierárquica político-militar sobre generais, sobretudo depois de passar a ministro, sendo tenente-coronel.

Para esclarecimento do leitor civil e outros menos familiarizados com a linguagem castrense, a Companhia de Comando e Trem era a companhia formada por subunidades e órgãos de apoio ao funcionamento do Comando do Batalhão e de apoio de serviços orgânicos (transmissões, sapadores, alimentação, manutenção e serviço de saúde). Comandava esta companhia o capitão mais antigo do Batalhão, Mário de Paiva Nunes, que substituiria temporariamente o comandante do batalhão, em caso de necessidade, pois, pela minha pesquisa, constatei que a orgânica prevista para estas unidades não previa a função de 2.º comandante, como viria a acontecer anos mais tarde. É possível que a conjuntura não permitisse suficiência  de quadros para preencher todas as necessidades. E aconteceu que o capitão Paiva Nunes viria mesmo a substituir temporariamente o seu comandante de batalhão, major Nicolau de Luizi, dado ter ocorrido o seu falecimento, episódio de que se falará em próximo post. Refira-se que algumas das fotos que ilustrarão estas páginas pertenceram ao capitão Mário de Paiva Nunes (que atingiu o posto de coronel), tendo-me sido oferecidas por um seu filho.

A Companhia de Acompanhamento era a companhia que actualmente se designa por Apoio de Combate, regra geral constituída por um pelotão de morteiros pesados, um pelotão de canhões sem recuo, um pelotão de metralhadoras pesadas e um pelotão de reconhecimento.

Embora o conceito de operação inicial do comando das forças expedicionárias previsse para a guarnição de S. Antão apenas uma companhia de atiradores reforçada proveniente das forças posicionadas em S. Vicente, deve ter havido uma posterior actualização desse conceito, uma vez que a maior parte das forças do Batalhão de Infantaria 15 foi posicionada em S. Antão, com prioridade para a região do Porto Novo e visando especialmente o canal entre as duas ilhas vizinhas. Crê-se que, assim, resultou um mais ajuizado balanceamento entre as forças posicionadas nas duas ilhas mais críticas para a defesa do território, o que é compreensível. A 3.ª Companhia, essa, é que nunca saiu de S. Vicente, e em boa hora assim se decidiu, por razões que teremos ocasião de relatar.

No Porto Grande
O capitão Paiva Nunes vê-se à esquerda do oficial da Armada, em farda branca, que parece ser o Comandante dos Portos. A foto mostra um transporte em “gasolina”, cujo significado me é difícil decifrar. Poderia tratar-se da chegada do 1.º contingente, não estivesse a cidade do Mindelo ao fundo e em sentido contrário à marcha do meio de transporte. Mas como este parece ter deixado o cais, pode tratar-se do regresso à metrópole. O oficial de bigode, óculos escuros e chapéu colonial, em primeiro plano, tem todo o ar de um súbdito inglês, a acompanhar a tropa portuguesa em missão de simples cortesia. Mas como tudo isto que digo  é mera conjectura, pode ser que alguém tenha melhor palpite, ou até mesmo um conhecimento objectivo dos factos, se for contemporâneo dos acontecimentos.                             

O que é verdade é que o Batalhão de Infantaria 15 regressou a Portugal em Julho de 1943, mas com este apontamento não quero significar o encerramento deste tema, pois há mais para dizer em próximos posts.

(1) O capitão Mota Carmo viria mais tarde a ser administrador do concelho de S. Vicente.
(2) O capitão José Paulo Ribeiro de Almeida foi pai do Dr. Leonardo Ribeiro de Almeida (19 de Setembro de 1924 - 18 de Janeiro de 2006), que foi presidente da Assembleia da República e membro do Conselho de Estado, em Portugal, depois do 25 de Abril.
(3) O capitão Marques e Oliveira será enaltecido num próximo post pelo seu grande protagonismo humanitário.

Continua...

Tomar, 1 de Outubro de 2012
Adriano Miranda Lima

1 comentário:

  1. O CAPITÃO MOTA CARMO como Administrador da Ilha de São Vicente, não foi no meu tempo, mas por residir numa zona onde ele mandou construiu algumas infraestruturas, tenho conhecimento através das populações da zona, dei alguns episódios a ele relacionados. Por exemplo mandava para cadeia as moças com vestidos acima do joelho; Teve uns quantos amantes e alguns filhos mas, cuidava deles.
    Lembro-me do Orfanato de Mota Carmo, onde é hoje o Lar Nhô Djunga frente ao antigo campo de jogo da fontinha hoje Estádio Adérito Sena.
    Mandou construir alguns Diques de correcção torrencial, alguns com 100 metros de comprimento, na zona que vai da Rotunda da Ribeira Bote, passando pela ribeirinha, até perto do areia de salamansa.
    Foi graças a estas infraestruturas que nasceu o tão conhecido Ribeira de Paul em São Vicente. Quem não recorda da Morna "Ribeira de Paul é um paraíso, sala de visita de Mindelo"???
    Dizem as Pessoas mais antigas que sempre que chovia alguns daqueles Diques rebentava devido a força das águas, e ele Mota Carmo, ao fazer o reconhecimento e avaliar os estragos, comentava que tinha muita confiança no Dique numero 9 pois, dizia ele que era o mais resistente de todas. Até que um dia veio uma chuvada daquelas de transbordar os actuais diques, e levou toda o Paraíso da Ribeira para o mar. Dizem os mais velhos, que naquele dia não foi só verduras que foi para o mar; também a água invadiu casas lojas, e até gavetas com dinheiro foi sair no mar do Praia de Bote.
    Espero não vos ter aborrecido com esta história
    UM ABRAÇO!

    MARCOS SOARES

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